JUSTIÇA

Moraes forma maioria para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Ao defender a diferenciação do tratamento para traficantes e usuários, ministro lembrou que a polícia já faz o recorte nos flagrantes, por etnia, renda ou local da prisão
Por Gilson Camargo / Publicado em 4 de agosto de 2023
Moraes forma maioria para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Foto: Carlos Humberto/ SCO/STF/ Arquivo

Julgamento do Recurso Especial que questiona a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que deixou de punir com prisão o porte de maconha para consumo próprio, mas não define regras

Foto: Carlos Humberto/ SCO/STF/ Arquivo

O julgamento de Recurso Extraordinário com repercussão geral sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo próprio no país, no Supremo Tribunal Federal (STF), foi suspenso mais uma vez na noite de quarta-feira, 2.

Até agora quatro ministros do STF votaram a favor de algum tipo de descriminalização da posse de pequenas quantidades de drogas por usuários.

O último a votar foi Alexandre de Moraes, que propôs a fixação de um critério nacional, exclusivamente em relação à maconha, para diferenciar usuários de traficantes. A proposta exclui outras drogas.

Ele foi o quarto a votar favoravelmente para que o porte de maconha seja descriminalizado no país. Após a manifestação de Moraes, o julgamento foi adiado, sem previsão de voltar à pauta. O caso está em julgamento na Segunda Turma do STF, composta por cinco ministros, dos quais quatro votaram a favor da descriminalização. O voto que falta é do presidente da Segunda Turma, André Mendonça, que deve ser voto isolado.

Repercussão geral

O Recurso Especial (RE) 635659, com repercussão geral (Tema 506), que está em julgamento no Supremo tem origem em um processo aberto em 2011 e trata de um homem preso em flagrante com três gramas de maconha e condenado a dois meses de serviços comunitários.

A Defensoria Pública de São Paulo recorreu em nome do preso e o caso foi parar no STF.

Essa é uma ação de repercussão geral, isto é, a decisão dos ministros será aplicada nos julgamentos de casos semelhantes pelo judiciário em todo o país.

Os ministros do STF irão decidir se a criminalização do porte de pequenas quantidades de drogas previsto no artigo 28 da Lei de Drogas, de 2006, é constitucional ou não e estabelecer os critérios objetivos para a aplicação da lei.

Recortes socioeconômicos

Moraes forma maioria para descriminalizar porte de maconha para uso pessoal

Foto: Nelson JR/ SCO/STF/ Arquivo

Moraes: “O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”

Foto: Nelson JR/ SCO/STF/ Arquivo

Moraes afirmou que o artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) deixou de punir com prisão o porte de drogas “para consumo próprio”, mas não define critérios objetivos para diferenciar consumo próprio de tráfico.

Essa definição fica a cargo do sistema de persecução penal, ou seja, a polícia, o Ministério Público e o Judiciário), que interpretam a norma de formas diversas.

Dessa forma, o porte de pequena quantidade de entorpecentes passou, em muitos casos, a ser qualificado como tráfico, tornando a punição mais dura e aumentando significativamente o número de presos por tráfico, ressaltou.

Além disso, frisou Moraes, pessoas presas com a mesma quantidade de droga e em circunstâncias semelhantes podem ser consideradas usuárias ou traficantes, dependendo da etnia, de nível de instrução, renda, idade ou de onde ocorrer o fato.

Para o ministro, essa distorção decorre do excesso de discricionariedade para diferenciar usuários de traficantes.

Em respeito ao princípio da isonomia, ele destacou a necessidade de que os flagrantes de drogas sejam tratados de forma idêntica em todo o país.

“O STF tem o dever de exigir que a lei seja aplicada identicamente a todos, independentemente de etnia, classe social, renda ou idade”, afirmou.

Critérios objetivos

Ele propôs que sejam presumidas como usuárias as pessoas flagradas com 25g a 60g de maconha ou que tenham seis plantas fêmeas.

Moraes disse que chegou a esses parâmetros a partir de levantamento que realizou sobre o volume médio de apreensão de drogas no estado de São Paulo, entre 2006 e 2017.

O estudo foi realizado em conjunto com a Associação Brasileira de Jurimetria e abrangeu mais de 1,2 milhão de ocorrências com drogas.

De acordo com o ministro, a autoridade policial não ficaria impedida de realizar a prisão em flagrante por tráfico quando a quantidade de maconha for inferior ao limite.

Entretanto, disse que é necessário comprovar a presença de outros critérios caracterizadores do tráfico, como a forma de acondicionamento da droga, a diversidade de entorpecentes e a apreensão de instrumentos e celulares com contatos, por exemplo.

Moraes argumentou que descriminalizar o uso da maconha “traz um risco muito menor” do que outras drogas. Ele afirma que essa diferença ficou comprovada em experiências de outros países que já mudaram suas leis.

Da mesma forma, nas prisões em flagrante por quantidades superiores, o juiz, na audiência de custódia, deverá dar ao preso a possibilidade de comprovar que é usuário.

“Nós estamos analisando aqui a maconha, que é uma droga mais leve que as demais drogas. Isso, cientificamente comprovado. E a quantidade, essa é a análise que há necessidade de se fazer”, disse.

Votar, mas não julgar agora

Gilmar Mendes, relator do RE 635659, caso pediu o adiamento do julgamento para construir uma solução consensual, diante do surgimento de novos argumentos e da mudança das circunstâncias desde 2015 – última vez que o caso foi a plenário na Corte. Na ocasião, o julgamento foi adiado após um pedido de vista de Moraes.

Em 2015, o ministro relator apresentou seu voto e também defendeu que nas prisões em flagrante por quantidades superiores, o juiz, na audiência de custódia, deverá dar ao preso a possibilidade de comprovar que é usuário.

Mendes, que havia votado para descriminalizar todas as drogas para uso próprio, decidiu suspender o julgamento.

Além de Moraes e Mendes, outros dois ministros já votaram pela descriminalização.

Luís Roberto Barroso propôs a descriminalização exclusivamente em relação à maconha, do porte de até 25 gramas ou a plantação de até seis plantas fêmeas para diferenciar consumo de tráfico, até que o Congresso edite lei sobre o tema.

Já o ministro Edson Fachin considera a regra inconstitucional exclusivamente em relação à maconha, mas entende que os parâmetros para diferenciar traficantes de usuários devem ser fixados pelo Congresso Nacional.

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