OPINIÃO

Os riscos de ser jovem e negro no Brasil

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 5 de janeiro de 2021

Os riscos de ser jovem e negro no Brasil

Foto: José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas

Foto: José Cruz/Agência Brasil/Fotos Públicas

“O Brasil mata na educação, na falta de moradia digna, na saúde,
que é uma máquina de matar gente, e na segurança”
(Débora Maria da Silva, mãe de Rogério, morto 2006).

 

O Brasil persiste em ser perigoso para jovens. Principalmente para jovens negros e da periferia. Último país da América a abolir a escravidão. A população negra representa 55,8% do total. É a mais vulnerável. É a que ganha menos. Sofre com desemprego. Recebe os salários mais baixos mesmo quando possuem o mesmo nível de escolaridade. Continua sendo a população com menor acesso à educação e à saúde.

Nesta 49ª coluna que escrevo para você, leitor do Extra Classe, abordarei o risco de vida e a devastação do mercado de trabalho para os jovens brasileiros. Esta ameaça histórica e sistemática é um projeto institucionalizado da elite. Considerando que o debate de ideias continua truncado pela politização e inviabilizado pela ignorância, vamos nos valer das estatísticas oficiais que permitem evidenciar a tese anunciada.

A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil. Todo ano, 23.100 jovens negros de 15 a 29 anos são mortos. Grande parte destas mortes são provocadas por agentes do Estado, representados pela Polícia Militar. O risco de morte de jovens negros aumenta 2,7 mais em relação aos brancos. A violência contra mulheres negras aumentou 12,4% enquanto a taxa de vítimas teve uma redução de 11,7%.

O Atlas da Violência de 2020 confirma um crescimento de 11,5% de assassinatos de negros nos últimos 10 anos. “É uma geração inteira que a gente está matando e é algo que não nos sensibiliza, infelizmente, que vai passando. As vítimas são sujeitos considerados descartáveis”, afirma Samira Bueno, Diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

O relatório também mostra a predominância de jovens entre as vítimas de homicídios ocorridos em 2018. Ao todo, 30.873 jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos forma mortos, quantidade que equivale a 53,3% dos registros. No intervalo de 2008 a 2018, constata-se um aumento de 13,3% na taxa de jovens mortos, que passou de 53,3 homicídios a cada 100 mil jovens para 60,4. E, justamente, os homicídios foram a principal causa de óbitos da juventude masculina.

Na avaliação dos especialistas que produziram o relatório, os números deixam transparecer o racismo estrutural que ainda perdura no país. “Um elemento central para a gente entender a violência letal no Brasil é a desigualdade racial. Se alguém tem alguma dúvida sobre o racismo no país, é só olhar os números da violência porque traduzem muito bem sobre o racismo nosso de cada dia”, diz a diretora executiva do FBSP.

Jovens de 15 a 19 anos morrem também em decorrência de outras causas, entre as quais se destacam a violência interpessoal, acidentes de trânsito, suicídio, afogamento e infecções respiratórias. Para o pesquisador e coordenador do Atlas da Violência, o economista Daniel Cerqueira, a reversão desta realidade dependerá de como serão conduzidas as políticas públicas de proteção e cuidados das juventudes. Porém, na contramão, o atual governo federal incentiva e facilita aquisição de armas – principal causa de mortes -, em detrimento da defesa da vida e promoção da cultura de paz.

No país com desigualdades extremas e racismo estrutural, outro risco e angústia juvenil é a luta pela sobrevivência por meio da geração de renda, trabalho ou inserção no mercado de trabalho. Estudos revelam que, historicamente, os jovens são os mais afetados pelo desemprego estrutural, em todas sociedades. Porém, análises da conjuntura do mercado de trabalho no Brasil nos anos mais recentes tem destacado que em crises econômicas os mais afetados são os jovens. O IPEA, no estudo “Diagnóstico da inserção de jovens brasileiros no mercado de trabalho em um contexto de crise e maior flexibilização” (2020), constatou um expressivo aumento na taxa de desemprego de jovens, principalmente entre 2015 e 2017.

