SAÚDE

Secretários de Saúde denunciam falta de medicamentos em UTI. Governo envia cloroquina

Estoque de sedativos, anestésicos, bloqueadores neuromusculares e substâncias para sedação e intubação em hospitais públicos estão no fim, enquanto Ministério da Saúde envia cloroquina aos estados
Por Gilson Camargo / Publicado em 29 de junho de 2020

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Enquanto pacientes de UTI são intubados sem anestesia, Ministério da Saúde reforça envio de cloroquina, como no caso do Hospital do Complexo Esportivo do Ibirapuera. São Paulo recebeu 489 mil comprimidos do medicamento colocado sob suspeita pela comunidade científica

Foto: Rovena Rosa/ Agência Brasil

Informações do Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass) e do Ministério da Saúde com base nas notificações dos estados totalizam 1.386.195 casos confirmados de Covid-19 e 58.314 mortes pela doença até esta segunda-feira, 29, em todo o país. Foram 692 óbitos e 24.052 novos contágios desde a noite de domingo. Ao mesmo tempo em que alertam sobre o aumento de casos e óbitos por covid-19, secretários de saúde, gestores hospitalares e profissionais de saúde chamam a atenção do Ministério da Saúde para os baixos estoques de insumos e medicamentos para tratamento de pacientes em UTI. A resposta do governo, no entanto, tem sido enviar estoques de cloroquina para as redes hospitalares dos estados.

No Rio Grande do Sul, ocorreram 23 mortes por Covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando 582. De acordo com a Secretaria Estadual de Saúde (SES/RS), são 436 novos pacientes confirmados e um total de 25.569 infectados pelo novo coronavírus, que atinge a população de 81% do território do estado, 401 municípios. A taxa média de ocupação dos leitos de UTI é de 71,3%. Em meio a esse cenário de avanço da pandemia, o Conass relatou ao Ministério da Saúde que os estoques de medicamentos e insumos para o tratamento de pacientes de Covid-19 em estado grave estão acabando em vários estados.

O secretário executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco, e a diretora do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos, Sandra de Castro Barros, responderam ao relatório do Conass encaminhado na semana passada, que faz um mapeamento dos estoques de medicamentos em unidades de saúde dos estados. O fornecimento desses medicamentos e insumos é responsabilidade do Ministério da Saúde.

Na coletiva, Franco listou a quantidade de equipamentos de ventilação, EPIs e cloroquina encaminhados aos estados, mas não prestou contas sobre a falta de reposição dos estoques de medicamentos ou sedativos. Segundo ele, foram entregues 6.410 ventiladores pulmonares, 1.553 nos últimos sete dias. Os estados que mais receberam o equipamento até agora foram Rio de Janeiro (814), São Paulo (766), Pará (406), Minas Gerais (389) e Bahia (306).

Ministério da Saúde envia cloroquina aos estados

Enquanto pacientes de Covid-19 são entubados sem sedação em muitos hospitais públicos, o ministério redobra a atenção com a cloroquina, medicamento colocado sob suspeita da comunidade científica por provocar a morte de pacientes. O secretário informou que foram enviados para as secretarias estaduais de saúde 4,37 milhões de comprimidos. São Paulo foi destinatário de 489 mil unidades, Pará (439 mil), Alagoas (412 mil), Amazonas (371 mil) e Ceará (302 mil).

Também relacionou o envio de 115,7 milhões de equipamentos de proteção individual (EPIs): 54,7 milhões de máscaras cirúrgicas, 36,8 milhões de luvas cirúrgicas, 15,6 milhões de toucas, 3,4 milhões de máscaras N95, 2,9 milhões de aventais, 1,2 milhão de protetores faciais e 554 mil recipientes de álcool em gel. Os recursos destinados aos estados e municípios para ações de enfrentamento à pandemia do novo coronavírus somam R$ 9,7 bilhões.

Foto: Júlio Nascimento/PR

O secretário executivo do Ministério da Saúde, Elcio Franco relatou envio de equipamentos e cloroquina a estados

Foto: Júlio Nascimento/PR

SEM ANESTESIA – O relatório do Conass aponta a gravidade da situação de desabastecimento de alguns produtos e risco de falta de outros nos próximos dias em unidades de saúde dos estados.

