SAÚDE

Janeiro Branco alerta para os cuidados com a saúde mental

Segundo a OMS, uma em cada quatro pessoas no país sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida. Doenças decorrentes do estresse, como ansiedade, depressão e pânico têm prevenção e tratamento
Por César Fraga / Publicado em 4 de janeiro de 2024

Janeiro Branco alerta para os cuidados com a saúde mental

Ilustração: INSS/Divulgação

Ilustração: INSS/Divulgação

Junto com o ano de 2024 começa também, e pela primeira vez  no calendário oficial do país, a campanha Janeiro Branco, que visa alertar para os cuidados com a saúde mental e emocional da população, a partir da prevenção das doenças decorrentes do estresse, como ansiedade, depressão e pânico.

A campanha foi criada pelo PL 1.836/2019, do deputado Assis Carvalho (PT-PI).  No Senado, o texto teve relatoria do senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB). A lei foi sancionada pelo presidente Lula no dia 25 de abril de 2023. O Janeiro Branco é uma campanha mundial, mas só se tornou um marco oficial no calendário brasileiro em 2024.

NESTA REPORTAGEM
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas, com 9,3% da população diagnosticada. A OMS também dispara um alerta sobre a saúde mental dos brasileiros: uma em cada quatro pessoas no país sofrerá com algum transtorno mental ao longo da vida.

“A ansiedade afeta quase 19 milhões de brasileiros. Nos últimos anos, as doenças mentais tiveram um aumento considerável. Segundo a OMS, o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo”, destacou o senador Veneziano em sua relatoria no Senado, por ocasião do trâmite final.

De acordo com outro levantamento, este feito pelo Instituto Data Folha, em agosto de 2023,  três em cada dez brasileiros se sentem ansiosos, têm problemas com sono e com a alimentação sempre ou frequentemente. Um quarto manifesta pouco interesse ou prazer em fazer as coisas e um quinto relata dificuldade de atenção ou concentração.

Ainda assim, só 7% da população avalia a sua saúde mental pessoal como ruim ou péssima, sendo a faixa etária entre 16 e 24 anos a mais insatisfeita (13%). De uma forma geral, 70% dos brasileiros consideram a saúde mental como ótima ou boa, e 23%, como regular.

Ou seja, existe um séria contradição entre os sintomas relatados, que apontam claramente para problemas com a saúde mental, em relação a como as mesmas pessoas se enxergam e avaliam a própria saúde mental.

Pelo menos um quinto da população (21%) pesquisada visitou algum psicólogo, terapeuta, psiquiatra ou algum profissional de saúde mental entre julho de 2022 e agosto de 2023. O mesmo percentual teve diagnóstico de ansiedade, 15% de depressão e 8% de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDHA).

Outro dado preocupante é que há exato um ano atrás o Brasil registrava o pior índice de saúde mental dentro de um ranking com 64 países, ficando à frente apenas do Reino Unido e da África do Sul, com 11 pontos abaixo da média geral.

Os dados são da edição do relatório anual do Estado Mental do Mundo, divulgado nesta quarta-feira. O levantamento, encomendado pela organização de pesquisa sem fins lucrativos Sapien Labs, mostrou ainda que a população global não recuperou o declínio no bem-estar psíquico observado durante a pandemia da covid-19. Ainda não há novos estudos divulgados para estabelecer comparativos, mas a situação não parece ter mudado.

Trabalhadores registram alto índice de adoecimento

Em outubro passado, um estudo inédito divulgado pela plataforma privada de telemedicina Conexa, realizado com gestores e profissionais de recursos humanos de 767 empresas do país, constatou que a saúde mental do brasileiro no ambiente do trabalho vive um momento dramático.

Das 1.589 pessoas que responderam perguntas elaboradas pela startup que realizou a pesquisa, 87% afirmaram ter ocorrido afastamento em sua corporação em decorrência de doenças que afetam a mente do colaborador de janeiro a outubro de 2023.

