ECONOMIA

Aumento do custo de vida tem maior impacto na população de baixa renda

Custo da cesta básica aumentou entre 16% e 33%em 17 capitais, reduzindo o poder de compra do salário mínimo a patamares de 2005. País já tem 14 milhões de famílias na extrema pobreza
Por Gilson Camargo / Publicado em 9 de fevereiro de 2021
Inflação alta impacta diretamente 50 milhões de brasileiros que têm o salário mínimo como referência, além dos 14,1 milhões de desempregados

Foto: Marcos Santos/ Jornal da USP

Inflação alta impacta diretamente 50 milhões de brasileiros que têm o salário mínimo como referência, além dos 14,1 milhões de desempregados

Foto: Marcos Santos/ Jornal da USP

A taxa de inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC/IBGE), indicador mais utilizado pelo movimento sindical nas negociações coletivas, divulgado nesta terça-feira, 9, encerrou os últimos 12 meses com elevação acumulada de 5,53%. Os preços que mais subiram e impactaram a inflação foram os dos alimentos e bebidas, que registraram um aumento acumulado de 16,17% em 12 meses. Os não alimentícios oscilaram 2,4%, influenciados pelo grupo habitação e artigos de residência, e pelos aumentos sucessivos nos combustíveis. Desde a meia-noite desta terça-feira, a gasolina está 8,1% mais cara, o diesel 5,1%, e o gás de cozinha 5,5%.

Insegurança alimentar

Custo da cesta básica em Porto Alegre é o quarto mais caro do país

Arte: Daniela Sandi/ Dieese

Custo da cesta básica em Porto Alegre é o quarto mais caro do país

Arte: Daniela Sandi/ Dieese

Dados da Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos realizada pelo Dieese, divulgados na segunda-feira, 8, mostram que em 12 meses contados até janeiro de 2021, o custo da alimentação disparou no país, gerando perda de poder aquisitivo do salário mínimo, exclusão e fome. Mais de 20% da população vive em situação de insegurança alimentar, segundo o IBGE.

Os preços do conjunto de alimentos básicos, necessários para as refeições de uma pessoa adulta aumentaram em todas as 17 capitais pesquisadas, com aumentos que variam de 16,76% a 33,17%. A alta em Porto Alegre foi de 24,51%.

De acordo com a economista do Dieese, Daniela Sandi, o aumento generalizado ocorreu principalmente devido à desvalorização cambial, ao alto volume das exportações, ao abandono da política de estoques reguladores por parte do governo federal e a fatores climáticos, em decorrência de longos períodos de estiagem ou de chuvas intensas.

“Esse aumento afeta principalmente a população de menor renda já que proporcionalmente o peso da alimentação no orçamento dessas famílias é maior”, avalia.

Menor poder de compra do salário mínimo

Nesse começo de 2021, o salário mínimo consegue adquirir pouco mais que 1,7 cesta básica, a menor relação desde 2005. O valor do salário mínimo no Brasil está abaixo da média mundial (US$ 486.00) e é também inferior ao de países das Américas (US$ 668.00), considerando a metodologia de paridade do poder de compra, a partir de cálculos da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

“Importante registrar que o salário mínimo é referência de rendimento para 50 milhões de pessoas no Brasil (cerca de 24% da população total), dos quais pouco mais de 24 milhões são beneficiários do INSS (aposentados ou pensionistas); aproximadamente 12 milhões são empregadosnos setores privados ou públicos; e quase 10,5 milhões são trabalhadorespor conta própria”, explica.

A fome voltou a rondar os brasileiros

Em 2014, o país era protagonista no combate à fome, com Tiago Falcão (foto, ao microfone) à frente da Secretaria Extraordinário para a Superação da Extrema Pobreza, no Ministério do Desenvolvimento Social

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Em 2014, o país era protagonista no combate à fome, com Tiago Falcão (foto, ao microfone) à frente da Secretaria Extraordinário para a Superação da Extrema Pobreza, no Ministério do Desenvolvimento Social

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A economista lembra que a consequência da piora nas condições de vida da população brasileira, a fome voltou a assombrar o país. “Em apenas três anos, a porcentagem da população brasileira afetada pela insegurança alimentar moderada e aguda cresceu 13%”.