No Rio Grande do Sul, os hospitais Nossa Senhora das Graças e Universitário, de Canoas, anunciaram a suspensão das cirurgia eletivas a partir desta segunda-feira, por falta de medicamentos e insumos, uma situação que atinge outros hospitais gaúchos. De acordo com o secretário de Saúde de Canoas, Fernando Ritter, a redução dos procedimentos visa poupar medicamentos importantes em leitos de UTI, que poderá ser inviabilizado se não houver reposição de estoques em no máximo duas semanas.

A assessoria de imprensa do Grupo Hospitalar Conceição (GHC) informou que o Nossa Senhora da Conceição, em Porto Alegre, está “com os estoques em dia”. Em março, o Conceição suspendeu procedimentos eletivos por falta de medicamentos e insumos. Em hospitais de pequeno porte, pacientes graves internados em UTI estariam sendo entubados sem a utilização de sedativos, de acordo com relatos de profissionais de saúde. Os sindicatos que representam as categorias de profissionais da saúde ainda não se manifestaram.

O levantamento do Conass teve como foco remédios usados em unidades de terapia intensiva (UTIs), estruturas fundamentais para atendimento a pacientes, especialmente no cenário em que a demanda aumenta com vários leitos sendo ocupados por pacientes que evoluíram para quadros graves de Covid-19. O relatório do Conass confirma a falta de sedativos, anestésicos, bloqueadores neuromusculares e substâncias utilizadas na sedação e entubação de pacientes. As unidades verificadas são aquelas listadas nos planos de contingência de cada estado, podendo ser tanto públicas quanto privadas.

O estado de Mato Grosso foi o que apresentou mais itens em falta (13), seguido por Ceará e Maranhão (12), Amapá e Tocantins (11), Rio Grande do Norte (10), Roraima, Amazonas e Bahia (9) e Pernambuco (8). O desabastecimento não foi verificado nos estados de Alagoas, Minas Gerais, Paraná, Piauí, Santa Catarina e Sergipe. O Conass não se manifestou sobre a situação do Rio Grande do Sul.

No caso de Mato Grosso, além dos 13 medicamentos indisponíveis nos estoques, nove só serão suficientes para atendimento da demanda prevista para os próximos três dias. Em Pernambuco, oito remédios estão em falta e nove devem acabar nesta semana.

São Paulo, estado que tem a maior população do país e epicentro da pandemia de covid-19, tem apenas um item indisponível, mas há 14 medicamentos cujo estoque deve durar até a próxima quarta-feira.

Alerta sobre falta de suprimentos em UTI do RS

No Rio Grande do Sul, o Grupo Técnico de Trabalho criado pelo Conselho Regional de Farmácia (CRF/RS) para a gestão de crise da Covid-19 relatou ao Conselho Federal e à Secretaria Estadual da Saúde (SES/RS) a falta de suprimentos na área hospitalar e manifestou preocupação com o desabastecimento de medicamentos sedativos e anestésicos que são utilizados em pacientes portadores de Covid-19 e de outras condições clínicas que necessitam de ventilação mecânica contínua, no ambiente hospitalar.

“Sem alguns desses medicamentos, a ventilação mecânica não pode ser feita de maneira adequada, trazendo risco de morte aos pacientes entubados. Solicitamos ao CFF que intervenha junto às autoridades sanitárias, em âmbito nacional, com pedido de providências na regularização de estoques de medicamentos para sedação e anestesia, bem como questione sobre a elaboração de plano emergencial que garanta o abastecimento destes produtos nos hospitais de referência, com o objetivo primordial de não colocar em risco a atividade dos profissionais de saúde e a vida de pacientes, especialmente os que se encontram em estado crítico”, afirma o vice-presidente do CRF/RS, Tarso Bortolini.

O farmacêutico Crismaiguel Dalbosco, que atua na área hospitalar em Passo Fundo, reforça que a situação vem ocorrendo devido aos pacientes de Covid-19 necessitarem de ventilação mecânica por um período prolongado. “Em virtude desta alta demanda, a indústria não tem conseguido produzir de maneira rápida nossas necessidades. Hospitais referência no atendimento à Covid-19 acabam passando por desabastecimento dos medicamentos, visto que o protocolo de atendimento é o mesmo. Com o aumento de pacientes contaminados, ocorreu aumento dos pacientes em UTI necessitando ventilação, e isso trouxe uma necessidade maior de sedoanalgésicos e bloqueadores neuromusculares”.

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