CULTURA

Morte do artista plástico Gelson Radaelli comove Porto Alegre

O dia recém estava despontando quando a notícia da morte do artista, ocorrida na madrugada deste sábado, 28, começou a circular e impactar amigos, artistas, admiradores e frequentadores de seu restaurante
Por Cristiano Goldschmidt / Publicado em 28 de novembro de 2020

Foto: Tulia Radaelli

Foto: Tulia Radaelli

Além de ser um dos mais talentosos e respeitados artistas gaúchos contemporâneos, Gelson Radaelli, 60 anos, há quase três décadas também se dedicava a outra paixão: mantinha no Centro Histórico de Porto Alegre um dos mais prestigiados e charmosos restaurantes da capital gaúcha, o Atelier de Massas, espaço gastronômico que chama a atenção tanto pela qualidade do cardápio como pela atmosfera artística, onde os clientes se veem cercados de obras de arte, muitas de sua autoria. Natural de Nova Bréscia, o pintor, escultor e ilustrador adotou Porto Alegre como sua cidade há mais de 30 anos.

Em plena atividade profissional, Gelson Radaelli inaugurou em outubro deste ano a exposição No espelho não sou eu, composta por obras de múltiplos formatos e que permaneceu em cartaz na Galeria Bolsa de Arte até o último dia 14 de novembro.

Segundo Nadir Lodi Rossini, garçon que há anos trabalha no Atelier de Massas, Radaelli foi encontrado pela esposa, Rogéria, na sala de casa por volta das 2h30 da madrugada deste sábado. “A causa da morte ainda está sendo investigada, mas informações preliminares indicam para um ataque cardíaco fulminante”, comenta Rossini. Ele deixa dois filhos, Tulia e Teodoro.

Depoimentos

Para além do artista com uma produção marcada pelos traços inconfundíveis, o Rio grande do Sul perde um homem carismático e querido por todos. Desde a manhã deste sábado, amigos e comunidade cultural lamentam a perda de Radaelli e falam ao jornal Extra Classe do vazio que a sua ausência deixará na cultura do Rio Grande do Sul.

Foto: Tulia Radaelli

Foto: Tulia Radaelli

“Radaelli está no grupo de artistas que, entre nós, sobretudo na pintura, abriu caminho e manteve o compromisso de afirmar livremente sua individualidade”.
Professora Blanca Brites, do Instituto de Artes da Ufrgs

“Desde que a Rogéria (esposa de Gelson) me ligou não estou acreditando. Era o meu melhor amigo. Fica um vazio na cidade, porque era um homem cheio de vida, não parava de trabalhar. Um grande artista, e colocou o restaurante em uma das partes mais abandonadas da cidade, e fez isso pela cidade. Começamos nossa amizade quando eu estava no Atelier Livre da prefeitura, entre 1985 e 1988, e ele sempre passava lá. Vai ser muito difícil não ter a presença dele. Foi ele que me apresentou ao Iberê Camargo. Eu devo muito ao Gelson, era um cara muito bondoso, ajudava muita gente. Dividi atelier com ele na rua Garibaldi, na década de 1990, trabalhávamos, e ele levava pra gente os vinhos do restaurante do irmão dele, tomávamos os vinhos de noite. Logo depois abriu o Atelier de Massas, que no início tocava sozinho com a esposa, faziam os cardápios, e depois passou a empregar muita gente. Sempre dando atenção para os clientes, e era um cara muito admirado também pelos funcionários”.
Eduardo Haesbaert, artista visual

“A floresta devastada, o mundo tumultuado, a condição humana angustiada, as linguagens todas perturbadas, só um caminho faz sentido nisso tudo: a autoria poética, a criação, a vida, a vida da arte, a vida de um artista, um coração dionisíaco, com grandeza, generosidade, como foi Gelson Radaelli, um dos maiores da sua geração, e herdeiro de Iberê, mas que levou muito adiante tudo o que podia fazer a arte expressionista. E foi também pra comunidade uma benesse, um avatar de extraordinária grandeza, sempre apoiando a todos do meio da arte, da academia, com seu restaurante Atelier de Massas, o melhor restaurante de massas do mundo. É uma perda muito trágica pra todos nós, todos os amigos, amigos da arte, amigos da cultura, perda pra cidade e pro mundo. Ficamos mais sós, mais angustiados, especialmente nesse momento que nós vivemos. Gelson parte e nos deixa com essa lembrança perpétua de um grande artista, poderoso, insubstituível, máximo”.
Francisco Marshall, historiador, professor do Instituto de Artes da Ufrgs

