MOVIMENTO

Uber nega reajuste. Cabify pede mais prazo para avaliar indenização a motoristas

Negociação mediada pela Justiça do Trabalho entre empresas e condutores do transporte por aplicativos termina sem acordo em Porto Alegre
Por Gilson Camargo / Publicado em 18 de maio de 2021
Motoristas realizaram carreata antes das audiências medidas pelo TRT4

Foto: Igor Sperotto

Motoristas realizaram carreata antes das audiências medidas pelo TRT4

Foto: Igor Sperotto

O Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4), realizou na manhã desta terça-feira, 18, em Porto Alegre, a segunda rodada de audiências do processo de Mediação entre o Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Estado do Rio Grande do Sul (Simtrapli-RS) e as principais empresas-plataformas digitais do setor. Iniciada em 23 de março, a Mediação foi separada por empresas. Foram duas audiências nesta manhã, com representantes da Cabify, às 9h, e com a Uber, às 10h30min, ambas sessões coordenadas pelo Juiz Joe Deszuta, da 7ª Turma Julgadora e na Seção de Dissídios Coletivos do TRT-4.

No início da manhã, motoristas do transporte por aplicativos realizaram uma carreata partindo de diversos pontos da capital em direção à sede do TRT4. Os veículos ostentavam as principais reivindicações dos motoristas: fim das promoções e reajuste do valor pago por quilômetro aos profissionais, que está congelado há seis anos.

Os trabalhadores alegam que são obrigados a jornadas de trabalho extensas para alcançar uma remuneração às vezes inferior ao salário mínimo.

Indenização da Cabify

Negociações foram separadas por empresas pela Justiça do Trabalho

Foto: Igor Sperotto

Negociações foram separadas por empresas pela Justiça do Trabalho

Foto: Igor Sperotto

Na audiência com a Cabify, o Simtrapli esclareceu que alterava o objeto da negociação, em face da circunstância anunciada pela empresa de cessar suas operações no Brasil no próximo dia 14 de junho. A entidade buscava inicialmente o reajuste na tarifa dos serviços prestados pelos motoristas, mas optou por colocar em pauta o pagamento de alguma indenização ou compensação por parte da Cabify para os trabalhadores devido ao encerramento dos serviços da plataforma espanhola no Brasil.

Deszuta esclareceu que no processo de mediação não seria debatida a a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho ou a natureza jurídica dos serviços prestados, mas explicou que os conselhos nacionais de Justiça (CNJ) e de Justiça do Trabalho (CNJT) concedem à Justiça do Trabalho a função de mediar os conflitos sociais de massa, buscando exatamente prevenir os recursos judiciais.

O Simtrapli-RS propôs que a Cabify pague uma indenização/compensação aos motoristas cadastrados em Porto Alegre, como previsto na Lei 4886/65 (Lei do Representante Comercial Autônomo) que em seu artigo 27 prevê o pagamento, por ocasião da rescisão do contrato, de valor não inferior a “1/12 (um doze avos) do total da retribuição auferida” durante o tempo em que prestou serviços.

A representação da empresa pediu tempo para consultar sua direção e foi designada nova audiência para a continuidade das negociações no dia 8 de junho.

Uber nega reajuste

Condutores querem 42% de reajuste. Uber alega que valores são regulados pelo mercado

Foto: Igor Sperotto

Condutores querem 42% de reajuste. Uber alega que valores são regulados pelo mercado

Foto: Igor Sperotto

Na audiência seguinte, os representantes da Uber rejeitaram a proposta de reajuste do valor pago aos motoristas por viagem, alegando que não se trata de remuneração, que há uma sociedade entre a empresa e o motorista, que ambos ganham ou perdem por igual, “estando no mesmo lado do barco” e a queda do movimento impede qualquer reajuste de um preço que deve ser gerido pelo mercado”.

No início do processo de mediação, o Simptrapli-RS protocolou junto ao TRT4 um pedido de reajuste de 42% na remuneração básica do serviço.

O sindicato reafirmou na audiência que o contrato vigente entre as partes é “absolutamente desequilibrado”. De acordo com o advogado da entidade, Antônio Escosteguy Castro, “a Uber decide os valores unilateralmente, tem reduzido sistematicamente, desde 2016, o valor repassado aos motoristas e que o fracasso das negociações levaria a uma guerra judicial, na qual o Sindicato seria obrigado a buscar, com perícias e estudos técnicos, a comprovação desse desequilíbrio, o que pioraria o ambiente de trabalho na plataforma e a relação desta com a sociedade”.

O juiz que presidiu a sessão fez um apelo à continuidade das negociações. Joe Deszuta sugeriu que a representação da empresa consultasse sua direção sob a possibilidade de atender, ainda que em parte, o pleito dos motoristas, “para evitar o acirramento de um conflito que já está visível na sociedade”. A Uber solicitou prazo de 20 dias para dar uma resposta. A mediação foi encerrada.

“O Simtrapli-RS continuará mobilizando os motoristas para que suas reivindicações sejam aceitas e dará continuidade ao processo de negociação com as empresas plataformas do setor”, afirmou Castro.

Proteção sem vínculo

Fontana: “O aviltamento desse trabalho está levando pessoas que trabalham às vezes, dez, 12 horas por dia, 30 dias por mês, a ganhar um salário mínimo, num nível inaceitável de precarização do trabalho”

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Fontana: “O aviltamento desse trabalho está levando pessoas que trabalham às vezes, dez, 12 horas por dia, 30 dias por mês, a ganhar um salário mínimo, num nível inaceitável de precarização do trabalho”

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Um projeto do deputado Henrique Fontana (PT-RS) que aguarda parecer na comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (Cdeics) da Câmara dos Deputados, propõe regras contratuais mínimas para os condutores e entregadores de mercadorias, com garantia de proteção social e inclusão na Previdência Social, mas sem vínculo trabalhista. “A maioria desses profissionais não quer um contrato idêntico à CLT, porque eles têm muitas vezes múltiplos empregadores, se ligam a diversas plataformas”, defende Fontana.

