MOVIMENTO

Procurador do MPF aponta ilegalidades da Frente Parlamentar Contra Doutrinação

Em reunião da Comissão de Educação da ALRS, procurador do MPF e Frente pela Liberdade de Ensinar e Aprender questionam legalidade da atuação de deputados que instigam censura a professores
Por César Fraga / Publicado em 5 de março de 2024

Procurador do MPF aponta ilegalidades de frente parlamentar contra doutrinação

Foto: Lucas Kloss/ALRS

Foto: Lucas Kloss/ALRS

A Frente pela Liberdade de Ensinar e Aprender solicitou formalmente à Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) durante reunião ordinária na manhã desta terça-feira, 5 de março, providências contra a atuação, formação e criação na ALRS de uma frente parlamentar cujo propósito é incentivar o cerceamento, a intimidação e a vigilância de professores.

A Frente Parlamentar contra Doutrinação Ideológica no Ensino foi lançada no dia 27 de novembro do ano passado e segue os mesmos moldes, ideário e práticas do movimento Escola Sem Partido. O proponente da Frente é o deputado Capitão Martim (Republicanos). Trata-se de uma iniciativa estadual que repete no RS uma articulação nacional encabeçada pelo deputado federal Luciano Zucco (PL), na Câmara Federal.

A audiência foi coordenada pela presidente da Comissão, deputada estadual Sofia Cavedon (PT). O tema foi tratado na parte da audiência destinada a Assuntos Gerais em que participaram como convidados, a representante da Frente pela Liberdade de Aprender e Ensinar, professora Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado (Sinpro/RS); o procurador regional do Ministério Público Federal (MPF) no RS, Enrico Rodrigues de Freitas; Cristiane Johan, da Rede Brasileira de Educação e Direitos Humanos e coordenadora de Direitos em Educação da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (Adpergs); e Júlio Sá, presidente da Associação de Pais e Mães pela Democracia (AMPD).

Constrangimento a professores

“Nos dois últimos anos, vários professores e professoras passaram por acusações infundadas sobre a forma de trabalhar. Quando não o conteúdo, a forma. Qualquer explicação ou interpretação que não seja exatamente aquela que alguns segmentos acreditam, transformam-se em motivo para desabono e tentativa de exclusão dos professores e professoras das instituições de ensino”, relatou Cecília Farias.

Ela explica que no caso das escolas privadas, os profissionais são, muitas vezes, imediatamente demitidos, antes mesmo de uma análise mais detalhada do acontecimento.

“No momento da conclusão de que este profissional estava legitimamente exercendo seu trabalho, ele já está abalado psicologicamente com a imagem profissional atingida”, analisa Cecília.

Conforme a professora, desde a disputa eleitoral de 2018, tem se observado na sociedade brasileira uma “deplorável divisão”, e na educação não é diferente. “Posições políticas extremas tentam, inclusive, interferir nas escolas”, constatou.

A representante da Frente pela Liberdade de Aprender e Ensinar destacou que entidades de professores e estudantes estão muito preocupados com a intromissão nas escolas.

“No dia a dia vêm se intensificando ações para intimidar e censurar professores no exercício da docência com acusações de abordagem de temas supostamente ideológicos. A imagem dos professores é destruída sem qualquer indício da chamada doutrinação. Estamos assistindo iniciativas que tentam, além de interferir no processo educacional, criar mecanismos de censura e representação que são claramente ilegais”, argumentou Cecília.

Procurador vê ilegalidades e discurso de ódio

Procurador do MPF aponta ilegalidades da Frente Parlamentar Contra Doutrinação

Procurador do MPF aponta ilegalidades da Frente Parlamentar Contra Doutrinação

Enrico Rodrigues de Freitas, procurador regional do Ministério Público Federal (MPF) no RS

Procurador do MPF aponta ilegalidades da Frente Parlamentar Contra Doutrinação

O procurador federal Enrico Rodrigues de Freitas, que também representa o Fórum de Combate à Intolerância e ao Discurso de Ódio da Procuradoria dos Direitos do Cidadão do MPF, mencionou Artigos Constitucionais e o Estatuto da Criança e Adolescentes (ECA) para falar sobre a liberdade de ensinar e, especialmente, de aprender.

Ele citou acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF), desaprovando lei municipal específica sobre “escola sem partido”, para explicar que, ao contrário de algumas posições, é uma obrigação do Estado promover o debate sobre o racismo e liberdade sexual, por exemplo.

O procurador atestou que mecanismos como gravação de professores e canais de denúncias como os propagandeados pela Frente Parlamentar conta Doutrinação são completamente ilegais.

