SAÚDE

Com 3.904 contágios e 111 mortes no país, Mandetta contraria Bolsonaro e assume protocolo da OMS

Ministro da Saúde voltou a participar da coletiva de atualização da pandemia neste sábado e enfatizou que a população deve ficar em casa
Por Gilson Camargo / Publicado em 28 de março de 2020

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, atualiza dados em coletiva de imprensa sobre à infecção pelo novo coronavírus no Brasil e volta a defender isolamento

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

Foto: Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

    O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, atualiza dados em coletiva de imprensa sobre à infecção pelo novo coronavírus no Brasil e volta a defender isolamento

Depois de ceder à pressão de Jair Bolsonaro e de Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro e filho do presidente, e alinhar o discurso com o Planalto contra o isolamento social e pela “reabertura da economia”, o ministro da saúde, Luiz Henrique Mandetta, reapareceu neste sábado, 28, na coletiva diária na qual o ministério atualiza a evolução dos números da pandemia no país.

Desde a noite de terça-feira, 23, marcada pelo “discurso da morte”, quando Bolsonaro aumentou em cadeia de rádio e tevê o tom das investidas contra as medidas de prevenção adotadas por prefeitos e governadores e até então defendidas pelo ministro, Mandetta havia saído de cena. Ao invés de acompanhar os secretários Wanderson Kleber de Oliveira (Vigilância em Saúde) e João Gabbardo dos Reis (executivo do ministério) nas coletivas diárias transmitidas pela internet, o ministro passou a fazer aparições ao lado de Bolsonaro. Como o presidente, Mandetta vinha endossando a ideia de isolamento vertical, apenas para idosos com mais de 60 anos.

A estratégia de isolamento social sugerida pelo presidente poderia levar à morte de mais de 529 mil pessoas, como demonstram os cenários projetados por pesquisadores do Grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College, de Londres, que fizeram o primeiro-ministro britânico Boris Johnson e o presidente norte-americano Donald Trump mudar as estratégias de enfrentamento da pandemia. Confira os cenários no final desta matéria.

Rio de Janeiro é o estado mais atingido pela pandemia, com 558 casos e 13 mortes. Depois de autorizar reabertura parcial do comércio, prefeito Marcelo Crivella, acompanhado do general Júlio Cesar Arruda acompanhou a ação de desinfecção na Central do Brasil por militares

Foto: Marcos de Paula/ PMRJ

Rio de Janeiro é o estado mais atingido pela pandemia, com 558 casos e 13 mortes. Depois de autorizar reabertura parcial do comércio, prefeito Marcelo Crivella, acompanhado do general Júlio Cesar Arruda acompanhou a ação de desinfecção na Central do Brasil por militares

Foto: Marcos de Paula/ PMRJ

A mudança de posição do ministro veio depois de uma tarde de sábado bastante tensa em Brasília, onde um encontro com Bolsonaro e a cúpula militar do governo teria terminado sem consenso sobre o principal ponto de discórdia do presidente e da equipe da Saúde, a quarentena. Mandetta e seus secretários chegaram a colocar os cargos à disposição, mas generais intervieram e acabaram convencendo o presidente que a saída do ministro passaria uma mensagem de ingovernabilidade em meio à crise. Assessores que acompanharam a queda de braço relataram que Bolsonaro foi enquadrado pelos militares e recuou.

Ao anunciar o aumento do contágio no país para 3.904 casos positivos para coronavírus e 111 mortes nas últimas 24 horas, Mandetta, que é ortopedista, mudou o discurso e voltou a defender o isolamento social para evitar a sobrecarga do sistema de saúde por um eventual aumento da letalidade da pandemia devido à falta de leitos e de UTI que ocorreria nesse caso. Para mostrar que segue empenhado em agradar ao chefe, apesar dos atritos, o ministro fez coro com Bolsonaro e atacou a imprensa. Afirmou que os meios de comunicação “são sórdidos, porque só vendem se a matéria for ruim”.

Mandetta argumentou que as ações da sua pasta são pautadas por critérios técnicos e pela ciência. “Precisamos ter racionalidade e não nos mover por impulso neste momento. Vamos nos mover, como eu disse desde o princípio, vamos nos mover pela ciência e pela parte técnica, com planejamento. Pensando em todos os cenários quando a gente fala de colapso, de sobrecarga, ou de sobreuso no sistema, a gente tá falando disso. Não só de sobrecarga na saúde mas, por exemplo, na logística”.

Destacou que o enfrentamento do coronavírus tem a marca do ineditismo no mundo e que a pandemia atinge a sociedade como um todo, diferente de outros surtos. “E aí eu volto a repetir: muitas vezes… Hoje está cheio de professor de epidemiologia, cheio de fazedores de conta, de cálculos. Preste atenção: essa epidemia é totalmente diferente da H1N1”, alertou. “Quem raciocinar pensando: nesta aqui foi assim, vai errar feio. Essa não é assim. Essa causou não uma letalidade pro indivíduo, não é esse o nosso problema. Nem daqueles que falam assim: ah essa doença vai matar só 5 mil, só 10 mil. Não é essa a conta”, disse, enfatizando que a covid-19 “ataca uma série de estruturas, no mundo”.

