JUSTIÇA

MPF quer condenação de executores de Bruno Pereira e Dom Phillips

Amarildo e Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva Lima estão presos e irão a júri popular por duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver
Da Redação / Publicado em 5 de junho de 2023

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

O jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram executados no dia 5 de junho de 2022

Foto: Redes Sociais/ Reprodução

Um ano após os assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, ocorrido no dia 5 de junho de 2022, na região do Vale do Javari (AM), o Ministério Público Federal (MPF) reafirmou em nota que segue atuando em três frentes com o propósito de garantir a condenação de todos os envolvidos no duplo homicídio.

Além da ação penal contra os executores confessos do crime, e que também respondem por ocultação de cadáver, foram apresentadas mais duas denúncias (uma delas já com condenação em primeira instância).

Além disso, estão em curso dois inquéritos: um é destinado a apurar se mais pessoas agiram para esconder os corpos das vítimas em área de difícil acesso no município de Atalaia do Norte, e o outro busca identificar possíveis mandantes das mortes.

Dada a complexidade do caso e as circunstâncias envolvidas, como as dificuldades de acesso ao local onde Bruno e Dom foram mortos, os procuradores da República que atuam nas apurações avaliam que o trabalho tem ocorrido de forma célere.

Eles destacam o cumprimento dos prazos processuais tanto na fase inicial das investigações – quando os corpos foram encontrados poucos dias após o desaparecimento – quanto nas etapas seguintes, com a denúncia dos executores menos de dois meses após os crimes, a prisão preventiva dos acusados dos homicídios, bem como as demais frentes de apuração de outros crimes relacionados ao fato (ocultação de cadáver, organização criminosa e apuração de mandante).

O MPF informa que começou a atuar tão logo foi informado do desaparecimento de Bruno e Dom, quando o caso ainda estava sob condução da Justiça Estadual.

Já a primeira denúncia foi apresentada no dia 22 de julho, contra Amarildo da Costa Oliveira, o Pelado, Oseney da Costa de Oliveira, Dos Santos e Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha. Os três seguem presos e são réus na Ação Penal 1000481-09.2022.4.01.3201 pelos crimes de duplo homicídio qualificado e ocultação de cadáver.

Atualmente, o processo está em fase de instrução. É nessa etapa que as testemunhas e os réus são ouvidos pela Justiça.

Os três acusados já foram interrogados, mas serão ouvidos novamente, uma vez que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) autorizou a oitiva de mais testemunhas e, segundo o Código de Processo Penal, os réus devem ser os últimos a falar na fase de instrução. Finalizada essa etapa, caberá à Justiça Federal decidir se os três irão à júri popular.

No MPF, cinco procuradores trabalham no caso: a procuradora da República titular em Tabatinga e quatro membros do Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri (GATJ).

Homenagens a Bruno Pereira e Dom Phillips

Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Homenagens a Bruno e Dom ocorreram no Rio de Janeiro (foto) e em mais cinco cidades

Foto: Tomaz Silva/ Agência Brasil

Nesta segunda-feira, 5, foram organizados em seis cidades brasileiras atos em memória do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips.

Os atos ocorrem no Rio de Janeiro, Brasília, Campinas, Belém, Salvador e Atalaia do Norte (AM). Também haverá manifestação em Londres, na Inglaterra.

No Rio de Janeiro, a mobilização ocorreu na Praia de Copacabana, na zona sul da cidade, e reuniu a viúva de Dom, Alessandra Sampaio, seus familiares e amigos do jornalista.

Alessandra Sampaio destacou que confia na Justiça brasileira para julgar os assassinos e mandantes do crime. Ela acredita que o julgamento seria um recado importante para as redes criminosas que atuam no Vale do Javari e em outras áreas da Amazônia. Ela também defendeu que é importante proteger as pessoas que vivem nesses territórios das organizações criminosas que atuam na Amazônia.

“Essa rede criminosa se aproveita da pobreza que existe na região, de uma falta de oportunidade de trabalho. Eles arregimentam pessoas para trabalhar no garimpo, para desmatar florestas. E quando a gente vai mudar isso? A gente vê isso desde sempre. Vai precisar morrer mais jornalista lá? Vai precisar morrer quantos indígenas? Quantos ativistas vão precisar ser mortos para se ter uma mudança real?”, cobrou Alessandra durante o ato, no Rio de Janeiro.