“Essa é a conclusão que a gente chega sobre qualquer ponto de vista jurídico ou legal. Mas então, por que estes mecanismos são criados? Porque eles têm uma função de criar assédio aos professores. E mais que uma censura, faz com que os professores se autocensurem e os estudantes silenciem sob o risco de serem expostos publicamente”, salientou.

Enrico disse ao Extra Classe que está em fase de elaboração, pelo Fórum de Combate ao discurso de ódio, uma Cartilha dos Direitos na Educação, que explique de forma pedagógica os fundamentos legais, direitos e liberdades de professores, estudantes e escola e os limites a este tipo de iniciativa cerceadora da liberdade de ensinar e aprender.

No âmbito do MPF, sobre as representação da Frente pela Liberdade de Ensinar e Aprender em relação a iniciativa dos parlamentares, o encaminhamento ainda está sob análise do Ministério Público para avaliar as medidas que podem ser tomadas.

Já a defensora pública Cristiane Johan, reforçou que existe um trabalho da Associação dos Defensores Públicos do Estado em oferecer assistência a docentes vítimas de intimidação e discurso de ódio e de cerceamento de sua liberdade de ensinar.

A doutrinação (dos outros)

“A cretinice desta frente parlamentar que se diz contra a doutrinação é o que eles entendem por doutrinação. Ora, somos todos contra doutrinação. É o velho escola sem partido, mas o partido dos outros.  Só pode o partido deles, a ideologia deles e a doutrinação deles”, sublinha Júlio Sá, presidente da AMPD.

“Nós achamos muito importante a criação da Frente pela Liberdade de Ensinar e Aprender, porque temos visto na sociedade uma reação da extrema direita querendo cercear a liberdade dos professores, fomentando gravações, medidas de intimidação, para combater uma pseudodoutrinação. Na verdade, o que estes parlamentares e estas pessoas que se dizem defensoras das liberdades querem é justamente o contrário. Elas querem o pensamento único e é isso que nós temos de combater. Nossa expectativa é que a Comissão de Educação leve isso à mesa diretora da Casa para que esta frente seja dissolvida, porque ela presta um desserviço à sociedade. Também aguardamos que nossa representação no Ministério Público Federal seja avaliada e sejam tomadas medidas jurídicas para coibir esse ripo de iniciativa”, conclui Sá.

Durante o debate, também se manifestaram o deputado estadual Leonel Radde (PT) e representantes de diversas entidades gaúchas contra a censura e assédio moral e profissional de professores, como Luiz Osmar Mendes, do Sindjus; Cristiane Johann, da Rede Brasileira de Educação e Direitos Humanos; Manu Mantovani, assessora parlamentar; Glória Bittencourt e Rodrigo Perla, do Sinpro/RS; Pérola Sampaio, do Movimento Negro Unificado; e Rosele de Souza, da Atempa.

Futuros encaminhamentos

Ao final do encontro, a presidente da Comissão, Sofia Cavedon, garantiu aos presentes o encaminhamento de uma agenda na ALRS para tratar institucionalmente do caso junto à presidência da Casa.

“Devemos protocolar o pedido junto à presidência da Assembleia em reunião específica com o presidente Adolfo Brito (PP) e encaminhar cópia ao representante da Frente. Por princípio, a pluralidade de frentes parlamentares é bem-vinda, mas será que esta frente em específico não incorre em violência contra professores e ilegalidades? O que precisamos é ver as bases legais para cessar essa organização e este estímulo a pessoas que são estranhas ao ambiente escolar para constranger e atacar professores. Eu ouvi os áudios e é disso que se trata. Precisamos ser duros e firmes para que a presidência encaminhe à procuradoria da Casa”, defende Cavedon.

Frente pela liberdade

A Frente pela Liberdade de Ensinar e Aprender é formada pelo Sinpro/RS, AMPD, Sindicato Intermunicipal de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior do Rio Grande do Sul (Adufrgs Sindical), Associação dos Professores e Funcionários Civis Do Colégio Militar De Porto Alegre (Aprofcmpa), Centro dos Professores do Estado Do Rio Grande Do Sul (Cpers Sindicato), Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras em Educação do Município De Porto Alegre (Atempa), Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa);  Associação dos Orientadores Educacionais do Rio Grande Do Sul (Aoergs), Associação dos Servidores de Educação do Estado Do Rio Grande Do Sul (Assers), Central Única Dos Trabalhadores (CUT/RS), Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande Do Sul (Ufrgs), União Estadual Dos Estudantes (UEE).

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