EDUCAÇÃO

Nova reforma do ensino médio terá mais mudanças, diz relatora

Estudo da Unesco aponta que 55% dos estudantes desaprovam o novo ensino médio; Senado colhe sugestões para emendas à proposta de nova reforma
Por César Fraga / Publicado em 17 de abril de 2024
Nova reforma do ensino médio terá mais mudanças, diz relatora

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A relatora da nova reforma do ensino médio, a senadora Dorinha (3ª à esq.), conduz audiência na CE com Daniel Cara, Rosilene Corrêa, Santos, Caruso e Heleno.

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

A controversa reforma da reforma do “novo” ensino médio, prevista no PL 5.230/2023, se tornou tema de mais duas audiências públicas interativas na Comissão de Educação (CE) do Senado Federal nesta semana. Uma das audiências ocorreu na terça, 16. A  próxima audiência será nesta quinta, 18, às 14 horas. Apesar da pressa do executivo, autor da proposta, só depois de concluído o trâmite na Comissão, é que a matéria seguirá para avaliação do plenário. A previsão inicial da casa era que a votação iria até abril, mas poderá entrar maio adentro.

Na audiência na tarde de ontem, especialistas em educação fizeram mais críticas e sugestões para o projeto.

Apesar de o Ministro da Educação, em outra audiência no Senado na parte da manhã, defender a análise e aprovação projeto de lei sem modificações “o mais breve possível”, à tarde, a senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO), que é a relatora da proposta, na audiência específica do PL 5530, frisou que as audiências públicas são importantes momentos “de arranjo, discussão e democracia”.

“Não temos compromisso de manter o texto da Câmara para votar logo. Mas nossa tarefa é urgente, pelos alunos”,  afirmou a senadora.  Quase 8 milhões de alunos estão atualmente matriculados no ensino médio em escolas de todo o país. Durante audiência, representante da Unesco, apresentou pesquisa apontando que mais da metade desses estudantes estão insatisfeitos com as mudanças da reforma anterior (NEM), realizadas em 2017. (no final desta matéria)

Anteriormente, a senadora já havia dito que mesmo que a proposição exija uma certa celeridade, é importante que a Comissão de Educação e Cultura faça um debate aprofundado sobre o tema, com objetivo de ouvir os principais representantes da sociedade, para esclarecer pontos relevantes e subsidiar com informações técnicas que vão ajudar na elaboração de um texto de consenso entre os parlamentares.

Conforme contato do Extra Classe com a assessoria da senadora Dorinha nesta quarta, 17, “a previsão é de que seja votado até maio”.

A relatora adiantou também que o texto aprovado pela Câmara deverá sofrer ajustes, mas disse acreditar na aprovação rápida do projeto.

“Nosso propósito aqui é, de maneira rápida, aprovar no Senado. Não vejo como não voltar para a Câmara. Vai voltar porque tem alterações. Mas a ideia nossa é tratar com o relator (na Câmara, deputado Mendonça Filho) para a gente ganhar tempo. A alteração será feita a partir de um diálogo entre Câmara e Senado”, pontuou a relatora.

Na mesma audiência, o presidente da Comissão, senador Flávio Arns (PSB-PR), reconheceu haver muitos desafios a serem enfrentados na área da educação e, especialmente, em relação ao ensino médio. Ele lamentou o fato de muitos alunos do nível médio terem necessidade de trabalhar. Para o senador, o programa Pé-de-Meia, um incentivo financeiro para a permanência do aluno no ensino médio, é uma importante iniciativa do governo federal. Flávio Arns ainda disse que o projeto do novo ensino médio é uma oportunidade de o Brasil avançar na educação.

“O que queremos é entregar para a sociedade um documento bem elaborado, que aponte alternativas seguras e necessárias”, declarou Arns.

Já o diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica, da Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação (SEB/MEC), Alexsandro do Nascimento Santos, disse que o ministério procurou escutar diversas vozes para a construção de uma proposta para o ensino médio.

O representante do MEC disse que o projeto de lei retoma componentes curriculares que foram fragilizados, como a filosofia, e uma carga horária de 2.400 horas para a formação geral básica”, hoje é de 1.800 horas. Segundo o diretor, a proposta do governo é também implantar uma padronização básica para os chamados itinerários formativos. Santos ainda admitiu que uma reforma mais profunda precisa contar com melhor infraestrutura física para as escolas e melhores salários para os profissionais de educação.

