SAÚDE

Lançado o Plano Estadual de Transplantes do Rio Grande do Sul

Meta é recuperar o protagonismo do estado, com investimentos na qualificação profissional e hospitalar para elevar o número de notificações de morte encefálica, de doações e de transplantes até 2027
Por Stela Pastore / Publicado em 27 de fevereiro de 2024

Foto: Igor Sperotto

O transplantado de pulmão e ativista Edelbert Krüger e representantes de entidades e órgãos públicos que integram a luta pela qualificação dos transplantes no estado foram homenageados com uma camiseta da campanha O Amor Vive como reconhecimento pelo trabalho realizado em prol dos transplantes no estado

Foto: Igor Sperotto

Na tarde desta terça-feira, 27, o governo do estado apresentou o desempenho dos transplantes no Rio Grande do Sul em 2023 e o Plano Estadual de Doação e Transplantes com objetivos e metas para os próximos quatro anos (2024/2027).

A atividade ocorreu no auditório da Universidade Federal de Ciência da Saúde de Porto Alegre (UFSCPA) com a presença de equipes médicas, profissionais que atuam em diferentes etapas do processo de doação e transplantes de várias regiões do estado, transplantados, famílias doadoras, representantes do Ministério da Saúde, Ministério Público, Defensoria Pública e Tribunal de Justiça. A secretária da Saúde Arita Bergmann foi representada pela adjunta Ana Lúcia Costa.

Na ocasião também foi apresentado o novo site da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul, com informações atualizadas para a população e profissionais da saúde.

De líder nacional entre os estados, o Rio Grande do Sul vem perdendo posições há mais de uma década, situação agravada pela pandemia da covid-19. O não consentimento da família para doação de órgãos no estado figura como uma das principais causas. Enquanto no Rio Grande do Sul a não autorização supera 45% em média por ano, em Santa Catarina e Paraná essa taxa não chega a 30%, estados líderes em doações nos últimos 18 anos, com Planos que vêm sendo executados há mais de dez anos.

Objetivos e metas do Plano

Coordenador da Central de Transplantes do Rio Grande do Sul

Foto: Igor Sperotto

Rafael Rosa: qualificação profissional e dos hospitais é estratégia

Foto: Igor Sperotto

O coordenador da Central de Transplantes (CET/RS), Rafael Rosa, disse que os principais objetivos do Plano, documento com 77 páginas, são o aumento do número de notificações de morte encefálica (ME), de doadores e, por consequência, de transplantes.

Ele cita como exemplo o transplantes de córneas. Antes da pandemia, em 15 dias era possível realizar um transplante de córneas. Atualmente, o tempo de espera é superior a um ano. A meta é de qualificar a rede de atendimento e zerar a fila de córneas até 2027.

Para 2024, a meta é de chegar a 850 notificações de morte encefálica, com 300 doadores efetivos, 540 transplantes renais, 150 transplantes de fígado, 45 transplantes de pulmão, 25 transplantes de coração e 850 transplantes de córneas

O Plano Estadual de Transplantes foi elaborado e coordenado pela CET/RS, com a colaboração da Assessoria de Gestão e Planejamento (Ageplan), e contou com a participação do corpo técnico da Secretaria da Saúde do Estado, pelo Grupo de Assessoramento aos Transplantes (GAT), composto pelo Ministério Público, Tribunal de Justiça e representantes de Organizações não Governamentais (ONGs), hospitais transplantadores, conselho regional de medicina do RS (Cremers) e Sociedade de Medicina Intensiva do RS (Sotirgs).

As ações estratégicas, segundo Rafael Rosa, seguirão com a informatização do sistema (Gedott), o monitoramento e a avaliação dos indicadores e das metas sobre transplantes do Programa Assistir (financiamento) e a consolidação da campanha O Amor Vive, além da recomposição integral da equipe da Central de Transplantes.

Bom desempenho de 2023 deve ser superado – plano

Mesmo com baixo aproveitamento das potenciais doações, o número de transplantes de órgãos realizados no Rio Grande do Sul em 2023 superou o verificado em cada um dos três anos anteriores, praticamente voltando ao patamar de antes da pandemia. Foram 712 procedimentos no ano passado, acima dos 595 em 2022, 420 em 2021 e 508 em 2020.

Apesar dos números positivos comemorados, de acordo com o relatório ainda há no estado 2.578 pacientes à espera de um transplante. A maior fila é para transplante de rim, com 1.228 pessoas. Outras 1.110 aguardam transplante de córnea; 162, de fígado; 63, de pulmão; e 15, de coração.

A meta do estado é reduzir a espera com a realização de 1.502 transplantes de órgãos e de córnea em 2024 e atingir um número de doações 36,5% superior ao de 2023.

Aumentar notificações e transplantes

Com relação às notificações por morte encefálica e doações efetivadas, o aproveitamento em 2023 foi de 34%. Foram 838 notificações, que resultaram em 285 doações, enquanto em 2022 o percentual foi de 27%.

O resultado foi comemorado por ser o maior desde a implantação da Central de Transplantes em 1996.

Há vários desafios neste caminho, segundo Rafael. Ele destaca o preparo das equipes hospitalares e a abordagem humanizada nas entrevistas com os familiares após confirmação de morte encefálica como essencial para se ter êxito.

Grande número de mortes na pandemia banalizou a vida

José Camargo, médico transplantador de pulmão

Foto: Igor Sperotto

José Camargo: Doar é um ato sublime

Foto: Igor Sperotto

Assim como o Brasil, o Rio Grande do Sul apresentou queda no número de doações de órgãos e número de transplantes nos últimos anos, situação agravada pela pandemia de Covid-19.

Para o pneumologista José Camargo, que atua em transplantes há 34 anos e coordena o Centro de Transplantes da Santa Casa, a vida foi banalizada após 700 mil mortos na pandemia, frente a 60 mil pessoas que aguardam por um órgão no país. “Modificaram o ânimo e não se comove como antes”.

E todos os esforços devem somar para que as notificações de Morte Encefálica se convertam em doações e transplantes.

“Sem a notificação, se nega à família o direito de se manifestar”, pontua o realizador do primeiro transplante de pulmão da América Latina. A Santa Casa realizou 14 mil transplantes, sendo 750 de pulmão, o que representa 48% do volume total do país.

Conversar e comunicar os familiares do desejo de doar continua sendo a maior recomendação. “A família fará de tudo para cumprir o último desejo”, enfoca o especialista.

O médico lembrou que 40% da população tem plano de saúde, mas 95% dos transplantes são realizados pelo SUS.

Mesmo apontando financiamento público insuficiente, planos de saúde que não cobrem transplantes e déficit na cultura da doação de órgãos em comparação com países desenvolvidos, Camargo instiga à persistência.  “Não podemos capitular. Devemos fazer tudo o que dispomos”.

Autor de vários livros, o médico descreve diferentes episódios que testemunha. “Doar é uma atitude sublime. Uma família cheia de dor pela perda, doa para outra família desconhecida para que não viva a dor pela qual está passando. Não conheço gesto mais generoso”, completou diante de uma plateia comovida.

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