Prefeituras defendem continuidade do Mais Médicos
Foto: Igor Sperotto
Depois de meses sem dar retorno às prefeituras sobre a reposição dos médicos desligados do programa Mais Médicos no Rio Grande do Sul, o Ministério da Saúde emitiu um comunicado em seu site, no último dia 29 de julho, informando o envio de 77 profissionais vinculados ao programa para repor vagas em aberto no estado. Trata-se uma ação aguardada e cobrada pelo menos desde abril pelas prefeituras.
A informação, disponível na página do Ministério, não havia chegado oficialmente aos gestores, que criticaram o silêncio de Brasília. “O ministério não nos dá retorno, ficamos sem notícias nenhuma de Brasília por meses”, lamentava a vice-presidente do Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (Imesf) de Porto Alegre, Marcelina Ceolin, ainda sem saber, que no mesmo dia o ministério anunciaria o envio dos novos médicos; três para a Capital.
“Estamos sem referência no Ministério da Saúde: as informações estão desencontradas, não tem ninguém respondendo pelo programa no ministério”, admite o diretor do Departamento de Ações em Saúde do Estado, Elson Farias. Segundo ele, o Mais Médicos está acéfalo desde a mudança de governo, quando o presidente interino Michel Temer exonerou a diretoria responsável pelo programa sem nomear novos integrantes para o lugar dos antigos.
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“Há uma indefinição sobre o programa. A gente espera que se mantenha”, acrescenta a médica de família responsável pela diretoria de Atenção Básica de São Leopoldo, Lisiane Machado da Silva.
O temor de descontinuidade provém de diversas declarações do novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, que geraram polêmicas e desmentidos. Entre outros pontos, ele defendeu a redução do tamanho do Sistema Único de Saúde (SUS), o incentivo à criação de planos privados populares e afirmou que o Mais Médicos seria um projeto temporário. Oficialmente, o discurso é de manutenção do programa e a nomeação nos novos médicos demonstra que, pelo menos no curto prazo, ele segue ativo. Mas entre os gestores, o alarme foi acionado. “É visível a redução do Mais Médicos. A sensação que a gente tem é que ele está sob constante reavaliação e escrutínio”, lamenta Marcelina.
Concursos serão insuficientes
Diante da incerteza da continuidade nos moldes atuais do programa, prefeituras estão abrindo concursos para contratar quadros próprios, embora admitam que dificilmente será possível manter o mesmo volume de profissionais que hoje atuam no Mais Médicos, não só porque o custo é quatro vezes maior sem o auxílio do Governo Federal, mas porque ainda há muita resistência entre médicos brasileiros. “No último concurso que fizemos, chamamos 24 médicos, mas apenas dois ficaram”, revela Marcelina. Em Porto Alegre, das 123 vagas do Mais Médicos, 16 estão desocupadas – três devem ser preenchidas com a chegada dos 77 suplentes ao estado.
Na vizinha São Leopoldo hoje, são cinco as vagas descobertas, mas o município não aparece em nenhuma lista de reposição do Ministério da Saúde. “Faremos concurso para duas vagas e mais cadastro reserva”, admite a médica de família responsável pela diretoria de Atenção Básica do município, Lisiane Machado da Silva.
Viamão tem quatro das 29 vagas do programa em aberto sem previsão de reposição. “Levei pessoalmente ao ministro Ricardo Barros nossa preocupação. As receitas estão diminuindo, os repasses não chegam e o trabalho está sendo comprometido”, reitera a secretária municipal de saúde, Sandra Sperotto, que trabalha para tornar o plano de cargos e salários da saúde mais atrativo, pensando também em um concurso mais adiante.
Cubanos têm data para voltar
Desde 2013, quando entrou em operação o programa, foram criadas 18.240 vagas para médicos no Brasil. Desse total, 11.429 são naturais da ilha caribenha, o que significa 62,6% do total. São chamados médicos cooperados. Outros 1.537, ou 8,4%, são estrangeiros ou brasileiros com formação no exterior, conhecidos como intercambistas.