“Precisamos de uma política para o ensino médio que dê conta de outras demandas que vão além do currículo”, afirmou o diretor, destacando que a oferta de ensino médio a distância deve ser feita em um regime de excepcionalidade.

Críticas e sugestões

O coordenador do Fórum Nacional de Educação (FNE), Heleno Manoel Gomes Araújo Filho, disse querer um ensino que colabore com o pleno desenvolvimento da pessoa, conforme previsto na Constituição de 1988. Para Heleno Filho, o novo ensino médio precisa ter foco na solidariedade, e não na competição. Ele disse que tanto a lei do NEM (Lei 13.415, de 2017) quanto o projeto em tramitação não atendem às demandas sociais. Heleno Filho entregou à senadora Dorinha um documento com uma série de sugestões para o projeto do NEM. Com base em uma pesquisa realizada pelo FNE, o coordenador informou que mais de 92% dos alunos defendem a revogação da lei do novo ensino médio:

“A reforma do ensino médio de 2017 não atende a nossa juventude”, alertou.

De acordo com a diretora da Secretaria de Finanças da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), Rosilene Corrêa, a reforma de 2017 tem um viés neoliberal preocupante, porque reforça as desigualdades educacionais. Ela disse que a reforma atinge principalmente uma população jovem e periférica, e pediu que o Senado recupere parte do texto original do projeto, que teria sido perdida na tramitação da Câmara dos Deputados. Na visão da diretora da CNTE, o ideal seria a revogação da lei do NEM, mas é possível afirmar que há avanços no projeto enviado pelo governo.

“Precisamos partir da posição em que estamos, que é a tramitação do projeto. Se não vamos ainda revogar, precisamos renovar o ensino médio para melhorar e buscar mais investimentos. Queremos que o Senado não reafirme o que a Câmara fez. Do jeito que está, o projeto não atende aos estudantes e à sociedade”, declarou Rosilene, que também entregou à relatora uma pasta com sugestões de mudanças no projeto.

142 pesquisas apontam problemas do NEM

Para o professor Daniel Cara, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e representante do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, o novo ensino médio é hoje o debate mais importante para o Brasil na área de educação. Ele disse que o coletivo compilou 142 pesquisas científicas realizadas entre 2021 e 2024 que evidenciariam os efeitos negativos do novo ensino médio. Na visão de Cara, o ensino médio integrado ainda é o melhor modelo. Ele defendeu as 2.400 horas voltadas para o currículo padrão, ante as 1.800 horas atuais (mudança prevista no projeto em análise na CE). Para o professor, porém, a implementação do novo ensino médio naturaliza as desigualdades sociais.

“Precisamos de soluções equilibradas e factíveis. O projeto precisa superar a exclusão escolar e preparar o estudante para o ingresso na faculdade e no mercado de trabalho” sugeriu Cara.

Consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Luiz Antônio Caruso apresentou uma pesquisa realizada no ano passado entre alunos, professores e gestores do ensino médio. Segundo a pesquisa, 55% dos alunos se mostraram insatisfeitos com as mudanças decorrentes do NEM. Outros 63% criticaram a mudança na carga horária. Entre os professores, 76% se mostraram insatisfeitos com NEM. Já entre os gestores, esse índice é de 66%.

Reforma do ensino médio

O PL 5.230/2023 é uma alternativa apresentada pelo governo para substituir o novo ensino médio, instituído por lei em 2017, mas cujas regras começaram a ser aplicadas em 2022 para parte dos alunos até a suspensão do modelo, em 2023, para reavaliação. Uma das principais mudanças propostas pelo projeto de reforma é a recomposição da carga horária para a formação geral básica, que vinha sendo reivindicada por especialistas e movimentos ligados à educação. A carga, que pelas regras atuais do NEM é de 1.800 horas, pelo projeto em análise passa a ser de 2.400 horas.

O projeto foi aprovado em março pela Câmara, na forma de um substitutivo (texto alternativo) do deputado Mendonça Filho (União-PE). Ele foi ministro da Educação entre 2016 e 2018, época do lançamento da primeira versão da reforma.

Próxima audiência

Na quinta, 18, a lista de convidados tem oito nomes, que incluem representantes do Ministério da Educação, do Conselho Nacional de Secretários de Educação, do Fórum Nacional de Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação,  do Coletivo em Defesa do Ensino Médio de Qualidade, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e do Conselho Nacional de Educação.

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