A ansiedade (com 51%) é o transtorno, de acordo com os pesquisados, que mais afastou as pessoas do trabalho, seguido por depressão (17%), estresse (16%) e síndrome de Burnout (14%). O estudo foi feito nos dias 8, 9 e 10 de agosto com visitantes do Congresso Nacional de Gestão de Pessoas (Conarh) neste ano, em São Paulo.

Do total, 48% dos gestores e funcionários de RH ainda relataram que, por percepção, eles acreditam que possam existir pelo menos 10% de trabalhadores espalhados em suas empresas com doenças mentais não detectadas. Outros 19% acham que 20% dos funcionários em seus ambientes de trabalho têm diagnósticos ainda não identificados, além de também 19% declararem que “não sabem dizer”.

Problema de saúde pública ou saúde pública é o problema

Se, por um lado, o sistema de saúde brasileiro prevê, como diz o site do governo federal, “a garantia do direito constitucional” ao cuidado à saúde mental, dentro do amplo espectro da saúde como um todo – já que é um dever do Estado brasileiro oferecer condições dignas de cuidado em saúde para toda população – , por outro lado, ainda existem muitos gargalos no setor público neste segmento, o que dificulta e muito o acesso da população a tratamentos adequados. Há investimentos sendo feitos e o tempo dirá se mostrarão resultado.

O Extra Classe tem acompanhado o tema nas últimas décadas com diversas reportagens sob vários enfoques, que mostram os gargalos do sistema de saúde, o mau serviço prestado por organizações de caráter confessional, as políticas públicas, as precariedades do sistema e as populações mais vulneráveis.

“Nossa sociedade é muito marcada por individualismo, competição, pressão material. Precisamos de promoção de saúde mental que integre todo o governo, dentro da linha do cuidado. Estamos fortalecendo a Rede de Atenção Psicossocial, que foi totalmente abandonada no governo anterior. Estamos investindo recursos e no novo PAC em saúde mental, tema que foi, proporcionalmente, a maior demanda dos municípios”, disse a ministra da Saúde Nísia Trindade durante coletiva de balanço de sua gestão em 2023 no final de dezembro.

Em 2023, de acordo com o do Ministério da Saúde, o fortalecimento da política de saúde mental foi uma das ações prioritárias da pasta. Com investimento de mais de R$200 milhões, o MS ampliou o orçamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

A iniciativa busca aumentar a assistência na rede de saúde mental no SUS em todo Brasil. Ao todo, o recurso destinado para todos os estados será de R$414 milhões no período de um ano. Com os novos valores, o aumento do orçamento da rede chega a 27%.

Além disso, após seis anos sem atualizações, foi duplicado o investimento para custear os serviços das unidades de acolhimento a pessoas e familiares em situação de abandono, ameaça ou violação de direitos. Com os novos valores, o custeio mensal para a assistência a adultos passou de R$25 mil para R$50 mil e para o acolhimento infanto-juvenil subiu de R$30 mil para R$60 mil.

O país tem 72 unidades de acolhimento habilitadas, cujo acesso ocorre via Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os espaços oferecem acolhimento protetivo por até seis meses, a depender do projeto terapêutico. Do total, 26 são para atendimento infanto-juvenil: dos 10 anos de idade até os 18 incompletos. As outras 46 unidades são destinadas a adultos.

Saúde Mental foi alvo de conferências

Concluída em 14 de dezembro passado, a 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental Domingos Sávio (CNSM) contou com a participação de 2.200 pessoas e mais de 600 propostas aprovadas para o fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial (Raps) e da Política Nacional de Saúde Mental.

Entre as propostas aprovadas estão: garantir acesso à saúde mental desde a Atenção Básica (AB) e de forma desburocratizada; implementar a política de educação permanente e continuada para trabalhadores(as) da saúde em saúde mental; ampliar e fortalecer as políticas públicas para o cuidado em liberdade; e agregar os saberes populares construídos nos territórios enquanto estratégia de cuidado em liberdade nas políticas públicas de saúde que garantam a interseccionalidade.

