ECONOMIA

Petrobras paga a acionistas mais do que deveria

Empresa abre mão de reinvestir lucro na atividade-fim e faz a festa de rentistas com uma política que distribui mais dividendos do que o usual no mercado; 43% vai para fora do Brasil
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 2 de março de 2023

Petrobras paga a acionistas mais do que deveria 2

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Se um relatório da gestora de fundos inglesa Janus Henderson ranqueou a Petrobras na segunda posição global em pagamentos de dividendos (lucros) em 2022, o que poderia ser visto como um sucesso corporativo esconde nas entrelinhas uma política que segue na contramão de uma gestão empresarial eficiente.

Única empresa latino-americana presente entre as vinte mais bem posicionadas no documento, com US$ 21,7 bilhões estimados (R$ 112,9 bilhões) para seus acionistas em 2022, a Petrobras desde 2016 tem deixado de lado investimentos importantes para sua atividade em detrimento de repasses acima do seu lucro para a satisfação de seus acionistas.

Mais do que isto, no período de Jair Bolsonaro na presidência da República, a venda de ativos como refinarias, gasodutos e sua distribuidora também entraram na conta para engordar os recursos destinados aos rentistas, em sua maioria fora do Brasil.

Segundo a Janus Henderson, a Petrobras só não foi a maior pagadora do mundo por questões meramente tributárias.

No topo ficou a mineradora e petrolífera anglo-australiana BHP Billiton. Ela teve números brutos superiores, mas entregou um montante líquido menor aos seus acionistas.  O motivo – escancara outra distorção: o Brasil ao lado da Estônia não tributa dividendos.

Mas os números da gestora não refletem totalmente a realidade.

Concretamente, somente pelos três primeiros trimestres de 2022 o repasse de dividendos da Petrobras já chegou na casa dos R$ 180 bilhões.

A discrepância se dá porque os valores do relatório são calculados na forma bruta, utilizando a quantidade de ações na data de pagamento e convertidos utilizando a taxa de câmbio vigente.

Segundo a Janus Henderson, é um resultado aproximado em um cenário onde as empresas fixam a taxa de câmbio um pouco antes da data de desembolso.

Lucro histórico da Petrobras

Com a divulgação nessa quarta-feira, 1º, da totalização de R$ 188,3 bilhões de lucro da Petrobras em 2022 e a intenção de pagamento de dividendos referentes ao quarto trimestre proposto na ordem de R$ 35 bilhões, a petroleira na realidade vai acabar transferindo para seus acionistas mais do que todo o seu lucro no período. Uma lucratividade que entra para a história como o maior não só da empresa, mas de todas as brasileiras.

Valores que seguem o destino dos anos anteriores, com a maior parte para fora do Brasil, 43%.

Internamente, 20,2%, ficam com investidores privados nacionais e 36,8% para a União e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDES).

Concretamente, com 28,9% dos papéis na União e 7,9% na carteira do BNDES, R$ 66,2 bilhões engordaram a caixa do governo.

Dados do próprio mercado que fez na última terça-feira, 28, uma queda forte nos papeis da petroleira diante dos sinais de mudança na política de dividendos, dão uma ideia das proporções das medidas adotadas sob o comando da equipe econômica do presidente que passou para a história do Brasil como o primeiro não reeleito.

Na contramão do mercado

Enquanto a maioria das companhias listadas na bolsa brasileira distribui 25% do seu lucro líquido ajustado, a Petrobras em média repassou aos seus acionistas mais do que ela lucrou.

Isso, além de incorporar nos pagamentos parte dos valores da venda de seus bens sob a batuta de Paulo Guedes.

Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o fato é inédito.

Até o segundo ano do mandato de Bolsonaro, registra o Dieese, o máximo de dividendos pagos pela estatal foram 54% no ano de 1996. A média, no entanto, de 1995 a 2019 era o repasse de 30% do lucro.

No segundo ano de Bolsonaro, 2020, porém, esse percentual atingiu 145%. Baixou para 95% em 2021 e só nos dividendos distribuídos com referência aos três primeiros trimestres contabilizados pela empresa em 2022 chegou a praticamente 100% dos lucros que foram verificados, na casa dos R$ 180 bilhões.

Experiente gestor de fundos que solicitou anonimato ao Extra Classe declarou que, no seu entendimento, isso deixa claro “uma certa hipocrisia” das chamadas forças de mercado.

