OPINIÃO

É a ignorância, estúpido

Por Moisés Mendes / Publicado em 18 de julho de 2019

Foto: Marcos Corrêa/PR

Foto: Marcos Corrêa/PR

A Alemanha que abraçou Hitler e o transformou em Führer em 1934 não agiu por ideologia. Foi empurrada pelo desespero, pelo desalento e pelo medo. Assim como o Brasil que abraçou e acolheu Bolsonaro agiu pela combinação de reacionarismo exacerbado, antipetismo, ódio de classe e desinformação.

Mas o Brasil que sustenta o bolsonarismo é basicamente o país em que florescem as ignorâncias, as velhas, as novas, as renovadas. O brasileiro alienado e manietado pelos que chegaram ao poder se submete à destruição dos próprios interesses porque não entende o que se passa e tem preguiça para tentar compreender.

A direita descobriu que é fácil arregimentar pelo menos um terço do país, a partir do lastro político que a sustenta (brancos da classe média alta, classe média tradicional, bem formados, bem empregados ou empreendedores) e que trocou boa parte do tucanismo pelo bolsonarismo.

Esse seria o lastro aparentemente ideológico, mas movido muito mais por oportunismo do que por ideologia, que representaria um núcleo de 18% da população e é engrossado pela classe média baixa e boa parcela da pobreza atraídos para o embate antipetista e antissistema. Tudo que as esquerdas considerarem ruim para o país, esse contingente irá considerar bom.

O que move o lastro “pobre” não-ideológico para o discurso do ódio, da discriminação, da destruição do meio ambiente e da educação, da criminalização dos movimentos sociais, da depreciação de negros e índios (e também das mulheres) é a adesão pela ignorância.

As esquerdas lidam mal com essa realidade. Porque durante mais de uma década a esquerda no poder foi incapaz de compreender o reacionarismo que latejava, por desinformação, mesmo nas chamadas classes populares. Admitir essas ignorâncias seria sucumbir à admissão do próprio fracasso. E as esquerdas fracassaram.

Um terço dos brasileiros não sabe nada do que possa ser o vazamento de conversas sobre a Lava-Jato. Não é chute, é pesquisa do DataFolha. Não significa dizer que não sabem direito o que é a Vaza-Jato. Não sabem nada, nem suspeitam o que possa ser.
Para 7% dos brasileiros, a Terra é plana. São 11 milhões de pessoas que pensam assim, e maioria não sabe que existe o filósofo terraplanista Olavo de Carvalho.

Um em cada quatro brasileiros está certo que os americanos mentiram, porque o homem nunca foi à Lua. No início de julho, o mesmo DataFolha concluiu que os brasileiros temem mais o aumento da inflação do que o aumento do desemprego. Mas o Brasil mantém a inflação sob controle há pelo menos duas décadas e meia.

Jovens ao redor dos 30 anos não sabem o que é inflação. Mas esses mesmos jovens sabem o que é a desgraça da falta de oportunidade de emprego para a geração deles. Que desconexão é essa que faz com que temam o que não existe e desprezem o que os afasta da possibilidade de trabalhar?

O brasileiro não acredita que Bolsonaro domine o debate sobre a moeda única do Mercosul, a globalização, a guerra comercial Estados Unidos-China, a educação pública, a pesquisa da Embrapa, a base de foguetes de Alcântara, o pré-sal, o aquecimento global, o déficit público. Mas finge acreditar que Bolsonaro sabe disso tudo, porque ele mesmo, o brasileiro, sabe que não sabe de nada.

É por isso que quase todas as autoridades do governo falam por metáforas e analogias rasas. O presidente e os ministros comparam qualquer relação com casamento, namoro, com briga entre marido e mulher. O rebaixamento é geral.

A despolitização, a troca do debate pelos ataques, a gritaria que ninguém ouve, o silêncio dos ditos “liberais” e a omissão de parcela importante dos servidores públicos criaram o ambiente para a prosperidade do bolsonarismo também dentro do Estado.

Em 1992, James Carville, estrategista de Bill Clinton, cunhou a frase mais repetida do final do século 20, quando avisou que um aspecto era determinante para que o democrata ganhasse a eleição, mais do que qualquer outro: a expectativa de bem-estar das pessoas, com produção, emprego, perspectiva de vida. A frase que resume isso tudo vale para sempre: “É a economia, estúpido”.

Pois Bolsonaro destrói a economia, a educação, a saúde pública (agora com a suspensão da produção de remédios gratuitos para doentes crônicos). E ainda detém um terço de apoio da população.

Se morasse no Brasil e tentasse entender a resignação e a alienação diante do poder destruidor do bolsonarismo, James Carville talvez pudesse dizer: “É a ignorância, estúpido”.

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