GERAL

Já são 12 crianças mortas por arma de fogo no Rio em 2020

Emilly, Rebecca e outras 10 crianças negras e pobres foram abatidas a tiros durante festas e brincadeiras em comunidades pobres das cidades fluminenses. E se isso ocorresse em bairros nobres?
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de dezembro de 2020
As famílias de Emilly e Rebeca, mortas a tiros em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, se reuniram nesta segunda-feira (7) com o governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, no Palácio Guanabara

Foto: Divulgação/Rogério Santana/Governo do RJ

As famílias de Emilly e Rebeca, mortas a tiros em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, se reuniram na última segunda-feira, 7, com o governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, no Palácio Guanabara

Foto: Divulgação/Rogério Santana/Governo do RJ

O assassinato das duas primas Emilly Victoria da Silva Moreira Santos, 4 anos,  e Rebecca Beatriz Rodrigues Santos, com 7, por um tiro de fuzil na última sexta-feira, 4, aponta uma estatística assustadora ao meio da violência urbana no Rio de Janeiro. Em 2020, em média uma criança morreu por mês por arma de fogo no estado. Em comum, crianças de periferia, favelas, pobres e negras. A cada morte há um ritual de comoção na imprensa e redes sociais, seguido de promessas de apuração de responsabilidades e gradual esquecimento.

A dúvida que fica é como reagiriam sociedade, autoridades e políticos, se essas balas perdidas atingissem crianças brancas nos playgrounds dos bairros nobres.  O presidente da ONG Rio da Paz, Antonio Carlos Costa, destaca que é na condição social das crianças que “reside a razão da indiferença por parte das autoridades públicas”.

Nada Muda

Costa desabafou nas redes sociais. “Sempre que essas mortes ocorrem pensamos que tudo vai mudar, uma vez que a face mais hedionda da criminalidade no Rio é a morte por bala perdida desses meninos e meninas. Contudo, nada muda. Famílias permanecem desamparadas, a autoria dos homicídios não é elucidada, os assassinos não são punidos, e nenhuma transformação ocorre na política de segurança por parte das autoridades”

A Ong Rio da Paz  desde 2007 acompanha os casos de crianças mortas por armas de fogo. Segundo a entidade, a maioria das mortes é ocasionada “por balas perdidas”. Até o momento, este ano registra cinco casos a mais em relação ao ano anterior, quando foram sete crianças vitimadas.

Familiares

Emiilly e Rebecca brincavam no momento do assassinato

Foto: Reprodução/Redes Sociais

Emilly e Rebecca brincavam no momento do assassinato

Foto: Reprodução/Redes Sociais

Nessa segunda-feira, 7, familiares de Emilly e Rebeca se reuniram com o governador em exercício do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PSC) para cobrar uma solução para o crime.

Para eles, o disparo que atingiu Emilly na cabeça e também transpassou o abdômen de Rebecca no município de Duque de Caxias, Baixada Fluminense, teria partido de um policial militar. As primas estavam brincando na frente de casa. A Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro nega a ocorrência.

Segundo a porta-voz da PMRJ, coronel Gabriela Dantas, não havia operação na comunidade na sexta. Os policiais que estavam na região relataram em depoimento que foram acionados por um caso de furto de veículo. Os PMs disseram que ao sair, então, escutaram alguns tiros.

Avó questiona

Lídia da Silva Moreira Santos, avó de Emilly refuta o depoimento dos agentes. Para ela não houve tiroteio. “Conforme bateu na cabeça da  Emily, foi no coração na de Rebeca. A mesma bala. Eu acredito que a mesma bala matou as duas crianças. Na mesma direção. Aí eu te pergunto ‘de quem é a culpa?’ Porque eu vi só policiais”, afirma.

Em desabafo prossegue Lídia: “Teve confronto? Estava tendo guerra na favela? Estava tendo alguma coisa? Não. Porque um policial que se diz preparado, a pessoa estuda, a pessoa treina para atirar. Quem é que pode explicar porque isso aconteceu? É despreparo? Como é que eu vou atirar? Numa rua com pessoas chegando do trabalho, criança brincando e ninguém está atirando em mim”.

