SAÚDE

Cobertura Universal de Saúde passa pelo fortalecimento do SUS no Brasil, diz especialista

Lígia Giovanella, da Fiocruz, reafirma importância do acesso universal e integral: “não fosse o SUS, teríamos mais mortes e mais sofrimento da população”
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 12 de dezembro de 2022

Foto: CEE/Fiocruz/ Divulgação

A integralidade da atenção é um dos princípios da cobertura universal: “cada um deve receber atenção conforme suas necessidades, não por mérito ou renda”, diz Lígia

Foto: CEE/Fiocruz/ Divulgação

Comemorar o Dia Internacional de Cobertura Universal de Saúde no Brasil significa defender a ampliação de recursos para o financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) que, apesar de ser um dos maiores do mundo em extensão populacional, ainda continua insuficiente.

Essa é a opinião da médica Ligia Giovanella, pesquisadora sênior da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz).

Com larga experiência no campo da saúde coletiva, ela ressalta que nesse dia 12 é importante entender qual é a diferença entre cobertura universal e acesso universal.

Para a especialista e integrante do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz, essas duas concepções de universalidade em saúde têm acirrado o debate internacional nos últimos anos.

Se na concepção de Cobertura Universal em Saúde há o incentivo da contratação de seguros de saúde diferenciados conforme a capacidade de pagamento dos indivíduos, no Sistema Universal de Saúde não há definição de uma cesta limitada: os serviços devem ser ofertados de acordo com necessidades populacionais.

“A integralidade da atenção é um de seus princípios; cada um deve receber atenção conforme suas necessidades, não por mérito ou renda”, diz Lígia.

Cobertura universal

Difundida por organizações internacionais como o Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde (OMS), a ideia da cobertura universal tem sido incorporada em resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU).

No entendimento de Lígia, há dubiedade nesse conceito que foi gestado por meio de relações entre a OMS, a Fundação Rockefeller e o Banco Mundial.

“Nos países europeus, em geral a universalidade se refere à cobertura pública de sistemas nacionais, sob designações como Universal Health Care ou Universal Health Systems”, explica.

A médica aponta uma contradição nessa concepção. Nos países em desenvolvimento, o termo é empregado à cobertura por serviços básicos ou por cobertura de seguros de saúde, públicos ou privados “com ênfase no subsídio à demanda em detrimento da construção de sistemas públicos universais”, ressalta.

A cobertura de saúde por um tipo de seguro, seja ele público ou privado, não necessariamente garante acesso aos serviços de saúde conforme as necessidades, afirma Lígia.

“Por isso, no Brasil, nós defendemos o SUS que dá acesso universal de todos os cidadãos residentes no país. Isso é distinto de ter uma cobertura por um seguro privado que, em geral, cobre aquilo que está em seus contratos, com um pagamento que depende não só da capacidade de pagamento das pessoas, mas do risco de saúde apresentado pelo contratante”, enfatiza.

Para a pesquisadora, o sistema privado não é solidário e não cobre todas as necessidades de saúde de uma população.

Ataque agudo ao SUS

Lígia lembra que a dotação orçamentária do SUS sempre foi insuficiente para dar conta de um sistema universal. “Sempre foi, mas sofreu ainda um desfinanciamento agudo com a Emenda Constitucional (EC) 95 que precisa ser revogada para garantir a atenção universal, o acesso universal”, aponta.

A EC 95, continua a pesquisadora, congelou os gastos públicos em saúde de uma forma que, mesmo que o país aumente suas receitas, não pode reajustar seus gastos em saúde.

O que ela considera um contrassenso, pois trata-se de uma área em que os custos são crescentes devido às constantes mudanças de perfis epidemiológicos e demográfico.

“Felizmente, a população brasileira está vivendo mais tempo, mas isto traz também necessidades especiais de atendimento a esse grupo”, pondera.

Apesar de todas as dificuldades, o sistema brasileiro por sua descentralização, por iniciativas de governadores e prefeitos, mostrou todo o seu valor durante a pandemia, destaca. “Não fosse o SUS, teríamos com certeza mais mortes e mais sofrimento da população”, enfatiza.

Retrocessos e incompetência

Mesmo não integrando o Grupo de Transição da Saúde para o novo governo que assume em janeiro de 2023, Lígia teve acesso a partes do diagnóstico que está sendo concluído nos próximos dias.

“Há uma série de retrocessos e toda a incompetência da gestão da saúde do governo que sai, responsável pelo menos pela metade dessas mortes por covid no país”, observa.

Segundo ela, as proposições têm sido claras “no sentido de ampliar o financiamento do SUS para que de fato tenhamos um sistema que cubra toda a população em suas necessidades e possa dar conta de toda uma demanda reprimida por causa da pandemia em termos de acesso, com filas de espera para diversas especialidades e cirurgias eletivas; e permita ampliar a cobertura e o acesso a nossa modalidade de atenção primária à saúde como a estratégia de Saúde das Família”, enumera.

Saúde das Famílias universal

A estratégia de Saúde das Famílias, lembra Lígia, deixou de ser uma prioridade no governo Bolsonaro.

“Ela precisa voltar a ser uma prioridade, porque esse modelo assistencial, com equipes multiprofissionais dedicadas, tem mostrado, conforme pesquisas, resultados de impacto muito positivo na saúde da população”.

A especialista elenca exemplos, como a redução da mortalidade infantil, a redução de internações que são evitadas pela atenção primária, a redução da desigualdade de acesso em termos regionais e a redução na desigualdade de acesso para idosos.

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