Os médicos que vieram do exterior tem contrato de três anos, prazo que já esgotou para quem chegou nos primeiros ciclos. No início de maio, a presidente Dilma Rousseff editou uma Medida Provisória prorrogando os contratos por outros três anos, só que não houve tempo hábil para tramitar o texto no Congresso Nacional antes que Dilma fosse afastada, logo a MP não está valendo.
Um acordo entre o governo interino brasileiro e Cuba garante a permanência desse contingente de médicos até depois das eleições de outubro. “Sabemos que ali na frente poderemos ter um problema muito grande. Não temos certeza do que vai acontecer”, preocupa-se o consultor e ex-presidente ddo Conselho das Secretarias Municipais de Saúde do Rio Grande do Sul (Cosems), Luís Carlos Bolzan. No Rio Grande do Sul, 348 municípios foram contemplados pelo Mais Médicos – 70% do total. Há 1.152 profissionais atuando – quase 80% são estrangeiros –, e eles estão presentes em 59% das equipes de saúde da família no Estado. São mais de 4 milhões de gaúchos beneficiados, segundo cálculos da Secretaria Estadual da Saúde.
O governo tem estimulado o ingresso de brasileiros no programa, como a decisãod e computar a experiência no Mais Médicos como nota extra nas seleções para residência médica em hospitais federais. Em 2015, a totalidade das vagas abertas no programa foi preenchida por brasileiros diplomados no país. Foram mais de 15 mil inscrições para 4.139 vagas.
Ainda assim, nenhum entrevistado do Extra Classe acredita na viabilidade do programa apenas com brasileiros no curto prazo. No Rio Grande do Sul, por exemplo, quase 80% dos médicos que participam são intercambistas ou cooperados. “No Brasil inteiro são 14 mil cubanos, é difícil imaginar que haja brasileiros para cobrir tantas vagas”, avalia o consultor do Conselho Cosems, Luís Carlos Bolzan
Foto: Igor Sperotto
Programa é suprapartidário
Sandra e Lisiane são gestoras de saúde em municípios governados pelo PSDB (Viamão e São Leopoldo), sigla que liderou a oposição ao governo Dilma Rousseff (PT), mas que possui 60% de prefeituras sob o seu comando participando do programa Mais Médicos. “Manter o sistema público de saúde é uma questão que ultrapassa os limites partidários. Acho que o SUS é o nosso grande partido”, avalia a secretária de saúde de Viamão, Sandra Sperotto.
O programa tem altíssima participação de prefeituras: são 4.085 municípios em todo o Brasil, entre os quais 2.500 só possuem médicos graças à iniciativa. A população beneficiada é de 63 milhões de brasileiros.
Entre os 35 partidos com registro do Tribunal Superior Eleitoral, 30 siglas que comandam executivos municipais aderiram ao Mais Médicos – e assim como os tucanos, muitos partidos de oposição mantém médicos financiados pela iniciativa em suas prefeituras.
Entre as cidades governadas pelo DEM, 55% estão no Mais Médicos. Os prefeitos do PP, sigla do ministro Ricardo Barros, chegam a 70% de adesão. O PMDB, do presidente interino Michel Temer, mantém 67% de cidades sob seu comando participando da iniciativa.
Embora não possa ser considerado “de oposição” a Dilma – com quem mantém amizade – o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, do PDT, liderou uma campanha intensa quando foi presidente da Frente Nacional de Prefeitos para encaminhar soluções à contratação de médicos nos municípios. Atualmente, entre gestores de seu partido, 69% possuem médicos do programa.
A adesão suprapartidária ao programa, apesar da forte ofensiva das entidades médicas que são contrárias à participação de estrangeiros e médicos brasileiros formados no exterior, confirma a necessidade dos municípios. “Pode até ser um projeto temporário, mas é decisivo para os prefeitos porque eles não conseguem contratar de outra forma”, afiança o diretor do Departamento de Ações em Saúde do Estado, Elson Faria.
Foto: Igor Sperotto