“Sou totalmente a favor da restauração e conservação da Casa Azul, na esquina das ruas Riachuelo com a Marechal Floriano, como também da antiga confeitaria Rocco. Esse é o registro de um dos meus últimos diálogos com ele , um grande artista e cidadão que, além da vasta e notória obra em pintura, deixará uma marca de amor pela cidade e seu Centro Histórico. A comunidade artística lhe será eternamente grata, pois sempre esteve disposto a apoiar as causas coletivas, como a luta por uma sede para o MACRS, e também as individuais. Com seu Atelier das Massas, incentivou incontáveis exposições, de jovens e reconhecidos artistas. Dedicou-se com seu talento pictórico a enriquecer os acervos dos nossos principais Museus, e é um dos raros artistas a ocupar, em caráter permanente, com a mesma força e densidade expressiva que lhe são próprias, as paredes das mais prestigiadas galerias do mercado de arte local, até as importantes coleções particulares e a unanimidade das instituições culturais, todos lhe devotam a merecida consagração.
André Venzon, artista visual, gestor cultural, curador da Galeria Ecarta

“Gelson Radaelli foi um artista que obteve amplo reconhecimento nas últimas décadas. Sua produção foi intensa e suas obras integram coleções particulares e acervos de instituições públicas. O Rio Grande do Sul perde um artista talentoso e admirado por todos. Seu empreendedorismo e generosidade à frente do Atelier de Massas também marcaram sua trajetória. A Sedac se soma às homenagens e lamenta a sua partida tão repentina, que sem dúvidas deixará um vazio na cidade de Porto Alegre”.
Beatriz Araujo, Secretária de de Estado de Cultura do RS

“Quais as palavras que a gente pode usar para expressar um sentimento de perplexidade? Eu recebi a notícia e quando eu li não acreditei. Eu pensei que fosse um erro, que não fosse verdade, que não podia ser. É uma tristeza imensa, aquela sensação de que com a morte do Radaelli a nossa cidade fica mais pobre, mais triste. Todos nós sabemos que a morte é algo inevitável, mas não a morte de uma pessoa na sua maturidade, no seu auge, com tanta coisa pra fazer, com tantos projetos pra desenvolver. Uma pessoa com tanta energia. Me parece que não tem uma pessoa em Porto Alegre que trabalhe com arte, com cultura e que não conheça o Radaelli. Ele é uma referência não só da cidade. Quantas pessoas da arte e da cultura que vinham à Porto Alegre e diziam “vamos lá no Radaelli”, porque o Atelier de Massas é aquele lugar mágico de nossa cidade, com aquela pessoa sempre animada, sempre positiva, sempre cheia de energia e que recebia todo mundo muito efusivamente, sempre sorrindo. Então a gente está perdendo um grande artista criativo com um trabalho no seu auge e na sua maturidade. Estamos perdendo uma figura da história de Porto Alegre, porque o Atelier de Massas é também um dos lugares mais gostosos e queridos do estado. Estou profundamente arrasada, devastada, porque me lembro dele sorrindo, dele gargalhando, dele com aquela adega de vinhos maravilhosa, da quantidade de pessoas incríveis que estavam sempre no atelier, dele sempre entusiasmado nas exposições. É como se eu estivesse perdendo uma pessoa da família”.
Paula Ramos, curadora, professora do Instituto de Artes da Ufrgs

“A morte de Radaelli é uma perda irreparável para o universo das artes plásticas do RS e para a cultura do estado. Sua partida tão precoce pegou a todos de surpresa. Quero me juntar aos amigos e enviar minha solidariedade aos familiares. Estamos todos enlutados por essa tragédia. Perdemos um artista múltiplo, que sem dúvidas deixará um vazio em nossa cidade. Permanece a sua arte que sem dúvidas continuará nos inspirando e servindo de referência para as novas gerações”.
Airton Ortiz, escritor, presidente do Conselho Estadual de Cultura do RS.

Um pintor na cozinha

Confira perfil do artista, produzido pela jornalista Valéria Ochôa e publicado pelo jornal Extra Classe

Comentários