OPINIÃO

CPMF na pauta do governo Bolsonaro

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 2 de outubro de 2020

 

Ministro da Economia Paulo Guedes defende a medida

Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ministro da Economia Paulo Guedes defende a medida

Foto: José Cruz/Agência Brasil

A CPMF já funcionou no Brasil em 1994 e depois, por mais 10 anos, de 1997 a 2007.

O tributo tem vários defeitos graves, pois é regressivo e cumulativo. Consegue prejudicar tanto os mais pobres – que serão onerados em todas as operações de consumo que realizam – como as indústrias mais complexas, que adquirem componentes que passam por sucessivas fases de produção, em distintas empresas, e serão tributados em cada fase.

Os que defendem a volta do tributo estão interessados em arrecadação fácil, apesar dos grandes danos à economia, já comprovados inclusive em estudos acadêmicos: “os tributos cumulativos induzem a integração vertical ineficiente da produção que reduz o grau de competição da economia, porque o número de vezes que a contribuição em cascata é cobrada diminui quando se reduz o número de transações intermediárias.

A perda de competitividade ocorria porque a produção doméstica estava sujeita à tributação cumulativa de COFINS e CPMF ao longo de toda cadeia produtiva“.

A alegação de que o tributo poderia ser usado como instrumento de fiscalização, capturando-se movimentações da informalidade, já foi contornado com a criação de instrumento que obriga as instituições financeiras comunicarem à Receita Federal as movimentações financeiras de seus correntistas.

Outra ilusão está relacionada à afirmação de que tal tributo sobre as movimentações financeiras não poderia ser sonegado. Denúncias de que bancos faziam movimentação de grandes clientes à parte, para fugir da CPMF, chegaram a ser noticiadas na mídia e foram objeto de fiscalização em todo o país. Assim, enquanto as pessoas normais sofreram com a regressividade do tributo, os mais ricos escapavam.

Algumas questões devem ser colocadas para reflexão das pessoas:

  • Por que adotaríamos um questionável tributo, como a CPMF, que não é adotado em nenhum outro país avançado?
  • Por que somente o Brasil e a Estônia concedem isenção aos lucros distribuídos aos sócios?
  • Por que não avança o projeto de reforma tributária justa que faz parte de emenda global apresentada por líderes de diversos partidos políticos na Câmara dos Deputados?

A desculpa que vem sendo dada publicamente para a recriação da CPMF seria o financiamento de programas sociais, como o Renda Brasil, que irá substituir o Bolsa Família.

Ora, bastaria parar de remunerar diariamente a sobra de caixa dos bancos para ter dinheiro de sobra para tal programa! Bastaria o Tesouro Nacional parar de financiar a política monetária suicida do Banco Central, com a qual gastou quase R$ 3 trilhões nos últimos 10 anos.

Ademais, temos R$ 1,068 trilhão (dado de final de agosto) na Conta Única do Tesouro Nacional que poderiam ser usados para programas sociais, mas o governo reserva esse dinheiro para o pagamento de juros e amortizações da dívida pública, que nunca foi auditada, como manda a Constituição de 1988.

A proposta de CPMF aparece como falsa solução que aprofunda ainda mais a regressividade do modelo tributário brasileiro, onerando ainda mais aos mais empobrecidos, favorecendo a absurda concentração de renda no país.

Maria Lucia Fatorelli é auditora fiscal e coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida Pública. Escreve quinzenalmente para o Extra Classe. Este artigo contou com dados levantados por Rodrigo Ávila e Rafael Muller

Comentários