GERAL

Depressão: prosar ou Prozac?

Nelson Asnis / Publicado em 16 de julho de 2000

Uma das controvérsias mais atuais em termos de tratamentos para as depressões diz respeito ao que oferecer às pessoas que nos procuram: psicoterapia ou remédios antidepressivos? Os recentes congressos de psiquiatria sempre apresentam mesas-redondas nas quais inúmeros colegas insistem em atacar de forma veemente as psicoterapias de orientação psicanalítica e, por conseguinte, a própria psicanálise, com o intuito de demonstrar que a psicofarmacologia deve ser o tratamento de escolha para as depressões.

Os antidepressivos foram descobertos na década de 50 de forma acidental (como tantos outros remédios). Pesquisadores norte-americanos, buscando avanços no tratamento da tuberculose com um fármaco chamado Iproniazida perceberam que seus doentes continuavam tossindo e expectorando como antes, mas o faziam com humor bastante elevado.

O cientista suíço Kuhn, testando a Imipramina no tratamento da esquizofrenia, concluiu que seus pacientes mantinham-se psicóticos, porém mais sorridentes. Estes fármacos passaram então a ser utilizados como antidepressivos; o primeiro, no entanto, foi retirado do mercado por causar necrose hepática.

Desde então, inúmeros antidepressivos foram sintetizados e seu uso propagado no mundo inteiro. Para termos uma idéia do que isto representa, basta lembrar, por exemplo, que cerca de cem milhões de pessoas se valem de antidepressivos ou tranqüilizantes, sendo que 10 % destas consomem em todo o mundo apenas um deles, o Prozac.

No Brasil, o uso indiscriminado de psicofármacos é um problema de saúde pública, uma vez que submete inúmeras pessoas a riscos sérios decorrentes dos para-efeitos destes remédios. Vários relatos nos chegam de antidepressivos “receitados” em colunas sociais, revistas de circulação nacional, salões de beleza, escolas etc.

É claro que os antidepressivos são medicações essenciais no tratamento de diversas psicopatologias, em especial a chamada depressão maior, na qual alterações na química cerebral podem levar o indivíduo inclusive ao risco de suicídio.Voltando então à questão do uso abusivo, por que ele vem ocorrendo? Penso que devido a três fatores principais.

1. O ranking 125: o lugar 125 no ranking da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre a qualidade dos sistemas de saúde dos países encontra expressão na área da saúde mental. A diretora-geral da OMS, GroBrundtland, atenta para as condições precárias com que são atendidas as pessoas economicamente menos favorecidas.

No Brasil, o deformado sistema de saúde na área de saúde mental inviabiliza os pacientes de conseguirem consultas de psicoterapia com tempo suficiente que os permita falar sobre seus sofrimentos, ao invés de entorpecê-los. Igualmente, muitos psiquiatras acabam só medicando seus pacientes por não disporem de qualquer outra alternativa a oferecer, sendo que os antidepressivos disponíveis são, de um modo geral, aqueles com maiores efeitos colaterais e não os mais modernos.

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Ilustração: Eugênio Neves

Ilustração: Eugênio Neves

2. A busca da “felicidade química”: um bom número de psiquiatras entende equivocadamente que para validar o tratamento medicamentoso da depressão é preciso atacar sistematicamente as abordagens terapêuticas psicanalíticas, como se não houvesse lugar para ambas. O emprego isolado de antidepressivos traz o risco de estarmos tratando um conjunto de neurotransmissores e não uma pessoa que se encontra deprimida, com freqüência, justamente por não estar conseguindo se tratar com um terapeuta que a escute. O antidepressivo isoladamente funcionaria como um anestésico que acalma a dor (psíquica) sem tratar, no entanto, os motivos pelos quais o sofrimento se faz presente. Corre-se, assim, o risco de estabelecer uma “felicidade química” independente da melhora real da qualidade de vida da pessoa deprimida. Não podemos esquecer porém que muitas pessoas necessitarão restabelecer seu equilíbrio neuroquímico com antidepressivos, sem os quais não conseguiriam condições psíquicas para examinar suas dificuldades em psicoterapia.

3. A globalização e a cultura do “quanto menos pensar e sentir, melhor”: a globalização, com seus mecanismos perversos de massificação, encontra na psicofarmacologia mal utilizada um campo fértil de ação. O faturamento dos laboratórios farmacêuticos, fabricantes de antidepressivos, aumentou na década 1986-96 cerca de 1087%. A classe médica psiquiátrica é continuamente bombardeada em revistas e congressos por propagandas maciças que mostram, à semelhança das propagandas de cigarros, lindas flores, mulheres sorridentes, casais felizes e promessas de liberdade, se você, é claro, utilizar o antidepressivo sugerido. Muitos sucumbem ao bombardeio e empregam esses medicamentos de forma indiscriminada.

As abordagens psicanalíticas tão criticadas atentam para o fato de que aquela pessoa que está à frente do médico buscando auxílio para sua depressão difere de qualquer outra, tendo uma história única de vida, necessitando, portanto, de um tratamento único. A psicanálise ajuda a pensar, aumenta a capacidade de reflexão e estimula a criatividade, contrapondo-se de forma vigorosa a uma cultura globalizada onde “quanto menos você pensar e sentir, melhor”.

O mais importante no tratamento da depressão é cuidarmos não apenas da doença, mas principalmente da pessoa que está pedindo passagem para a vida. Os antidepressivos se constituem em alternativas valiosas, desde que associados às psicoterapias.

*Médico psiquiatra, mestre em Psicofarmacologia (FFFCMPA), professor da PUC/RS e coordenador de Ensino da Residência Médica de Psiquiatria da Fundação Universitária Mário Martins.

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