A proporção de jovens desempregados que buscavam trabalho há pelo menos um ano, que era de 29,9% no primeiro trimestre de 2013, aumentou para 38,8% no primeiro trimestre de 2019. Esse fato é extremamente preocupante, principalmente para os jovens que estão iniciando sua carreira profissional.

Quando analisamos a qualidade do emprego dos jovens, identificamos que a dificuldade em se inserir no mercado de trabalho hoje aumenta a propensão dos mesmos em aceitar uma ocupação de pior qualidade. A partir do primeiro trimestre de 2015, com a deterioração do mercado de trabalho, confirma-se uma tendência de redução na participação do emprego formal e de aumento do emprego informal e trabalho por conta própria. Essa tendência é preocupante, pois, assim como episódios no desemprego no início da trajetória profissional, o ingresso no mercado de trabalho pelo emprego informal tende a comprometer a trajetória profissional dos jovens por muito tempo. Para se ter uma ideia da gravidade do problema, durante o período 2012-2018, em média, 53% dos jovens de 15 a 29 anos entraram no mercado de trabalho por meio do emprego informal.

Outro aspecto relevante diz respeito ao tamanho das empresas em que os jovens estão inseridos. No período 2012-2017, houve uma queda na participação do emprego formal nas empresas grandes (com cinquenta ou mais empregados), que passou de 50,3% para 44,9%. Em compensação, houve um aumento na proporção do emprego nas empresas menores (23,1% para 27%). Em valores absolutos, a redução na admissão do emprego formal ocorreu nas três faixas de tamanho de empresa.

Na pandemia do covid-19, a paralisação de atividades econômicas afetou ainda mais os jovens brasileiros. Segundo a PNAD Covid-10, de novembro de 2020, o grupo é o destaque negativo nos mais de 14 milhões de pessoas sem emprego no país. O salto na quantidade de desempregados jovens partiu de 4.846.000 pessoas em maio para 6.876.000, alta superior a dois milhões. Em outra análise, percebe-se que dos quase 4 milhões de desempregados que o país somou (10,1 milhões em maio e 14 milhões em novembro) durante a pandemia, mais da metade tinha entre 14 e 29 anos.

Reserva de mão de obra do desemprego estrutural, agravamento do desemprego em crises econômicas, crescimento do trabalho informal, temporário e intermitente, a pandemia confirmou não haver vantagem em ser um jovem trabalhador no Brasil. O rendimento médio dessa faixa, considerando a totalidade de serviços de pessoas ocupadas durante a pandemia, ficou em R$ 1.530 em novembro, bem abaixo do valor geral de R$ 2.334.

Para o economista Marcio Pochmann (Unicamp), a pandemia da covid-19, em 2020, impactou o país como um todo, cujas políticas adotadas até então não se mostraram suficientes para evitar o aprofundamento da tendência de desestruturação do mundo do trabalho. Apesar das diferenças entre os segmentos laborais, a realidade mostra-se cada vez mais comum diante da relação constante com o desemprego, a subocupação, a instabilidade do rendimento e a perda de representação e direitos sociais e trabalhistas.  A recessão econômica instalada em 2020 tornou-se uma das mais graves na história do capitalismo brasileiro.

O Brasil é um risco e uma ameaça porque mata muito, e pior, mata muitos adolescentes e jovens. Ao matá-los – através dos aparelhos do Estado -, estamos matando o futuro do país e assassinando as oportunidades de desenvolvimento de uma nação justa, livre e soberana. E a responsabilidade é de quem? De todos nós, seja pela omissão ou pela anuência.

“Parar de matar jovens” e ter o compromisso que “suas vidas importam” é o principal projeto societário e educacional que precisamos construir. Exigir políticas públicas de desenvolvimento para o país, onde a geração de renda, o emprego e a educação estejam integrados, é a prioridade das prioridades para estas gerações de jovens. Para formá-los como cidadãos e profissionais qualificados precisamos, antes de tudo, salvá-los do genocídio em curso e planejar perspectivas de trabalho e renda neste país para eles. Este será tema da 50ª coluna.

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