Vale do Javari Bruno Pereira e Dom Phillips

Fotos: Reproduções

Amarildo e Oseney da Costa de Oliveira e Jefferson da Silva Lima foram indiciados pelas execuções e ocultação dos corpos

Fotos: Reproduções

O líder indígena Beto Marubo, integrante da Organização Representativa dos Povos Indígenas da Terra do Vale do Javari (Univaja), também participou do ato no Rio de Janeiro.

Ele afirmou que, apesar da mudança de governo na esfera federal neste ano, nada mudou em relação à realidade daquela região.

“O governo brasileiro deve uma explicação para o mundo, e quais providências vão fazer a partir de agora. O que o Brasil vai fazer de fato? Não temos uma resposta oficial das autoridades ainda”, disse.

Segundo Marubo, durante a transição de governo foram apresentadas várias sugestões para melhorar a situação do Vale do Javari, mas até agora nenhuma dessas medidas foi adotada.

“O Estado brasileiro tem que ter responsabilidade e estar ciente de que uma ou duas instituições [sozinhas] não vão resolver o problema. Tem que ter uma atuação interagências, coordenada, com um planejamento técnico, em conjunto com Funai, Exército, Polícia Federal, Ibama e Força Nacional. Numa perspectiva de curto, médio e longo prazo”, defendeu.

Ele disse que as estruturas da Funai na região são muito precárias e a agência não tem hoje capacidade de enfrentar criminosos armados. “É preciso haver uma reestruturação dos equipamentos e infraestrutura na região. Não tem como enfrentar a situação no Vale do Javari com seu organograma totalmente desatualizado. É necessário regulamentar o poder de polícia da Funai. Como um órgão que detém a responsabilidade de proteger terras indígenas vai enfrentar pessoas armadas, por exemplo?”

Marubo também criticou a aprovação do Projeto de Lei do Marco Temporal para demarcação de terras indígenas (PL 490/07), pela Câmara dos Deputados.

“Esperamos que ela não venha a ser convalidada [pelo Senado], porque isso seria um retrocesso tremendo. É algo que vai afetar diretamente os povos indígenas isolados. Ela permite a usurpação das terras indígenas”, destacou.

Livro

Amigos e colegas jornalistas de Dom vão se reunir, a pedido de sua família, para concluir a livro do britânico. O projeto iniciou uma campanha de financiamento coletivo para levantar as 16 mil libras esterlinas (cerca de R$ 100 mil) necessárias para a conclusão do trabalho. Até a manhã desta segunda-feira, a campanha já tinha angariado cerca de 10,5 mil libras.

“Vamos imediatamente começar a enviar repórteres para sete locais remotos da bacia amazônica, que é 28 vezes maior que o Reino Unido. A maioria dos lugares onde precisar chegar só são acessíveis por barco, trilhas a pé que levam dias no meio da floresta ou pegando carona em um helicóptero”, informa o texto que anuncia a campanha.

“Os destruidores da Amazônia continuam extremamente poderosos e precisam ser responsabilizados por seus crimes”, alerta o documento.

Casos relacionados

Além dos homicídios e da ocultação dos corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips, o MPF apurou a existência de associação criminosa para a prática de pesca ilegal na Terra Indígena Vale do Javari.

O trabalho foi feito de forma paralela e resultou em uma denúncia contra dez pessoas. Apresentada em setembro de 2022, a ação já foi recebida pela Justiça Federal. Com isso, os envolvidos, entre eles, Amarildo da Costa Oliveira e Rubens Villar Coelho, o Colômbia, aguardam julgamento na Ação Penal 1001000-81.2022.4.01.3201.

Outro resultado decorrente da atuação do MPF foi uma denúncia contra Colômbia por uso de documento falso. Nesse caso, a ação foi apresentada em julho de 2022 e a sentença, que condenou o acusado a dois anos de reclusão e 90 dias-multa, foi proferida em dezembro.

Ao longo de todo o processo, o MPF acompanhou e registrou os casos de ameaças contra lideranças indígenas, buscando a inclusão das pessoas em programas de proteção a testemunhas quando havia interesse.

O MPF instaurou procedimento para apurar a questão da segurança pública no Alto Solimões e região do Vale do Javari (AM), de modo a possibilitar maior efetividade no trabalho das forças de segurança.

Vários ofícios foram expedidos e reuniões, realizadas – inclusive em Brasília – para tratar da ampliação da presença estatal na região.

Atuação na PGR

“Em Brasília, a atuação do MPF para garantir a elucidação dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips começou, de forma articulada, assim que o desaparecimento dos dois foi registrado”, destaca o comunicado.

