CULTURA

Pesquisa revela perfil socioeconômico da dança no Rio Grande do Sul

Dançarinos, coreógrafos, iluminadores, músicos pararam de trabalhar ou reduziram atividades na pandemia. Maioria vive com até dois salários mínimos
Por Gilson Camargo / Publicado em 18 de setembro de 2021

Foto: Claudio Etges/Divulgação PMPA

Espetáculo de dança “Reutilizáveis Corpos Descartáveis”, da Transforma Cia. de Dança, vencedora do Prêmio Açorianos de Dança 2019 nas categorias bailarino (Pedro Coelho) e coreografia (Maurício Miranda)

Foto: Claudio Etges/Divulgação PMPA

Os profissionais da dança em atividade no Rio Grande do Sul são majoritariamente mulheres, pessoas brancas, solteiras e com escolaridade elevada, revela o Mapeamento da dança no RS. O estudo inédito realizado por um Grupo de Trabalho constituído em abril de 2020 por 19 entidades e universidades públicas representativas do setor no estado apresenta o perfil socioeconômico de dançarinos, coreógrafos, iluminadores e músicos e os impactos da pandemia sobre a atividade.

Com a finalidade de realizar um levantamento de dados para análise da cadeia produtiva da dança, a pesquisa é uma demanda da comunidade do setor no estado e foi indicada como necessidade no Plano Setorial de Dança, de 2014 e no Plano Estadual de Cultura, de 2015, para orientar ações e políticas públicas para a dança.

A pesquisa iniciada em abril e encerrada no dia 22 de agosto ouviu 1.382 profissionais por meio de questionário on-line. A diversidade é um dos aspectos mais marcantes entre esses profissionais e também nos ritmos trabalhados por eles, destaca. Entre os pesquisados, 39% vivem com um salário mínimo e 30% com até dois salários mínimos. Nesse contexto, a pandemia foi – como também ocorreu com toda a cadeia produtiva de cultura no estado e no país – devastadora: 80% tiveram que suspender ou reduzir suas atividades, o que resultou em perdas na renda desde o começo do ano passado.

Foto: TVE/ Twitter/ Reprodução

Luciana Paludo, da Ufrgs: “podemos compreender a situação em que as pessoas vivem com a dança e como elas conseguem se narrar”

Foto: TVE/ Twitter/ Reprodução

Para Luciana Paludo, professora do curso de Licenciatura em Dança e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Ufrgs e porta-voz da pesquisa, o impacto deste trabalho vai além de obter dados. Ela destaca que foi possível analisar a identificação dos profissionais com a categoria a partir da perspectiva de seu trabalho. “Podemos compreender a situação em que as pessoas vivem com a dança e como elas conseguem se narrar”, explica.

O mapeamento é uma demanda antiga da categoria. O Plano Setorial de Dança do RS, publicado em 2014, já previa a realização de “pesquisa de campo, levantamento e análise de dados sobre a dança e sua diversidade” nos municípios gaúchos. No entanto, o levantamento foi realizado a partir de um esforço coletivo, liderado por um conjunto de universidades. “Essa pesquisa só foi viável em função do acolhimento do setor”, destaca Maria Falkembach, professora de Dança na Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Diversidade e coletividade

Foto: Divulgação/SMC PMPA

Cia Jovem de Dança de Porto Alegre

Foto: Divulgação/SMC PMPA

Os dados coletados permitem embasar demandas do setor por políticas públicas e tangenciar parâmetros para a elaboração de fundos e editais no futuro. Entretanto, as pesquisadoras reconhecem que a realização do mapeamento provocou ecos em outros âmbitos para os profissionais e para a academia.

Também foi possível reconhecer a identidade do setor no estado e perceber a multiplicidade de gêneros de dança presentes no território gaúcho. De acordo com as professoras, o mapa permite situar o Rio Grande do Sul como um lugar de diversidade e de coletividade no âmbito da dança. “Existe um impacto do grupo que é de uma imersão no campo, de nos reconhecer, de reconhecer as diversidades e de dar importância para cada ponto”, ressalta Maria Falkembach.

