OPINIÃO

Outra crise fabricada aqui e lá fora

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 27 de março de 2023

Foto: Raphael Ribeiro/BC

Crise fabricada: Acabamos de assistir a mais uma reunião da diretoria do Banco Central (Copom) neste final de março, mantendo a Selic em 13,75%

Foto: Raphael Ribeiro/BC

O setor bancário internacional apresentou graves focos de crise neste mês de março de 2023. O Brasil também enfrenta recessão econômica, mas aqui a origem da crise é outra: o Banco Central, mais uma vez, é o maior responsável.

O banco Credit Suisse, que já vinha enfrentando crise de credibilidade há tempos, com várias notícias mencionando expressamente o seu risco de quebra, só não quebrou de fato porque recebeu “ajuda de US$ 54 bilhões” do Banco Central da Suíça e, em seguida, foi comprado pelo banco suíço UBS, em meio a confissões de “fragilidades materiais” nos balanços dos dois últimos anos, por US$ 3,23 bilhões.

É importante recordar que uma porta-voz desse banco, que já não adotava práticas corretas em sua própria contabilidade e atuação, desde 2021 vinha dando um verdadeiro ultimato ao Brasil, exigindo pressa na aprovação de contrarreformas e ameaçando com alta de juros e do dólar, conforme abordamos em artigo “Estamos sob a ditadura do capital”. Agora ficou mais uma vez comprovado que o discurso do capital é bem diferente de suas práticas.

Nos Estados Unidos, dois grandes bancos faliram e outro precisou ser salvo, em todos os casos por falta de lastro financeiro para seus depositantes, em decorrência de um afrouxamento ainda maior na regulamentação bancária por parte do Banco Central norte-americano (Federal Reserve Bank – FED).

Devido a esse afrouxamento de regras na utilização de recursos de clientes desde março de 2020, sob a justificativa da pandemia, as instituições financeiras passaram a poder gastar tudo o que recebiam em depósitos de correntistas, conforme reportagem do Poder360 que detalha o que aconteceu com o Silicon Valley Bank (SVB), considerado o 16º maior banco estadunidense, que se dedicava principalmente a financiar novos negócios (startups).

Outro banco norte-americano falido foi o Signature Bank, que teve parte de seus ativos assumidos pelo Bancorp – parcialmente, porque a parte das criptomoedas ficou fora da negociação, e provavelmente vai virar pó.

A crise se manifestou ainda no First Republic Bank, que só não foi à falência porque 11 grandes bancos se reuniram para salvá-lo, prática considerada incomum, mas que foi adotada sob a justificativa de risco de contágio.

O traço comum dessa quebradeira lá fora é o relaxamento de regras de segurança para o funcionamento do sistema financeiro, permitindo elevada alavancagem, que aumenta o risco devido à falta de lastro, como as notícias estão evidenciando.

Banco Central

No Brasil a situação é diferente. Desde março de 2021 o Banco Central passou a disparar a taxa básica de juros Selic, que estava em 2% ao ano naquela época e chegou a 13,75% em agosto de 2022, permanecendo nesse patamar suicida até o momento, e com ameaça de subir mais.

Juntamente com essa suicida elevação da Selic, que turbina todas as demais taxas de juros praticadas no país, o Banco Central enxuga moeda da sociedade, que está depositada ou aplicada nos bancos, e remunera toda essa bolada – que atualmente supera R$ 1,2 trilhão – diariamente aos bancos, com base na Selic ou mais! Trata-se de uma verdadeira bolsa-banqueiro injustificada e parasita.

A combinação dessas duas medidas leva a um suicídio econômico, como citamos em artigo de 2016, quando evidenciamos que “o Banco Central está suicidando o Brasil”, como de fato ocorreu, com encolhimento de 7% do PIB em apenas 2 anos e imensos danos sociais e econômicos, que mostramos ter sido uma “Crise Fabricada”.

O Banco Central está repetindo a dose. E dessa vez o seu presidente, Roberto Campos Neto, confessou, expressamente “…Você tem que colocar o país em recessão…”, o que mostra que as medidas que vêm sendo adotadas pela autarquia fazem parte de uma intenção deliberada, o que é gravíssimo.

Acabamos de assistir a mais uma reunião da diretoria do Banco Central (Copom) neste final de março, mantendo a Selic em 13,75%, ao mesmo tempo em que renomados economistas como Jeffrey Sachs e Joseph Stiglitz, e até o presidente da Fiesp, Josué Gomes, e a Confederação Nacional das Indústrias (CNI), vêm a público criticar esse elevado patamar dos juros no Brasil, disparado o mais elevado do mundo em termos reais.

Não há justificativa técnica que sustente essa taxa de juros exorbitante. A justificativa reiteradamente repetida pelo Banco Central, de “combater a inflação” é falsa, pois subir juros não tem serventia alguma para combater inflação decorrente de aumento de preços administrados pelo próprio governo (combustíveis, energia elétrica, dentre outros) e alimentos.

Os danos econômicos são graves: as maiores montadoras instaladas no país fecharam as portas e decretaram férias coletivas, porque não têm como continuar produzindo se a população não tem como comprar carros, porque os juros são elevados demais.

Inúmeras empresas estão ameaçadas de falência porque não conseguem acesso a crédito em condições sustentáveis.

A indústria brasileira está morrendo e com ela se vão os melhores empregos, a demanda por tecnologia, formação e educação, além de inúmeras empresas que operam ao redor dela.

É o nítido aprofundamento da recessão como mostram os dados do PIB, exatamente como programado por Campos Neto.

A infâmia é tão grande que o comunicado do Banco Central ainda ameaçou que a Selic pode até subir.

Colocam o governo de joelhos para que apresente a “nova regra fiscal” que virá substituir o esdrúxulo teto de gastos sociais (EC 95) em formato bem rigoroso, o mais rígido possível, mantendo a impossibilidade de resgate da histórica dívida social que torna o rico Brasil um dos países mais desiguais e cruéis do planeta.

Aqui a crise é fabricada e, mais uma vez, há quem ganhe ainda mais diante de mais essa crise.

Por isso, é preciso urgentemente mobilizar a sociedade em apoio ao PLP 104/2022 que limita os juros no Brasil, bem como pela instalação de Frente Parlamentar para impulsioná-lo e realizar auditoria da dívida pública com participação social. Adicionalmente, é preciso investigar o Banco Central e mostrar as graves ilegitimidades desta política monetária que suicida a nossa economia. É hora de virar o jogo.

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

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