SAÚDE

Orçamento de Porto Alegre para a Saúde é desfinanciamento do SUS, apontam conselheiros

Parecer do Conselho Municipal de Saúde alerta para riscos de desassistência na saúde pública devido a cortes de verbas no LOA aprovado pela Câmara
Por Gilson Camargo / Publicado em 16 de janeiro de 2024
Orçamento de Porto Alegre para a Saúde é desfinanciamento do SUS, apontam conselheiros

Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

Proposta de Orçamento do Executivo para a Saúde em 2024 foi aprovada pela Câmara, apesar dos apontamentos e alertas do Conselho

Foto: Elson Sempé Pedroso/CMPA

O Conselho Municipal de Saúde de Porto Alegre (CMS/POA) aprovou, em novembro de 2023, apontamentos sobre o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) do Município para 2024 na área da Saúde.

De acordo com as recomendações do CMS, o orçamento enviado pela Secretaria Municipal da Saúde (SMS) teve corte de quase 50% em relação ao que foi recomendado pelas áreas técnicas da própria pasta.

O aporte previsto de 17,60% dos recursos municipais para Ações e Serviços Públicos de Saúde é inferior ao executado no ano passado, 25%.

Para os conselheiros, o orçamento é insuficiente para a cobertura de despesas contratadas e frente às demandas da população, acarretando sério risco de desassistência.

Esses são alguns dos apontamentos da área da Saúde que foram enviadas à Câmara Municipal e que foram ignoradas pelos vereadores. O projeto de lei do Executivo para o exercício econômico-financeiro do próximo ano – Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2024.

‘’Infelizmente os recursos da Saúde não estão sob a gestão da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) na medida em que o centro de governo desconsiderada a análise situacional apresentada pelo órgão”, afirma Ana Paula de Lima, integrante da Comissão de Orçamento e Financiamento (Cofin) do CMS que elaborou os apontamentos.

O parecer da Cofin encaminhado para às comissões e parlamentares, afirma Ana, foi desconsiderado, o que incorre em descumprimento da lei complementar nº 141/2012, que define os instrumentos de planejamento governamental e reforça as atribuições dos Conselhos de Saúde na análise e deliberação sobre esses instrumentos, inclusive nos aspectos econômico financeiros. “A gestão e os vereadores da base do governo demonstram sua incapacidade de diálogo e desrespeito à instância de controle social”, aponta.

Ana Paula destaca que mesmo com a deliberação de 26 conselheiros de Saúde que aprovaram o documento e recomendaram à Câmara a revisão da peça orçamentária antes de sua aprovação, só houve alteração dos valores das emendas impositivas.

Segundo a Secretaria Municipal de Planejamento e Assuntos Estratégicos (Smpae), a LOA incorporou um total de 806 emendas parlamentares, representando um montante de R$ 56.431.358 em recursos.

Gerenciamento do FMS

Entre os apontamentos, destaca-se o corte feito pelo centro de governo de 49,80% no solicitado inicialmente pela SMS, que previu a necessidade de R$ 681.552.733,28 para enfrentar as despesas. O PLOA 2024, no entanto, contemplou somente R$ 342.149.858,00 para a Saúde.

A Cofin considera que esta redução inviabiliza o atendimento mínimo das necessidades em saúde, já defasadas e acumuladas em demandas represadas.

Após o corte, a SMS oficializou à Smpae, responsável pela elaboração da LOA, o documento SEI nº 25752505, com relatório de excedentes de valores solicitados e que não foram contemplados.

Com isso, para a conselheira Maria Leticia de Oliveira Garcia, integrante da Cofin, fica comprovado que a Prefeitura descumpre a lei complementar nº 141 de 2012 no que diz respeito, também, ao gerenciamento dos recursos da Saúde pelo Fundo Municipal de Saúde (FMS).

‘’Nós temos uma legislação no Sistema Único de Saúde que, infelizmente, não está sendo cumprida pela Prefeitura. O secretário de Saúde não consegue planejar e nem dizer para onde o recurso vai, porque o Prefeito não deixa, e de forma ilegal”, denunciou.

Maria Letícia também lembrou que o CMS representou, junto ao Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP/RS), sobre a ilegalidade do Fundo não fazer a gestão dos recursos como manda a lei complementar nº 141/2012. A ação ajuizada pelo MP foi ganha em primeira e segunda instâncias. A sentença judicial da ação condenou o município a atribuir à SMS a gestão plena dos recursos do Fundo.