O mapa também é uma ferramenta para gerar identificação dos profissionais com a categoria. “Muitas vezes, as pessoas longe das capitais não se pensam enquanto coletividade. Quando for evidente para mais pessoas, vamos nos fortalecer enquanto classe trabalhadora”, constata Luciana. O reconhecimento de que fazem parte de um coletivo maior também se dá por meio da divulgação de um banco de dados público, com a autorização dos participantes, contendo nomes, contatos e outras informações que permitem a organização dos profissionais em rede.

Para Luciana Paludo, a pesquisa é, também, uma ferramenta de autoafirmação para os profissionais e para a academia. “Uma das principais razões desse mapeamento é a legitimação desse trabalho. Ainda tem essa estranheza da dança em um espaço acadêmico”, constata.

Metodologia

Foto: UFPel/ Divulgação

“Queríamos que fosse acessível para todas as pessoas da dança para que não criássemos, dentro da pesquisa, uma exclusão”, ressalta Maria Falkembach, da UFPel

Foto: UFPel/ Divulgação

Luciana Paludo e Maria Falkembach, professoras das universidades federais, transitam entre a área acadêmica e a cena artística. Já no início do ano passado, perceberam o impacto que a pandemia poderia ter no setor. Sem financiamento, elas canalizaram o tempo do início da pandemia (abril de 2020), em que as aulas estavam suspensas, para mobilizar parcerias e elaborar a pesquisa.

As pesquisadoras destacam que o ponto central da sondagem é a sua elaboração a partir do ponto de vista de artistas, partindo das demandas da classe trabalhadora, e não de uma perspectiva economicista ou sociológica.

De acordo com Luciana, esse aspecto foi decisivo para definir a metodologia: “artista é produtor, e tem, no seu dia a dia, uma forma de fazer pesquisa, então fomos usando essas habilidades que cada um tinha”, explica.

Ela relata que foram várias etapas de elaboração e de readequação da linguagem e de divulgação. “É a lógica do aprender fazendo. As regras se fazem enquanto a gente opera”, revela.

Foto: Gustavo Diehl/ Arquivo/ Ufrgs

Ballet da Ufrgs

Foto: Gustavo Diehl/ Arquivo/ Ufrgs

Uma das dificuldades encontradas pelos pesquisadores foi a adesão à pesquisa, porque muitos trabalhadores da dança não se reconhecem enquanto profissionais: seis em cada 10 dançarinos desenvolvem atividades fora do campo da dança.

 

“Queríamos que fosse acessível para todas as pessoas da dança para que não criássemos, dentro da pesquisa, uma exclusão”, ressalta Maria.

Para amplificar a pesquisa, o trabalho foi divulgado por profissionais com maior trânsito na mídia e reconhecimento nacional, como a bailarina Ana Botafogo e o coreógrafo Carlinhos de Jesus, além de ter sido feita uma busca ativa em cada uma das 27 regiões de municípios gaúchos.

Além de fornecer dados para que a classe cobre políticas públicas, o Mapa da Dança do RS cumpre um papel de vanguarda na pesquisa. É um projeto-piloto que poderá servir como modelo para outros estados. “O mapeamento é, antes de tudo, uma ação educativa. Ao ler aquelas perguntas, a pessoa vai refletir sobre sua situação social enquanto trabalhadora da dança”, aponta Luciana.

Entidades participantes

Para a realização da pesquisa foi fundamental o engajamento de associações profissionais e coletivos de artistas. Participaram da pesquisa: Articula Dança RS, Associação Gaúcha de Dança (Asgadan), Associação de Circo do Rio Grande do Sul (Circo Sul), Articulação de Trabalhadores das Artes da Cena pela Democracia e Liberdade (Atac), Colegiado Setorial de Circo RS, Colegiado Setorial de Dança RS, Fórum de Ação Permanente pela Cultura, Fórum Permanente de Cultura de Pelotas e Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio Grande do Sul (Sated-RS).

Entidades públicas municipais e estaduais também prestaram apoio: Centro Municipal de Dança (CMD) de Porto Alegre, Conselho Estadual de Cultura do RS, Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul, (Sedac-RS), Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão do Rio Grande do Sul (Seplag-RS).

Entre as instituições de ensino superior, a Universidade de Caxias do Sul (UCS), Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (Uergs), Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) e Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) colaboraram para a pesquisa.

* Com informações da Ufrgs.

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