O encontro durou quatro dias de acalorados debates e deliberações a partir das contribuições dos usuários da Rede de Atenção Psicossocial (Raps).

Após 13 anos desde a realização da última conferência, mais de duas mil pessoas retornaram à Brasília para participar da etapa nacional do processo, que começou em 2020.

Já a etapa digital da 4ª Conferência Nacional da Juventude registrou 268 propostas da sociedade civil para a saúde. Desse total, 41% das sugestões são voltadas à saúde mental dos jovens brasileiros, ou seja, 111 propostas. Cerca de 57 mil pessoas participaram da votação que fez parte da programação da conferência, realizada de 14 a 17 de dezembro, em Brasília, com a interação de aproximadamente 250 mil jovens de 1800 municípios.

Segundo o secretário nacional de Juventude, Ronald Sorriso, três propostas de Direito à Saúde integraram a plenária final do evento.  A primeira visa ampliar as políticas públicas de assistência psicossocial; a segunda propõe a construção de Casas de Juventude; e a terceira criar o programa nacional de agentes populares de saúde. Junto com a saúde mental, intrínsecas às demandas, estão as questões de acesso, multidisciplinaridade, diversidade, sexualidade, segurança alimentar e inclusão das escolas nos processos.

“A próxima etapa será levar o relatório final com o resultado e as propostas mais indicadas por cada eixo temático para a reunião do Comitê Interministerial de Política de Juventude, que reúne 25 ministérios. De lá, vai sair um plano de ação intersetorial e interministerial. Por fim, nosso objetivo é que o relatório final se transforme no Plano Nacional de Juventude”, explica o secretário.

“As populações vulneráveis, como crianças, adolescentes, idosos, indígenas e LGBTQIAP+, enfrentam barreiras adicionais no acesso aos serviços de saúde mental” observa a diretora do departamento de Saúde Mental do ministério, Sônia Barros.

“A necessidade de uma abordagem inclusiva e sensível a esses grupos é incontestável, demandando políticas que reconheçam e atendam suas especificidades”.  De acordo com a diretora, os esforços da gestão buscam a integração efetiva entre políticas de saúde mental e outras esferas públicas, como educação, trabalho e assistência social.

INSS participa da campanha

Em seus materiais de campanha, o Instituto Nacional de Previdência Social (INSS) alerta que as doenças mentais podem ser causadas por uma série de fatores, como genética, estresse, abuso de substâncias e traumas. Nesse rol entram também os transtornos de humor, esquizofrenia e o transtorno bipolar. Além disso dá algumas dicas de como proceder na prevenção, identificação e busca de direitos.

Segundo a cartilha do INSS, os transtornos decorrentes da saúde mental acabam afetando os indivíduos, que ficam impossibilitados (temporária ou permanentemente) de exercer suas funções laborais. E é nesse ponto que entram os benefícios previdenciários pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A concessão desses benefícios, no entanto, está sujeita a critérios específicos.

Para os benefícios por incapacidade temporária e permanente é necessário ter qualidade de segurado e ter carência mínima de 12 meses de contribuição previdenciária. No auxílio-doença, é fundamental comprovar a incapacidade temporária para o trabalho, e na aposentadoria por invalidez, a incapacidade deve ser permanente.

  • Benefício por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença): é concedido às pessoas que estão temporariamente incapacitadas para o trabalho em razão de uma doença mental.
  • benefício por incapacidade permanente (antiga aposentadoria por invalidez): é concedido às pessoas que estão permanentemente incapacitadas para o trabalho por causa de uma doença mental.
  • Benefício de Prestação Continuada (BPC): destinado às pessoas com deficiência de qualquer idade e idosos com mais de 65 anos de idade que não tenham meios de se sustentar e se encontrem em estado de vulnerabilidade social. 

Benefício

O BPC pode ser concedido mesmo sem que o beneficiário tenha trabalhado ou realizado contribuições ao INSS, por isso, existe a confusão popular de “quem nunca trabalhou tem direito a aposentadoria por invalidez”. No entanto, para ter direito é necessário atender aos requisitos estabelecidos em lei, como comprovar a idade mínima e a situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Em todos os casos é necessário apresentar laudo e exames médicos que comprovem a existência da doença mental e a incapacidade (temporária ou permanente) para o trabalho com a respectiva Classificação Internacional de Doenças (CID).

