OPINIÃO

Dilemas da inclusão de alunos com deficiência nas escolas regulares

Por Arthur Telló / Publicado em 28 de setembro de 2023

Foto: Yan Krukau/ Pexels

“A inclusão é benéfica tanto para os alunos com deficiência, que poderão se constituir como sujeitos em meio a outros sujeitos nos espaços de aprendizagem, como para os demais estudantes, que poderão aprender com os colegas outros modos de ser e de estar no mundo”

Foto: Yan Krukau/ Pexels

Embora o assunto deste texto esteja a léguas de ser poético, é sempre propício começar um escrito com versos, pois a poesia reflete e inventa a linguagem na sua carnadura concreta de existência, resistência e maravilhamento.

Como escreveu Camões: Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança/ Todo o mundo é composto de mudança/ Tomando sempre novas qualidades.

E por que tais versos para iniciar um texto sobre as dificuldades que escolas, professores e famílias têm enfrentado em relação à inclusão de alunos com deficiência no ambiente escolar?

Vivemos perpetuamente em mudança, lidando com as contingências da vida. Em se tratando da educação, as escolas ora oscilam entre posições de manter as rotinas e os processos institucionalizados, reproduzindo modelos que em algum momento deram certo (ou não), ora tomam a frente, se adaptando às exigências da contemporaneidade, apostando na inovação e na qualificação dos seus serviços.

Por um lado, existem as instituições que reproduzem a si mesmas e nas quais tudo que é mudança assusta, uma vez que, como canta Caetano Veloso, à mente apavora o que ainda não é mesmo velho/ Nada do que não era antes quando não somos mutantes.

Por outro lado, existem espaços de ensino abertos e desejosos de mudança, em que os desafios do presente se transformam em oportunidades para rever práticas e refletir sobre o papel da escola em um mundo atravessado por demandas diversas e por crises profundas, como a crise climática, a precarização dos vínculos e do trabalho, preocupando-se com um cenário no qual a uberização é o destino mais provável para muitos estudantes.

Sob pressão

Entre tantas demandas e posições antagônicas, ainda mais em um contexto profundamente marcado pela polarização política, professores e professoras são o centro para o qual convergem diferentes conflitos, como o policiamento e a truculência por parte de pais empenhados em reproduzirem suas próprias opiniões e preconceitos nos filhos, agravados pela pressão da escola em manter seus alunos e agradar seus clientes.

Antes do advento do Whatsapp com sua possibilidade de intromissão a qualquer momento, a profissão docente já sofria com o estresse e o burnout decorrentes da incapacidade de atendermos a tantas demandas, ainda mais em uma profissão marcada pelo excesso de trabalho extraclasse devido à preparação e planejamento de aulas, correção de provas etc., fazendo com que o tempo do trabalho invada de modo incisivo o tempo pessoal que poderia ser destinado à convivência familiar ou com amigos, ao cultivo das relações e, não menos importante, ao ócio.

Desafios da inclusão

Contudo, neste início da segunda década do século 21, a esse cenário desolador se somam os desafios da inclusão de estudantes com deficiência na educação básica.

É claro que nós, enquanto educadores, somos a favor de toda forma de inclusão. Nossa categoria acredita e aposta na relação com o outro como um meio de troca e de formulação de conhecimentos, de experiências, de modo que possamos construir uma sociedade democrática com cidadãos conscientes dos seus direitos e responsabilidades, sonhando juntos com um mundo melhor, mais igualitário e plural.

Em princípio, portanto, a inclusão é benéfica tanto para os alunos com deficiência, que poderão se constituir como sujeitos em meio a outros sujeitos nos espaços de aprendizagem, como para os demais estudantes, que poderão aprender com os colegas outros modos de ser e de estar no mundo.

Nunca devemos esquecer que é no convívio com os outros que aprendemos a ser humanos e que o convívio com a diferença tem o potencial de criar no microespaço o tipo de sociedade que todos desejamos.

Porém, como em muitas situações de mudança, Continuamente vemos novidades/ Diferentes em tudo da esperança.

Se antes os professores já sofriam por excesso de trabalho e pela invasão das demandas escolares na sua vida privada, a inclusão depara a categoria com novas dificuldades.

Profissionais cansados e estressados, que não foram treinados para lidar com as diferentes necessidades dos estudantes com deficiência precisam agora planejar aulas e criar instrumentos avaliativos adaptados à diversidade dos estudantes.

Se antes os educadores davam a mesma aula para uma turma de 35 estudantes e aplicavam a mesma prova para todos, hoje, dependendo do número de alunos com deficiência, os educadores necessitam por vezes preparar três, quatro, até mesmo seis ou mais aulas e instrumentos de avaliação diferentes, atendendo às necessidades de cada um.

Além do acúmulo de trabalho extraclasse, cabe frisar que todo esse trabalho é feito fora da carga horária do professor.

Agora, já não é mais possível a poesia neste texto, ainda que esperemos que, em algum momento mais propício, ela retorne. O Núcleo de Apoio ao Professor Contra a Violência (NAP), serviço multidisciplinar mantido pelo Sinpro/RS para o apoio a professores vítima de violências no ambiente de trabalho, tem atendido cada vez mais educadores com estresse, burnout e em crise com a profissão.

Os relatos variam da sobrecarga de trabalho a casos de difícil solução ou intermediação, como situações que envolvem violência de alunos em relação a colegas e a professores, muitas vezes constrangendo os próprios educadores a fazerem a contenção desses jovens.

Como a legislação não é clara sobre a quantidade de alunos com deficiência por turma, muitas instituições (até mesmo aquelas que se anunciam como “inclusivas”) colocam em uma turma, já com muitos estudantes, também aqueles que precisam de mais atenção dos professores, onerando ainda mais o trabalho dos educadores.

Limite de alunos por turma

O Sinpro/RS vem alertando há muitos anos a necessidade de inclusão (algo que todos apoiamos), recomendando o limite de dois alunos por turma ou três quando tiverem o mesmo laudo.

Tal recomendação chegou até mesmo a se constituir como uma pedra de toque nas muitas escolas que a aplicam.

Porém, sem força de lei, o que vemos é, mais uma vez, o excesso de alunos e de trabalho conjugado com a falta de profissionais de apoio, prejudicando justamente a inclusão dos estudantes em um ambiente acolhedor e favorável à aprendizagem.

Por isso, nós, enquanto Sindicato, novamente nos lançamos a uma campanha em prol das condições de trabalho dos professores e das professoras.

Reiteramos que todo trabalho extra deve ser remunerado. Caso a escola não tenha como remunerar os professores, ainda neste ano, sugerimos que, na educação infantil e nos anos iniciais, as professoras da turma possam destinar o horário das especializadas para o planejamento das atividades.

E também que nos anos finais e no ensino médio, parte das reuniões de planejamento (que em muitos colégios são semanais) sejam destinadas para a preparação das atividades de inclusão dentro da própria instituição de ensino e da própria jornada do professor.

Com boas condições de trabalho e apoio por parte de todos os envolvidos, é possível superar as dificuldades, fazer com que todos os estudantes se sintam estimulados e acolhidos e os professores continuem como promotores dos processos de ensino, aprendizagem e, é claro, inclusão.

Neste contexto, é possível o retorno da própria poesia aos espaços que habitamos, pois, como escreveu Cecília Meireles, tem sangue eterno a asa ritmada.

Arthur Telló é professor da PUCRS e do Colégio Gabarito.

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