EDUCAÇÃO

Novos cursos de Medicina são alvo de debate no STF

Argumentos a favor e contra chamada pública para abertura de novos cursos de Medicina esteve no centro da pauta do encontro
Por César Fraga / Publicado em 18 de outubro de 2022

 

Novos cursos de Medicina são alvo de debate no STF

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

A chamada pública para abertura de novos cursos de Medicina tiveram argumentos a favor e contra

Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Na segunda-feira, 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou audiência pública sobre o funcionamento dos cursos de Medicina.

A audiência foi coordenada pelo ministro Gilmar Mendes, para ouvir as partes interessadas na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 81 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7187.

Também participaram autoridades do Poder Executivo, do Conselho Nacional de Saúde, de parlamentares e de entidades dos setores médico e educacional.

Insegurança jurídica

De acordo com Elizabeth Guedes,  presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup), “a concessão de liminares para a abertura de novos cursos sem chamamento público traz insegurança jurídica ao setor”. Ela defende uma barreira de entrada para novos cursos, em razão da complexidade da disciplina. A Anup é a autora da ADC 81.

O coordenador-geral de Direito Social, Econômico e Infraestrutura da Procuradoria-Geral da União (PGU), Marcelo Moura da Conceição vai na mesma direção.

Ele afirma que as liminares também representam um risco social à formação de médicos sem condições mínimas para o exercício profissional.

Liberdade econômica e reserva de mercado

Representando o Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub), autor da ADI 7187, Ingo Wolfgang Sarlet afirmou que a exigência viola os princípios da liberdade econômica, da livre concorrência e da proibição de retrocesso. Na sua avaliação, a restrição a novos cursos aumenta o custo das mensalidades, diante da escassez de oferta.

Distribuição dos médicos

Já para o coordenador-executivo do Sistema de Acreditação de Escolas Médicas (Saeme), Milton de Arruda Martins, o problema não reside na quantidade de médicos, mas na sua distribuição desses profissionais no Brasil.

Entre 2011 e 2020, foram abertos mais de 167 cursos de Medicina no país.

Equilíbrio

O deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), ex-ministro da Saúde (no governo Michel Temer, MDB), defendeu que os cursos de Medicina tenham hospitais próprios. “Além de contribuir para a qualidade do ensino e a interiorização da formação dos profissionais, a medida traria equilíbrio, pois o curso é altamente rentável, e a manutenção do hospital é deficitária”, defende.

Qualidade dos cursos

Representantes do governo federal defenderam o chamamento público para garantir a qualidade dos cursos. O ministro da Educação, Victor Godoy, expressou preocupação com as autorizações provisórias para o funcionamento dos cursos. Para ele, o essencial é garantir que o estudante tenha a segurança de que vai adquirir habilidades e competências para o exercício da Medicina.

Saúde básica

O atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, enfatizou a necessidade de médicos que cuidem da saúde básica da população. Para ele, a melhor forma de resolver a questão é focar na qualificação das escolas existentes e na aplicação de exames de progresso.

Interesse público

Para o advogado-geral da União, Bruno Bianco, a lei do Mais Médicos (de 2013) estabeleceu parâmetros mais rigorosos para a formação de profissionais na área. As exigências visam ao interesse público e ao ensino médico de qualidade.

Defesa econômica

O conselheiro do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica, Gustavo Augusto Freitas de Lima, explicou que o órgão analisa, em relação à abertura de novos cursos, os critérios de preço e bem-estar social – que engloba os custos à sociedade de um ensino de má qualidade.

Ampliação

A competência legal do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para analisar pedido de abertura de cursos de medicina foi defendida pela representante da entidade, Francisca Valda da Silva. Segundo ela, é necessário ampliar o número de médicos no país, e o programa Mais Médicos é insuficiente para atender a demanda de profissionais.

Parlamentares

Deputados federais médicos defenderam maior rigor na avaliação dos cursos de Medicina já existentes e dos hospitais que atuam na formação prática da residência. Hiran Gonçalves (PP-RR) – oftalmologista, legista e presidente da Frente Parlamentar da Medicina no Congresso Nacional – criticou o funcionamento de faculdades de Medicina amparado em liminares.

Dr. Frederico (Patriota-MG), oncologista, e Doutor Luizinho (PP-RJ), ortopedista, elogiaram o atendimento básico nas unidades de saúde, mas afirmaram que é nos hospitais que os alunos têm aprendizado prático. Eles defenderam, ainda, um exame de proficiência para os recém-formados.