CLT e salário mínimo

Randolfe: “É importante incluirmos na legislação direitos aos motoristas de aplicativos, como salário mínimo e férias, além do descanso semanal remunerado”

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Randolfe: “É importante incluirmos na legislação direitos aos motoristas de aplicativos, como salário mínimo e férias, além do descanso semanal remunerado”

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Já no Senado, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) apresentou o projeto (PL 974/2021) que concede direitos trabalhistas para motoristas de aplicativos, inclusive aos que fazem entregas por bicicleta ou outros meios de transporte – e remuneração fixa com base no salário mínimo nacional.

O projeto inclui na CLT que esses profissionais passarão a ter direito a salário mínimo por hora; férias anuais remuneradas de 30 dias, com valor calculado com base na média da remuneração mensal dos últimos 12 meses acrescida de, ao menos, um terço do valor da média; além de descanso semanal remunerado, com valor calculado com base na média da remuneração dos 6 dias anteriores.

Essas garantias não impedem a ampliação de direitos para setores específicos, com base em acordos ou convenções coletivas e não afeta outros direitos ou benefícios assegurados na CLT ou legislações correlatas.

“Não estamos mais no tempo de dizer que eles são escravos, mas sim de dizer que são cidadãos. Esta é a frase dita por Francesco Greco, procurador-chefe de Milão, na luta para garantir direitos básicos aos entregadores de aplicativo naquela cidade italiana. É o mesmo pensamento que tenho. É importante incluirmos na legislação direitos aos motoristas de aplicativos, como salário mínimo e férias, além do descanso semanal remunerado. Este entendimento nos levará a um novo patamar de proteção destes trabalhadores, que vem sofrendo diuturnamente pelo desrespeito das empresas que os contratam”, argumenta o senador.

Segundo ele, recentemente o Reino Unido determinou que os motoristas da Uber têm direito a salário mínimo e férias remuneradas, no mínimo, a serem calculadas do momento em que o motorista logar no aplicativo. E na cidade de Nova York (EUA), desde 2018, vigora uma lei determinando o pagamento de salário mínimo por hora a motoristas de aplicativos.

 

DEPOIMENTO

“Somos reféns de empresas estrangeiras que exploram e marginalizam”

O administrador de empresas e biomédico Marco Aurélio trabalha com as plataformas desde 2015: "viramos escravos do sistema"

Foto: Igor Sperotto

O administrador de empresas e biomédico Marco Aurélio trabalha com as plataformas desde 2015: “viramos escravos do sistema”

Foto: Igor Sperotto

Marco Aurélio Arruee, 58 anos, graduado em Administração pela  Ufrgs e em Biomedicina na UniRitter, relata neste depoimento ao Extra Classe que trabalha como motorista de aplicativos desde 2015. Ele conta que, descontado o aluguel do veículo e o custo dos combustíveis, a sua jornada de trabalho de até 18 horas por dia não rende mais do que 3,2 mil por mês, em uma rotina de medo de assaltos e exposição ao contágio por covid-19. “Nos tornamos escravos desse sistema”, desabafa.

Jornada

“Faço 99 pop e Uber, trabalho em média de 12 a 18 horas por dia com veículo alugado. Pago em média R$ 500,00 por semana de aluguel e faço em torno de R$ 1.600,00 por semana. Gasto em torno de R$ 700,00 com combustível. Sobram na semana de R$ 300,00 a R$ 400,00”.

Refém

“Sou um refém do sistema. Quando entrei nas plataformas, a realidade era outra. Com a alta descomunal dos combustíveis estamos passando por apuros, nos tornamos escravos. Nos tornamos reféns de empresas estrangeiras que estão aqui em nosso país sem pagar nenhum tipo de imposto, levando tudo que exploram aqui para fora do país. Exploram e marginalizam o trabalhador brasileiro”.

Metas

“Estou desde as quatro da manhã na rua e ainda não alcancei minha meta. Uma corrida que dava até R$ 220,00 até Gramado, hoje me deu o valor bruto de R$ 170,00, sendo que depois de descontar porcentagem da plataforma sobram em torno de R$ 130,00”.

Reajuste

“Estamos lutando agora por reajuste de 42%, que correspondem à média dos índices de inflação e o reajuste dos combustíveis; pelo fim do Uber Prime (promoção da Uber que concede descontos de até 40% na tarifa aos usuários) e do 99 Poupa, dispositivo de descontos que penaliza ainda mais o motorista de app”.

Punições

“Também somos penalizados e, às vezes, até excluídos da plataforma ou suspensos por horas ou dias sem ter algum direito de defesa, pois recebemos avaliações de passageiros mal-intencionados, querendo com suas reclamações obter descontos da plataforma”.

Insegurança

“Também acho que os passageiros deveriam ser cadastrados, assim como nós somos, para maior segurança. Já fui assaltado duas vezes durante corridas pela plataforma. Agora, com a pandemia, somos alvos fáceis ou de assaltos ou de contrair a covid-19, pois estamos em contato direto com o vírus, não sabemos quem estamos transportando sem vacinas”.

Formação

“Tenho nível superior completo, sou graduado em Administração pública pela Ufrgs e Biomedicina pela UniRitter, mas impossibilitado de exercer graças ao nosso presidente ter cortado todas as verbas na área da pesquisa, assim como em vários outros setores”.

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