 A lógica da drenagem

“Se de um lado prega a tal eficiência empresarial, de outro, fecha os olhos à drenagem que foi promovida na Petrobras nos últimos quatro anos. Qual a sustentabilidade que terá uma corporação sem ter recursos para investir no próprio negócio?”, indaga.

Obviamente, afirmou o gestor de fundos, essa hipocrisia não é gratuita. “Toda a lógica que estava sendo construída no governo anterior era, primeiro, garantir a reeleição do presidente; segundo, privatizar a Petrobras. Simples assim”, declara sem esconder o caráter especulativo do negócio em que atua.

Uma ameaça ao futuro da Petrobras

Eduardo Costa Pinto, Professor de Economia Brasileira e Economia Política da Universidade Federal do Rio de janeiro (UFRJ), entende que desde a implantação do Preço de Paridade Internacional (PPI) após a derrubada da presidente Dilma Rousseff em 2016 a Petrobras tem lucrado muito e gasto pouco com ganhos que sobem mais rápido do que as despesas para a extração do petróleo do pré-sal.

Segundo o professor, com a manutenção do PPI, a estatal maximiza o lucro ao cobrar o preço máximo possível dos combustíveis.

É pela receita, bastando “acompanhar os níveis internacionais, com frete e imposto, e vendendo pelo preço de monopólio”, explica.

 Mas, para Costa Pinto, o pagamento de dividendos tão altos com o repasse de recursos arrecadados inclusive com a venda de patrimônio acaba não sendo benéfico para a empresa.

Em artigo publicado por ocasião da divulgação dos resultados do segundo trimestre da Petrobras, ele disse que o caixa feito no período e os recursos da venda do patrimônio deveriam ser reinvestidos na própria empresa. “A Petrobras parou de investir”, sentenciou.

Dados do próprio Ministério das Minas e Energia (MME) atestam isto. Enquanto em 2021 a média de lucratividade das nove maiores petroleiras do mundo ficou em 12,2% do patrimônio líquido, a Petrobras por não ter reinvestido parte das receitas de sua operação lucrou 40,1%.

É uma grande ameaça para a empresa porque cada vez mais suas concorrentes têm investido na busca de iniciativas para transição energética.

Isso diante de fenômenos como o aquecimento global que torna a pressão para que a utilização de petróleo seja reduzida uma realidade.

Desde 2016, após a posse de Michel Temer (MDB), a empresa tem deixado de lado projetos de energia solar, eólica e biocombustíveis entre outras áreas.

População penalizada

Trabalho apresentado no final de outubro passado pelo Dieese sobre a alta lucratividade da Petrobras é categórico: a política de preços de combustíveis praticada pela empresa penaliza a população.

De acordo com o estudo, entre 2003 e 2016, “a gasolina, diesel e GLP (gás) subiram de preços nas refinarias bem abaixo do crescimento do salário mínimo e da inflação”.

Foi com o advento do PPI que se iniciou a escalada inflacionária dos combustíveis que acabou contaminando toda a economia nacional.

Se por um lado o governo Bolsonaro com o objetivo de reduzir o preço dos combustíveis fez um forte ataque aos impostos, fazendo com que estados deixassem de arrecadar para tocar seus projetos e políticas sociais, de outro, não mexeu no mecanismo que drenava recursos da Petrobras muito acima dos praticados no mercado para seus acionistas.

De fato, essa é a opinião de boa parte de integrantes do governo Lula e de sua base de apoio que questiona ainda a decisão da Petrobras em 3 de novembro passado de antecipar o pagamento de R$ 43,7 bilhões de dividendos para seus acionistas.

“Isso é uma irresponsabilidade com a empresa e com o país. É a farra do Paulo Guedes para cobrir os gastos eleitorais do governo Bolsonaro”, afirmou Gleisi Hoffmann, presidente do PT Nacional, integrante na época da equipe de transição.

Sobre o registro da Petrobras como a segunda maior pagadora de dividendo do mundo, o deputado federal Alexandre Lindenmeyer (PT/RS) sintetiza ao emitir sua opinião de apoio a outra declaração dada pela presidente do PT Nacional, após coletiva dada pelos ministros da Fazenda e de Minas e Energia, Fernando Haddad (PT/SP) e Alexandre Silveira (PSD/MG).

“Enquanto o brasileiro pagava uma das gasolinas mais caras do mundo, a Petrobras foi a segunda empresa que mais pagou dividendos no mundo em 2022. É mesmo indecente, como disse a presidenta Gleisi. A Petrobras precisa de uma política de preços mais justa. E essa mudança está perto de acontecer”, registrou em suas redes sociais.

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