Avaliação criteriosa

Segundo o médico Raul Cutait, a formação médica exige mais de 7 mil horas/aula, inclusive práticas. Em sua avaliação, antes de abrir novas vagas, o importante é deixar as faculdades competentes funcionarem e avaliar criteriosamente os currículos, os alunos, as faculdades e os centros de treinamento técnico que já existem.

Entidades médicas

Na segunda parte da audiência, representantes de conselhos e associações médicas defenderam a exigência do chamamento público. Para o grupo, o problema não é apenas a baixa quantidade de médicos por habitantes, mas a qualidade da formação desses profissionais. “A qualificação deve se sobrepor aos problemas de infraestrutura”, disse Angelo Vattimo, do Conselho Regional de Medicina Estado de São Paulo.

A médica e professora Ludhmila Hajjar observou que cerca da metade dos médicos não tem título de especialista, que é o que qualifica um profissional. Os palestrantes também mostraram preocupação com o déficit de corpo docente qualificado para atender à profusão de novas escolas.

Para garantir a qualidade do ensino, eles sugeriram priorizar a autorização de abertura de escolas que tenham hospitais e programa de residência próprios e formação humanística e ética dos alunos.

Rede de saúde e integração com universidades

Para o neurologista Silvio Pessanha Neto, avaliador do sistema de acreditação de escolas médicas do MEC, a qualidade dos cursos está diretamente relacionada à capacidade de sua integração à rede de saúde. Segundo o médico Rodrigo Matos, as contrapartidas do modelo do Mais Médicos, como bolsas para estudantes carentes e exigência de residência médica, é uma evolução. Atual provedor da Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana (BA), ele afirmou que esses fatores ajudam a fixar os médicos e a melhorar a qualidade do atendimento à população local.

Para Samara Agostinho, coordenadora-geral da Direção Executiva Nacional dos Estudantes de Medicina, a oferta de cursos de residência em mais municípios favorece a interiorização da profissão e fortalece o SUS. Segundo ela, é preciso tornar a profissão menos elitizada, com a inclusão de indígenas, quilombolas e pessoas de comunidades periféricas.

Novos cursos de medicina e qualidade na formação

A Associação Brasileira das Instituições Comunitárias de Educação Superior e o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Pará, representados por Henrique Sartori, consideram que o Mais Médicos não funciona mais para a educação brasileira. Em nome da Associação Nacional dos Centros Universitários, José Machado afirmou que o programa, apesar de melhorias, mantém a desigualdade na distribuição de médicos, e a formação dos profissionais não preenche as reais necessidades do Brasil.

Pela Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia, Luiz Carlos Sobania afirmou que não há falta de médicos, mas de qualidade dos cursos. No mesmo sentido, ao representar o Colégio Brasileiro de Radiologia, Dante Escuissato mostrou preocupação quanto à capacitação dos profissionais, recomendando a avaliação das estruturas dos cursos e dos dos alunos. Na mesma linha, Cristina Menezes, da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, salientou que a qualidade da formação profissional é mais importante do que a quantidade de profissionais.

Livre iniciativa

Segundo a Associação Brasileira de Mantenedoras das Faculdades Isoladas e Integradas, representadas por Paulo Chanan, dizer que o MEC não tem condições de atuar e condenar todos os novos cursos realizados e, consequentemente, os profissionais já formados. Em nome da Federação Interestadual das Escolas Particulares, Diego Donoso mostrou preocupação com a possibilidade de uma restrição absoluta, pelo Estado, das atividades no setor de medicina.

Para a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino, representada por Anna Dianin, a discussão da qualidade de ensino deve ser ampliada para outras profissões. Pelo Fórum das Entidades Representativas do Ensino Superior Particular, Bruno Coimbra defendeu o direito da livre iniciativa das instituições de ensino.

Interiorização da formação médica

Ao participarem do terceiro bloco da audiência pública, representantes de municípios defenderam o programa Mais Médicos e ressaltaram a importância da interiorização dos cursos de medicina através da formação dos profissionais em suas cidades. A secretária de Saúde de Alagoinhas (BA), Laina Lôbo, afirmou que a mão de obra médica é relevante em seu município, principalmente para as populações mais vulneráveis, como quilombolas e indígenas.

O prefeito de Jaraguá do Sul (SC), José Jair Franzner, observou que programas na área da saúde são realizados em parceria com a faculdade, a exemplo da capacitação de professores para a realização de primeiros socorros. A secretária de Saúde de Cruzeiro do Sul (AC), Valéria Lima, relatou os atendimentos itinerantes em locais de difícil acesso e avaliou que a existência de um curso de medicina em sua cidade faz com que os profissionais não precisem sair da região para se qualificar.

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