EDUCAÇÃO

Enem: abstenção superior a 50% gera prejuízo de R$ 332,5 milhões

Mais de 2,8 milhões de candidatos deixaram de comparecer ou foram impedidos de realizar a primeira prova – mantida no domingo, 17, apesar do agravamento da pandemia em todo o país
Da Redação / Publicado em 19 de janeiro de 2021
Aglomeração de candidatos durante a primeria prova em unidade de ensino do Distrito Federal

Foto: Reprodução

Aglomeração de candidatos durante a primeria prova em unidade de ensino do Distrito Federal

Foto: Reprodução

A abstenção de 2,84 milhões de candidatos do Enem 2020, número que representa 51,5% do total de inscritos, gera um desperdício de R$ 332,5 milhões aos cofres públicos. Isso porque o custo da prova, neste ano, é de R$ 117 por aluno.

Esse valor desperdiçado é quase o dobro de tudo o que foi gasto em 2020 com a Bolsa Permanência, programa de auxílio a alunos de baixa renda em universidades públicas. Em todo o ano foram empenhados R$ 180 milhões neste subsídio.

O cálculo é o mesmo utilizado pelo Ministério da Educação nos últimos anos para divulgar o desperdício de verba causado por alunos que se inscreveram, mas não compareceram à prova. Equivale à divisão dos R$ 682 milhões gastos na prova pelo número de candidatos. Neste ano foram 5,783 milhões de inscritos. O custo por aluno, R$ 117,00 multiplicado pelo número dos que não compareceram ao exame (2.842.332) dá o total do desperdício: R$ 332,5 milhões.

MEC ignorou pedidos de adiamento

Entrada dos candidatos para o primeiro dia de provas, na Uerj

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Entrada dos candidatos para o primeiro dia de provas, na Uerj

Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A taxa de abstenção recorde se deu em função da data do exame, que ocorre em um momento de alta de contaminação de covid-19. O Ministério da Educação se recusou a adiar a prova pela segunda vez – originalmente o exame ocorre em outubro.

A mudança era um pedido de estudantes. Em enquete realizada pelo Inep, em março de 2020, eles pediram o adiamento para maio. E também de 47 entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped) e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABS).

“Teria que pegar ônibus cheio para chegar até o local de prova e também vi que eles não iam reduzir a quantidade de alunos por salas. Moro com a minha mãe que já tem idade. Não queria esse risco, e faltei”, conta Yasmin Cardoso, de 19 anos. “Se tivessem adiado para uma data mais segura, teria feito”.

Na avaliação de Miguel Rugento, especialista em educação e políticas públicas da PUC-Rio, a manutenção da data também privilegiou ainda mais os alunos com melhores condições financeiras.

“Esses tiveram um ano letivo, ainda que remoto, enquanto sabemos que muitos estudantes de escolas públicas não tiveram o mesmo privilégio. A alta abstenção mostra que a decisão do governo foi equivocada, e as desigualdades educacionais vão ser alargadas. E o risco de contágio existiu”, afirma.

Na avaliação dele, seria “prudente ter feito um planejamento, aberto diálogo com a comunidade, para achar um equilíbrio nessa equação”.

“No cenário que temos, é natural que haja perdas, mas sem o diálogo, essas perdas se tornam maiores, e o MEC é responsável por essa articulação”, explica.

Inep desrespeitou limite de alunos por sala

Rigor nos protocolos de higiene e segurança alegados pelo MEC para contestar pedidos de adiamento da prova não foram observados

Foto: Reprodução

Rigor nos protocolos de higiene e segurança alegados pelo MEC para contestar pedidos de adiamento da prova não foram observados

Foto: Reprodução

A Defensoria Pública da União protocolou no dia 18 um pedido para que a segunda prova do Enem 2020, marcada para o próximo domingo, 24, seja adiada. Na ação, também requisita que todos os candidatos que faltaram à primeira prova possam realizar o exame em outra data.

A petição argumenta que há novos fatos trazidos com a realização da primeira prova que justificam o novo pedido. Segundo a DPU, ficou `cabalmente demonstrado”, durante a aplicação da primeira prova do Enem “que os réus não respeitaram o percentual de ocupação de salas com que tinham se comprometido, tendo induzido esse juízo a erro”.

O Inep argumentou que apenas 50% da capacidade das salas seriam preenchidas. No entanto, alguns candidatos foram comunicados por fiscais nos locais de prova que as salas estavam com `lotação máxima` e não puderam realizar o exame.

De acordo com o defensor público da União João Paulo Dorini, autor da ação, os alunos que não puderam realizar a prova porque estavam em salas superlotadas ainda têm direito de pedir indenização.

“Essas pessoas não podem ser prejudicadas. O Inep havia garantido que havia segurança para todo mundo, quando na verdade não havia”, afirma.

O advogado Igor Santos, que participou de 200 ações de alunos prejudicados pelos problemas do Enem de 2019, afirma que esses alunos podem entrar com ações individuais na Justiça para conseguir fazer a prova e terem seus gastos ressarcidos.

“Mas o mais importante é que haja pressão. Assim como em 2019, a pressão de uma grande quantidade de pessoas teve mais sucesso do que ingressar com processos judiciais individuais. Naquele ano, conseguimos quase 60 resultados positivos. Gente que entrou para o curso que queria que não conseguiria antes da revisão”, afirma.

O Inep não respondeu quanto ao desperdício de dinheiro público.

No domingo, o ministro da Educação, Milton Ribeiro, classificou o Enem 2020, mesmo com abstenção recorde, como “um sucesso”.

“No meio de uma crise, mobilizar milhões de pessoas, para mim, foi um sucesso. Eventualmente, se nós disséssemos que não teria Enem neste ano, para mim, seria um insucesso, uma derrota da educação brasileira”, argumentou.

*Com informações da Agência Brasil.

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