OPINIÃO

Homem-uber não é übermensch

Presenciamos um século 21 que lembra as exaustivas jornadas de trabalho do começo da Revolução Industrial nos séculos 18 e 19
Os Editores / Publicado em 17 de março de 2020

Vivemos num mundo em que as relações de trabalho são cada vez mais frágeis e destituídas de vínculos. Que transformou-se em um mundo em que uma pessoa precisa trabalhar até 16 horas por dia, em muitos casos. Um mundo em que donos de frotas com mais de cem veículos podem subcontratar motoristas sob a alegação amparada na Reforma Trabalhista de que está alugando o carro para “empreendedores” autônomos e freelancers. Um mundo que já foi retratado como distopia em histórias de ficção científica escritas no pós-guerra, a partir dos anos 40 do século 20 e que tornou-se uma realidade piorada, para muito além da imitação das obras de arte.

Arte Fábio Alves sobre foto de Arquivo Extra Classe

Arte Fábio Alves sobre foto de Arquivo Extra Classe

Presenciamos um século 21 que lembra em muito as exaustivas jornadas de trabalho do começo da Revolução Industrial nos séculos 18 e 19. Pois foi justamente neste período histórico que houve um grande salto tecnológico, iniciado na Inglaterra e que se espalhou pelo mundo, causando grandes transformações e também conflitos entre classes sociais, em paralelo às guerras entre países por questões de mercado e interesses geopolíticos.

Apesar da disputa entre os donos dos meios de produção e os que possuíam apenas a força de trabalho, a Revolução Industrial garantiu o surgimento da indústria e consolidou a implantação do capitalismo como o conhecemos. Dessa tensão entre patrões e empregados, ao longo dos últimos três séculos, se construíram pactos e regramentos de bem-estar social, com mediação do Estado, que bem ou mal, principalmente na segunda metade do século 20, trouxeram algum regramento e amparo às classes trabalhadoras.

Estamos agora no auge de um novo salto tecnológico. Habitamos hoje, em pleno século 21, um planeta altamente consumista, com fortíssima concentração de riqueza em menos de 10% da população mundial.  Um planeta onde a força de trabalho na indústria foi e segue sendo substituída em larga escala por robôs. O que obviamente gera grandes índices de desemprego.

No coração dessa nova era tecnológica está a inteligência artificial, que possibilita a distribuição de bens e serviços por meio de aplicativos, utilizando a força de trabalho de uma imensa massa de jovens desempregados e experientes egressos do mundo formal sem espaço para recolocação. A tudo isso chamamos de Sociedade Pós-industrial. Uma sociedade em que o homem-uber está muito longe de ser o super-homem de Niestzche (übermensch), e cada vez mais próximo de um sub-homem, que precisa sobreviver em subempregos com sub-remuneração num ritmo acelerado e muitas vezes exposto a acidentes e doenças típicas do excesso.

Enquanto isso, a concentração de riqueza continua no topo da pirâmide e os aparatos de mediação do Estado cada vez mais fragilizados pelo desmonte resultante de uma visão ultraliberal, caso do Brasil. O futuro é incerto e os prognósticos nada otimistas. Se possível, boa leitura e um bom começo de década de 20.

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