Execução do orçamento

A Cofin salienta que a situação do desfinanciamento municipal no SUS se agrava ano após ano, o que é demonstrado pelos últimos anos da série histórica da aplicação dos percentuais em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS).

A diretoria do FMS estimou que o percentual aplicado em ASPS em 2024 será de 17,60%. Esse percentual não inclui os valores das emendas impositivas), um valor inferior à série histórica da execução do orçamento.

Segundo o relatório da Cofin, até o dia 27 de outubro de 2023, o orçamento percentual previsto para o ano já havia sido suplementado em 18,45%.

O orçamento de recursos municipais para ASPS ampliou, via suplementações, de R$ 843.771.068,00 para R$ 1.041.605.821,20, conforme dados do Sistema de Gerência Orçamentária de outubro de 2023.

Ao propor um percentual de financiamento reduzido, o Município tem tornado uma prática corriqueira a suplementação de recursos.

“Tal prática de suplementações orçamentárias desorganiza o planejamento programático e financeiro da Saúde, causando instabilidade, morosidade e excesso de burocracia, produzindo efeitos em toda a rede de atenção à Saúde, em especial nos serviços próprios da SMS, embora haja efeitos significativos para os prestadores contratualizados, que assinam contratos e aditivos com vigência reduzida devido à falta de previsão orçamentária para cobertura dos serviços por períodos maiores, resultando no aumento do número de termos aditivos assinados por contrato e o aumento do pagamento via indenização administrativa”, destaca o documento.

Desassistência à população

A Cofin denuncia, também, uma “redução preocupante de valores para o enfrentamento a doenças como sífilis, HIV, Tuberculose e Hepatites cujos indicadores de saúde do município historicamente são ruins”.

O orçado inicialmente para 2023 era de R$ 4.519.655,00, em 2024 o valor ficou em R$ 3.577.998,00.

“O relatório de excedentes da SMS evidencia que o valor encaminhado é insuficiente para a manutenção do contrato de infectologistas, além de ações como a manutenção de equipamentos, como o ônibus Fique Sabendo e o elastógrafo do Centro de Saúde Santa Marta”, salienta a Cofin.

Outro ponto citado foi sobre os recursos destinados para o Hospital Materno Infantil Presidente Vargas, que em 2023 teve um orçamento inicial de R$ 94.007.854,00, e, em 2024, diminuiu para R$ 69.885.164,00.

“O relatório de excedentes elaborado pela SMS demonstra que o orçamento encaminhado é insuficiente para a manutenção dos estagiários, do convênio firmado junto a PUCRS (que fornece trabalhadores para a maternidade) e do contrato de anestesistas. Além disso, o orçamento não contempla importantes reformas estruturais necessárias ao hospital”, denuncia a Cofin.

Com o orçamento insuficiente até para a cobertura de despesas contratadas, o documento alerta para o risco de desassistência da população com repercussões clínico-sanitárias.

Campanha eleitoral

Sem a previsão de recursos na LOA, as obras da Saúde, anunciadas pelo Município em novembro de 2023, que concorrem no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2024, caso sejam contempladas, terão que ser executadas via suplementação orçamentária. Especialmente para o custeio e abertura dos novos serviços: três unidades de saúde, duas unidades móveis de odontologia, uma policlínica e cinco Centros de Atenção Psicossociais.

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), anunciado pelo governo federal, exige compromisso de contrapartida dos entes federados.

“Entendemos que especialmente em ano eleitoral, é dever legal a maior aproximação possível entre a LOA como instrumento de planejamento com a Programação Anual de Saúde, a fim de garantir a fidedignidade e lisura ético-política da gestão em saúde do município”, destaca a Cofin sobre a suplementação orçamentária que deve ser utilizada com prudência somente para as situações emergenciais e que escapam da previsibilidade do planejamento.

O documento chama a atenção para a atuação do controle social na fiscalização das contas e ações públicas principalmente em ano eleitoral. “O Conselho Municipal de Saúde agirá de forma a coibir manobras orçamentárias duvidosas, que possam incidir a utilização da máquina pública para fins de propaganda institucional com finalidade puramente eleitoral”, adverte.

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