CRIANÇAS VITIMADAS POR ARMAS DE FOGO NO RIO EM 2020

Fotos: Reprodução/Redes Sociais

Anna Carolina, Douglas, Ítalo, João Pedro, João Vitor, Kauã,, Leônidas, Luis Antônio, Maria Alice, Rayane, Emilly e Rebecca (da esq p/ dir)

Fotos: Reprodução/Redes Sociais

Anna Carolina e João Vitor

A série de assassinatos de crianças no Rio de Janeiro em 2020 começou no dia 9 de janeiro. Na ocasião, Anna Carolina Neves morreu em Belford Roxo após ser baleada na cabeça. A menina estava dentro da casa vendo TV ao lado do pai. A PMRJ informou que não havia operação na região no momento do ocorrido.

João Vitor Moreira (14 anos) também morreu vítima de uma bala na cabeça. A tragédia aconteceu no dia 29 de janeiro e culminou com a morte do menino no dia 2 de fevereiro. João Vitor voltava do aniversário de uma prima na Vila Kosmos, Zona Norte da capital Fluminense. A PMRJ também informou que não fazia operação na região quando houve o disparo que feriu o adolescente.

Luiz Antônio

Em 6 de fevereiro, 4 anos que também tinha 14 anos foi alvejado na perna e morreu no dia seguinte. Foi na comunidade Vila Ruth, em São João de Meriti, Baixada Fluminense. Ele estava em processo de adoção e seria matriculado em uma escola da região. Luiz Antônio saia do psicólogo com a dona de casa Tamires Silva quando iniciou um tiroteio. Tamires disse que PMs se recusaram a socorrer o adolescente.

João Pedro

A morte de João Pedro Matos Pinto (14 anos) teve forte repercussão nas redes sociais, com milhares de personalidades demonstrando sua indignação. O adolescente foi ferido nas costas durante uma operação conjunta das policias Federal e Civil do RJ no Complexo do Salgueiro, município de São Gonçalo no dia 18 de maio. A consternação foi  grande especialmente pelo fato do caso ter sido decorrência da invasão da casa do adolescente por agentes que dispararam em diversas direções. João Pedro foi retirado da comunidade por um helicóptero da Polícia Civil e só foi localizado pela família na manhã do dia seguinte no Instituto Médico Legal (IML).

Douglas e Kauâ

Menos de um mês após a morte de João Pedro, no dia 7 de junho, Douglas Enzo Marinho (4 anos) foi morto em sua própria festa de aniversário. A criança levou um tiro no peito disparado por um dos convidados. Pedro Vinícius de Souza, 21 anos, foi preso em flagrante. O crime aconteceu em Magé, Baixada Fluminense.

No dia 25 de junho, Kauã Vitor (11 anos) morreu ao ser baleado na cabeça por Felipe Gomes,18 anos, que estava brincando com uma arma quando o disparo foi realizado. Kauã brincava na porta de sua casa no Complexo da Maré, Zona Norte do Rio.

Rayanne, Ítalo Augusto e Maria Alice

No bairro de Anchieta, zona Norte da capital, Rayanne Lopes foi um dos alvos de uma chacina ocorrida em uma Festa Junina. Ao todo, foram cinco mortos e sete feridos. Rayanne tinha 10 anos de idade. Seu pai que também foi ferido ao tentar proteger a filha passou por cirurgia e sobreviveu. Segundo testemunhas, quarto homens armados com fuzis sairam de um carro preto e passaram a atirar contra o evento.

Ítalo Augusto Amorim (7 anos) brincava no portão da casa quando foi atingido na testa por um tiro. De acordo com testemunhas e da PM, homens em uma moto atacaram uma viatura. Em nota, a PMRJ afirmou que não revidou. O crime aconteceu em São João de Meriti, no dia 30 de junho.

Também no dia 30 de junho, Maria Alice de Freitas Neves de 4 anos de idade foi baleada durante uma festa de aniversário em Três Rios. Morreu dois dias após ter chegado ao hospital em estado gravíssimo. A morte da menina foi decorrência de um confronto entre facções que disputam o tráfico na região. Uma outra pessoa, de 20 anos, morreu, e mais seis ficaram feridas.

Lêonidas

Última morte por arma de fogo registrada antes do ocorrido com Rebecca e Emilly, Leônidas Augusto da Silva de Oliveira também foi abatido por um tiro na cabeça. Foi no dia 9 de outubro. O menino de 12 anos tinha o sonho de se formar advogado para tirar a família da favela. Estava com a avó em uma lanchonete de uma das avenidas mais movimentadas do Rio de Janeiro, a avenida Brasil. A fatalidade se deu ao meio de um tiroteio entre policiais e bandidos que se enfrentaram nas proximidades de Nova Holanda, na Maré.

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