Sobre as ações para frear a curva de contágio, Mandetta descartou a adoção unilateral de isolamento vertical (somente para idosos) ou horizontal (para toda a população). “Não existe quarentena vertical, horizontal. Existe a necessidade de arbitrar em determinado tempo qual o grau de retenção que uma sociedade deve fazer. O lockdown – paralisação de toda e qualquer atividade e isolamento total da população – pode vir a ser necessário, em algum momento, em alguma cidade. O que não existe é um lockdown ao mesmo tempo, desarticulado. Isso é um desastre que vai causar muito problema pra nós da saúde”, destacou.

O ministro defendeu que todos os esforços sejam no sentido de garantir o funcionamento do sistema de saúde e recomendou parcimônia, mesmo diante dos números do ministério, que mostram o avanço diário do contágio e da multiplicação do número de mortes. “Agora não é hora de sobrecarregar o sistema de saúde seja em nome do que for. Agora é hora de aguardar, vamos ver como essa semana vai se comportar, e nós vamos ter nessa semana a discussão dentro da Saúde para achar os parâmetros, aqueles que tomaram medidas de acordo com a sua localidade sem o parâmetro, usou o parâmetro próprio, utiliza o seu parâmetro que nós vamos construir um consenso para nós podermos andar”. Ele também criticou as carreatas de empresários que passaram a pedir o fim do isolamento após o discurso de Bolsonaro. “Fazer movimento assimétrico, de efeito manada, agora nós vamos daqui duas semanas, três semanas… Os mesmos que falam ‘vamos fazer uma carreata de apoio’ vão estar em casa. Não é hora agora”, avisou.

Sem isolamento, Brasil teria meio milhão de mortes a mais

Arte: Grupo de Resposta à Covid-19/ ICL

Arte: Grupo de Resposta à Covid-19/ ICL

A epidemia do novo coronavírus poderia causar até 1,8 milhão de mortes no mundo, apesar das estritas medidas para reduzir a sua expansão, segundo estudo divulgado na quinta-feira, 26, pelo Grupo de Resposta à Covid-19 do Imperial College, de Londres. A hipótese foi formulada a partir de simulações matemáticas com dados conhecidos da doença, levando em consideração o contágio, a letalidade e outros fatores. Outro informe da instituição, divulgado em meados de março, projetava que se não fossem adotadas medidas preventivas como o isolamento poderia haver 510 mil mortes no Reino Unido, com uma taxa de contágio de 81%. O estudo mudou a política britânica de “imunidade de grupo”, que supõe que aqueles que se curam da infecção protegeriam os não contagiados. Desta vez, os pesquisadores concluíram que sem medidas preventivas a pandemia atingiria praticamente toda a população do planeta.

O modelo matemático projeta ainda variáveis em função das medidas que estão sendo adotadas nos diferentes países, considerando as diferenças econômicas, de idade, de cuidados com a saúde, etc., e constata que o total de mortes global seria de 1,82 milhão, com uma base de contágio de 470 milhões de infectados. O modelo, destaca o grupo de pesquisadores liderado por Neil Ferguson, “apenas dá pistas sobre as trajetórias possíveis e o impacto das medidas para ajudar a reduzir a difusão do vírus, levando em consideração a experiência dos países afetados no início da epidemia”.

CENÁRIOS DA PANDEMIA NO BRASIL

A modelagem estatística do Grupo de Resposta à Covid-19, do Imperial College, de Londres, para os cenários da Covid-19 no Brasil projeta que sem as medidas de mitigação da pandemia seriam infectados mais de 187 milhões de brasileiros e ocorreriam mais de 1,15 milhão de mortes. Já com o distanciamento social, a população infectada cairia para 122 milhões, com 627 mil mortes

Cenário 1- Sem medidas de mitigação:
População total: 212.559.409
População infectada: 187.799.806
Mortes: 1.152.283
Demanda por hospitalização: 6.206.514
Demanda por UTI: 1.527.536

Cenário 2 – Com distanciamento social de toda a população:
População infectada: 122.025.818
Mortes: 627.047
Demanda por hospitalização: 3.496.359
Demanda por UTI: 831.381

 Cenário 3 – Com distanciamento social com reforço do distanciamento de idosos:
População infectada: 120.836.850
Mortes: 529.779
Demanda por hospitalização: 3.222.096
Demanda por UTI: 702.497

Cenário 4 – Com supressão tardia
População infectada: 49.599.016
Mortes: 206.087
Demanda por hospitalização: 1.182.457
Demanda por UTI: 460.361
Por hospitalização no pico da pandemia: 460.361
Por leitos de UTI no pico da pandemia: 97.044

Cenário 5 – Com supressão precoce
População infectada: 11.457.197
Mortes: 44.212
Demanda por hospitalização: 250.182
Demanda por UTI: 57.423
Por hospitalização no pico da pandemia: 72.398
Por leitos de UTI no pico da pandemia: 15.432

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