Passos para requerer BPC:

Para pedir o benefício no INSS, o cidadão deve passar por uma perícia médica para comprovar a incapacidade para trabalho. Caso o exame constate a incapacidade para o trabalho, o benefício é concedido. No caso de BPC, é necessário comprovar o estado de vulnerabilidade social por meio de avaliação social e informações no Cadastro Único do governo federal (CadÚnico).

Para pedir o benefício no INSS, o cidadão deve agendar a perícia médica do aplicativo ou site Meu INSS ou pelo telefone 135. No dia do atendimento, é necessário apresentar documentos médicos (atestados, relatórios, exames) e documentos pessoais. É importante ressaltar que o perito médico é quem irá avaliar se o trabalhador tem direito ao benefício.

Caso o benefício seja concedido, o trabalhador receberá uma carta de concessão do benefício e começar a receber o benefício na agência bancária que o INSS depositar o valor do pagamento. O beneficiário após receber o primeiro pagamento pode alterar a agência bancária de recebimento.

Como cuidar da saúde mental

  • Um primeiro passo é ter cautela com as expectativas. Criar metas que impliquem em mudanças de vida, rotina ou hábitos, sem o devido planejamento ou sem considerar as possibilidades reais e os recursos necessários, pode torná-las inatingíveis, gerando frustração e consequentemente sofrimento emocional.
  • É importante estabelecer metas tangíveis, com prazos mais curtos ou divididas em etapas. Não é necessário esperar uma época específica, como dezembro ou janeiro, para traçar planos ou avaliar o percurso, pois o que depende do comportamento pode ser buscado em qualquer momento do ano.
  • Ter uma atitude de autocobrança exagerada nesta época, poderá dificultar o reconhecimento dos esforços e conquistas ao longo do ano. O ideal é que o exercício de auto-observação seja cotidiano e realizado com generosidade e auto-acolhimento.
  • É natural que os acontecimentos, por vezes, não ocorram como esperado ou que as prioridades mudem no meio do caminho. Nesse caso, é fundamental reconhecer as qualidades, habilidades e recursos internos para lidar com as adversidades e, se necessário, “reprogramar a rota”.
  • É importante fazer atividades que tragam satisfação. Momentos de lazer, prática de hobbies, esportes ou atividade física propiciam bem-estar psíquico e são estratégias importantes para lidar com o estresse. Investir em bons hábitos alimentares e dormir bem também é essencial.
  • Para melhorar os padrões de sono, algumas estratégias de higiene do sono podem ajudar, tais como: ter uma rotina de horário para deitar e levantar, evitar o uso de equipamentos eletrônicos pelo menos 1h antes de ir para a cama, realizar atividades relaxantes preparatórias para o sono e manter o ambiente propício para dormir (escuro, silencioso, etc.).
  • Mantenha a consciência sobre os sentimentos. Identificar as emoções é fundamental para fazer mudanças em direção ao bem-estar, já que elas têm a função de comunicar sobre os gostos e necessidades individuais. Assim, ao reconhecer as emoções e o fluxo de pensamentos que as acompanham, é possível determinar de forma mais consciente o modo de agir e lidar com situações diversas.
  • Dê atenção ao momento presente. Pensar constantemente em coisas que já aconteceram ou poderão acontecer é um grande desencadeador de angústia. Portanto, é importante focar nas ações possíveis, naquilo que está no controle e aproveitar as experiências atuais.
  • O sofrimento emocional, associado ou não a um transtorno mental, pode ser prevenido ou atenuado se as pessoas conhecerem estratégias para cuidar da saúde mental. Reconhecer a presença dele é o primeiro passo para alcançar melhor qualidade de vida, pois a partir daí é possível buscar caminhos terapêuticos para lidar com os problemas emocionais.

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