Segundo o IBGE, em 2016, eram 37,5 milhões de brasileirosque ingeriam menos calorias do que o necessário para uma vida saudável, contingente que subiu para 43,1 milhões, em 2019. “Ou seja, o Brasil, segundo maior produtor agrícola do mundo, tem mais de 20% da população em situação de insegurança alimentar”, constata.

Ainda segundo a pesquisa, a insegurança alimentar grave, ou seja, quando as pessoas relatam que estão passando fome, atingiu 4,6% dos domicílios brasileiros, o equivalente a 3,1 milhões de lares, onde viviam cerca de 10,3 milhões de pessoas, em 2017-2018.

“E essas informações referem-se a período anterior à pandemia. Em janeiro de 2021, já não há pagamento do Auxílio Emergencial, o que significa que cerca de 65 milhões de brasileiros, que receberam parcelas do benefício entre abril e dezembro de 2020, estão agora sem renda. O número de famílias em extrema pobreza no cadastro único para programas sociais do governo federal alcançou o maior número desde o final de 2014, superando a casa de 14 milhões”.

Quase 40 milhões em situação de miséria

Em apenas três anos, a porcentagem da população atingida pela insegurança alimentar cresceu 13%

Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

Em apenas três anos, a porcentagem da população atingida pela insegurança alimentar cresceu 13%

Foto: Wilson Dias/ Agência Brasil

De acordo com dados do Ministério da Cidadania, esse total de famílias equivale a quase 39,9 milhões de pessoas em situação de miséria no Brasil. São cidadãos com renda mensal per capita de até R$ 89,00. “Nesse sentido, o fim do auxilio emergencial aprofundará os níveis de pobreza no país, diminuirá o montante de dinheiro em circulação e tornará ainda mais dramática a questão da fome no Brasil”.

Menos dinheiro em circulação, fome e miséria. O resultado dessa equação é previsível. “O aumento da pobreza da população e a consequente redução do consumo, além disso, serão entrave para a retomada da atividade econômica e o fortalecimento do mercado interno”, conclui Daniela.

IDH em queda e a maior concentração de renda

Políticas econômicas excluem os mais pobres, cada vez mais barrados no acesso aos alimentos

Foto: Igor Sperotto

Políticas econômicas excluem os mais pobres, cada vez mais barrados no acesso aos alimentos

Foto: Igor Sperotto

Nos últimos três anos, o país despencou em todos os índices de desenvolvimento e a desigualdade cresceu, gerando a maior concentração de renda – afinal, os mais ricos não apenas faturam mais nas crises como levam menos tempo para recuperar perdas.

“O fanatismo ultraliberal em vigor no país fez com que o Brasil caísse cinco posições no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 2018 e 2020, passando do 79º para 84º lugar”, ilustra.

No mesmo período, acrescenta a economista do Dieese, o país passou a ocupar o segundo lugar no ranking daqueles com a maior concentração de renda do mundo, atrás apenas do Qatar, e a oitava posição entre os mais desiguais, depois de sete países africanos.

Deixar a situação ser regulada pelas “leis do livre mercado” penalizará principalmente a parcela mais pobre da população, para a qual o gasto com alimentos é proporcionalmente mais alto do que nas demais camadas sociais. “A distância entre pobres e ricos tende a agravar-se de forma rápida. A fome e a miséria podem crescer mais e piorar a já precária situação da classe trabalhadora”, projeta.

Daniela repara que a alimentação é assunto estratégico para qualquer país, relacionado à Segurança Nacional. “Mas o governo brasileiro segue em outra direção, sem entender o papel que lhe cabe, que é proteger a população, garantindo saúde, alimentação de qualidade e auxiliando, por meio monetário, as famílias mais vulneráveis”, conclui.

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