SAÚDE

Alimentos na mesa dos brasileiros não refletem biodiversidade

Pesquisa da USP com dados de quase 58 mil domicílios coletados pelo IBGE mostra redução de alimentos nativos e aumento do consumo de ultraprocessados
Da Redação / Publicado em 21 de julho de 2023

Fotos: Valter Campanato/ Agência Brasil

O país detém 20 da biodiversidade do planeta, mas os alimentos nativos não fazem parte da dieta dos brasileiros. De cada seis gramas consumidas por pessoa ao dia, apenas 1,2 grama são legumes e verduras

Fotos: Valter Campanato/ Agência Brasil

O Brasil concentra 20% da biodiversidade do planeta, mas essa variedade de alimentos não está presente na mesa dos brasileiros. De acordo com estudo do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo (USP), a quantidade de alimentos com origem na biodiversidade local adquirida pelos brasileiros foi considerada baixa.

A pesquisa foi publicada nesta sexta-feira, 21, na revista Cadernos de Saúde Pública, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

A valorização e a expansão da monocultura em detrimento de pequenos agricultores é um dos elementos que explicam esse resultado. O artigo que traz os resultados aponta que eles “são insatisfatórios e abaixo do que se espera de um território biodiverso e de um sistema alimentar que é destaque mundial. É necessário um maior comprometimento para a promoção de ações que fortaleçam o consumo desses alimentos entre brasileiros”.

“O estudo tem como objetivo descrever a disponibilidade de alimentos nativos de cada estado do Brasil” para a sua população”, afirma Anderson Lucas da Silva, um dos coautores do artigo. “Consideramos frutas, legumes e verduras da biodiversidade. E o que a gente observou é que a disponibilidade desses alimentos é bem baixa”, observa.

Alimentos processados

De acordo com o pesquisador, o consumo de frutas, legumes e verduras no Brasil já é baixo, mas ao observar pela alimentação com itens da biodiversidade local, o estudo identificou uma quantidade menor ainda. “Isso se dá principalmente pela mudança do sistema alimentar global que favorece o cultivo de commodities, como milho e soja, que são base de alimentos ultraprocessados”, salientou.

Sempre houve uma baixa aquisição de alimentos nativos no Brasil, mas essa disponibilidade de alimentos da biodiversidade está caindo ainda mais com a expansão da monocultura nos últimos anos, anotam os autores.

A disponibilidade total (gramas/per capita/dia) de alimentos correspondeu a uma média de 1.092 gramas. A média da disponibilidade de frutas, legumes e verduras no país é de 108,67g/per capita/dia, sendo que apenas 7,09g correspondem à parcela de alimentos de origem da biodiversidade local.

Biodiversidade e alimentos

Como biodiversidade local, os pesquisadores consideraram alimentos nativos do estado em que vive aquela pessoa. Os dados se referem a 38 alimentos nativos. Foi utilizada uma amostra com dados de aquisição de alimentos de 57.920 domicílios, coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017 a 2018.

Separadamente, o grupo das frutas corresponde a 56,7gramas/per capita/dia, sendo que apenas 5,89g é a parcela de itens da biodiversidade local. No caso das verduras e legumes, são 51,97gramas/per capita/dia, sendo que 1,20g são alimentos nativos.

Por biomas, a caatinga apresentou a maior disponibilidade de frutas nativas na aquisição pela população (4,20g/per capita/dia), enquanto para legumes e verduras, a Amazônia se destacou (1,52g/per capita/dia).

“Isso faz mal não só para a saúde do planeta como também da população, através de impactos ambientais, além de não valorizar a agricultura sustentável, só valorizar agricultura por meio monótono, que é utilizando muitos agrotóxicos e venenos. Isso prejudica as culturas tradicionais no Brasil, porque esse tipo de alimento que estamos destacando faz parte de algumas comunidades de povos indígenas, além de agregarem também para agricultura familiar”, explicou Silva.

Para comparação, o pesquisador lembra que a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda 400 gramas diárias de frutas, legumes e verduras, com a frequência de cinco ou mais dias da semana.

Soluções

Para o pesquisador, o primeiro ponto para uma mudança nessa realidade seria considerar a sazonalidade dos alimentos, valorizando aqueles cultivados em ambientes naturais e não em ambientes controlados, com uso de agrotóxico e fertilizantes, que, artificialmente, levam ao maior rendimento daquela cultura. Ele acrescentou que é preciso repassar tais alimentos com preço justo para a população.

A pesquisa alerta pata a urgência de incentivo ao cultivo desses alimentos, como a criação de feiras, espaços de troca de conhecimentos, e dar apoio técnico aos agricultores e às comunidades que plantam e colhem alimentos da biodiversidade. Alguns alimentos, destaca Silva, “precisam de um trabalho muito manual para extração, por exemplo, o coco babaçu, que precisa ser quebrado para tirar a castanha da qual é feito o leite da castanha de babaçu, além de farinhas e outras coisas”, disse.

Em relação a introduzir os alimentos nativos na dieta da população, ele citou a possibilidade de inclusão na alimentação escolar, principalmente por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que adquire alimentos da agricultura familiar.

O pesquisador afirma que é necessário colocar esses alimentos na alimentação escolar e debater sobre alimentação nas escolas para ensinar as crianças desde cedo a escolher e consumir os alimentos nativos.

Ao propor que a população passe a identifica quais alimentos são nativos de cada região e começar um questionamento sobre a origem dos alimentos, Lucas lembra que o hábito de consumir alimentos ultraprocessados faz com que os consumidores se distanciem cada vez mais dessa origem.

*Com reportagem da Agência Brasil.

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