Acionado pela Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR), o procurador-geral, Augusto Aras, requisitou a órgãos como os Ministérios da Justiça e da Defesa providências para o envio de reforço para as buscas e proteção para lideranças locais.

Em 19 de junho, quando as investigações do caso estavam em fase inicial, uma comitiva do MPF se deslocou até Tabatinga onde participou de uma série de reuniões com representantes do próprio MPF, do Ministério Público Estadual, do Exército, da Marinha, da Funai e de forças policiais, além de autoridades e lideranças locais.

Juntamente com Aras, estiveram no Vale do Javari os coordenadores das Câmaras de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR) e Criminal (2CCR), os subprocuradores-gerais Eliana Torelly e Carlos Frederico, respectivamente.

Também integraram o grupo o procurador federal dos Direitos do Cidadão, Carlos Alberto Vilhena, e o chefe do Gabinete do PGR, Darlan Dias.

Nos meses que se seguiram ao caso, houve mobilização das duas Câmaras de Coordenação e Revisão (2ª e 6ª) tanto no acompanhamento e apoio do trabalho realizado em primeira instância quanto na articulação junto a autoridades locais, regionais e nacionais para ampliar a segurança da comunidade e reforçar a estrutura dos órgãos de fiscalização como a Funai.

Além disso, os assassinatos reforçaram a adoção de providências, pelo PGR, para ampliar a presença do Ministério Público na região Norte do país, o que incluiu o aumento no número de ofícios do MPF, instituição de Procuradorias Militares, e aquisição de aeronaves e de embarcações.

Caso Bruno e Dom – Atuação do MPF

5 de junho de 2022 – O indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips são dados como desaparecidos no Vale do Javari (AM)

6 de junho de 2022 – MPF em Tabatinga (AM) entra em contato com Polícia Federal, Marinha e outros órgãos para mobilizar efetivos para as buscas

6 de junho 2022 – MPF instaura notícia de fato para acompanhar o caso, pede instauração de inquérito policial e envia ofício a plataformas para obter informações sobre os últimos acessos de Bruno e Dom às redes sociais, como forma de ajudar nas buscas

8 de junho de 2022 – É preso o primeiro suspeito de envolvimento no crime, Amarildo da Costa Pereira, conhecido como “Pelado”

8 de junho de 2022 – MPF passa a fazer reuniões diárias com Marinha, Exército, Polícia Federal, Bombeiros e outros órgãos para acompanhar o trabalho e prestar contas dos resultados das buscas do dia

12 de junho de 2022 – Equipes encontram pertences de Bruno e Dom na floresta; MPF acompanha in loco a coleta do material

15 de junho de 2022 – Os restos mortais do indigenista e do jornalista são localizados

15 de junho de 2022 – MPF acompanha todas as medidas processuais (busca e apreensão) solicitadas pelo MP Estadual à Justiça, uma vez que, naquela ocasião, o caso ainda tramitava na esfera estadual

15 de junho de 2022 – Justiça determina a prisão do segundo suspeito de envolvimento no caso: Oseney da Costa de Oliveira (“Dos Santos”)

18 de junho de 2022 – Terceiro suspeito – Jeferson da Silva Lima, conhecido como “Pelado da Dinha” – se entrega e é preso

19 de junho de 2022 – PGR e coordenadores das Câmaras Criminal e de Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais visitam Tabatinga, onde participam de reuniões e acompanham o trabalho de apuração dos crimes

21 de junho de 2022 – PGR envia ofícios a ministros e ao governador do Amazonas pedindo mais segurança no Vale do Javari (AM)

8 de julho de 2022 – Caso é transferido para a Justiça Federal já que o crime tem relação com o trabalho de Bruno Pereira na defesa dos povos indígenas

14 de julho de 2022 – Por determinação do PGR, quatro procuradores do Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri do MPF passam a atuar em conjunto com a procuradora da República responsável pelo caso

21 de julho de 2022 – MPF denuncia três pessoas pelos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips, menos de dois meses depois dos crimes

22 de julho de 2022 – Justiça Federal recebe a denúncia do MPF, instaurando ação penal contra as três pessoas apontadas como executoras dos crimes

29 de setembro de 2022 – MPF oferece denúncia em processo que apura associação criminosa no caso da pesca predatória no Vale do Javari (AM) contra Colômbia, um dos suspeitos de envolvimento nos crimes, e outras pessoas

12 de dezembro de 2022 – Colômbia é condenado por uso de documento falso, em desdobramento das investigações do caso Bruno e Dom

20 março de 2023 – Início da instrução processual da ação penal contra os supostos executores dos crimes, com realização de audiências

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