OPINIÃO

Revisão da Vida Toda: triste desilusão

Por Daisson Portanova / Publicado em 22 de maio de 2024
Revisão da Vida Toda triste desilusão

Foto: Gustavo Moreno/ SCO/ STF

“Ultrapassado o lastro temporal, tudo se torna imutável e perpétuo. Só por esse aspecto, no caso da revisão da vida toda, um universo significativo de pessoas sequer poderia almejar essa revisão”

Foto: Gustavo Moreno/ SCO/ STF

A questão posta sobre os benefícios previdenciários, quanto mais havendo abrangência muito ampla como foi no caso da desaposentação, e agora no caso da revisão da vida toda, envolve um universo significativo de pessoas. Mesmo com a malsinada norma que instituiu a decadência de 10 (anos) para rever o ato de concessão, ou seja, concedido o benefício somente poderão ser revistos tempo de contribuição, atividade especial, tempo rural, soma dos salários e outros incidentes, no curso deste tempo. Ultrapassado o lastro temporal, tudo se torna imutável e perpétuo.

Só por esse aspecto, no caso da revisão da vida toda, um universo significativo de pessoas sequer poderia almejar essa revisão. Mesmo assim, manejando dados superestimados (para não se chamar de fake news), a Advocacia Geral da União (AGU) e técnicos deste e do governo anterior insistiam em mensurar rombo de mais de R$ 400 bilhões em 10 anos. Inverídico, pois, com a Reforma Previdenciária do governo passado, a abrangência não atingiria, por exemplo, todos os benefícios concedidos de 2019 para cá.

Diante deste universo, se julgada favorável, para aqueles que ainda não haviam ingressado com ações, somente atingiríamos benefícios concedidos entre 2014 e 2019 e, por certo, nem todos, ou melhor, uma minoria de trabalhadores estaria tutelada por esta tese.

Em regra, o trabalhador atinge sua melhor remuneração com o passar do tempo, ou seja, muitas vezes agregar salários anteriores a 1994 (base do início da discussão) levava à redução da renda inicial e não sua majoração.

Outra infinidade de aspectos poderia ser tomada aqui para demonstrar que o universo de benefícios a serem revistos, lembrando que a Previdência paga mais de R$ 34 milhões de benefícios, não atingiria 3% ou 4% dos beneficiários, ou seja, no máximo 1 milhão de pessoas, sendo que mais de 50% a 60% destes não obteriam valores agregados, mas, sim, redução da média salarial.

Com base naqueles dados superestimados do governo, vários foram os ministros a fundamentarem a negativa do direito na saúde econômica do sistema, ou ainda, no critério atuarial que deveria ser estimado, dizem da prevalência deste equilíbrio e da deformidade na aplicação do texto, pois ele, em tese, não determinava sua aplicação por se tratar de regra transitória.

Entretanto, esses mesmos ministros esqueceram o princípio de igual, senão superior, valia, por exemplo, de que há efetiva contribuição do trabalhador para sustentar a questão atuarial, se é pouco ou muito, as correções devem se dar no tempo; também não se estabeleceu outro valor constitucional, como o da irredutibilidade do valor dos benefícios, ou seja, se utilizados salários menores ou não em sua integralidade no tempo, por certo afeta a renda e, com isso, sua redução da média; também há valor constitucional na preservação do valor real do benefício, como dito, sustentado pela precedência do custeio.

Está claro que a opção pela proteção mais condigna, respeito às garantias sociais ou a impossibilidade de retrocessos (e nem se fale em reserva do possível quando se desonera folha, desvincula receitas sociais e não se reconstitui o patrimônio espoliado no passado), não é substituída pela migalha do aumento de valor real do salário mínimo, mesmo que destinado aos mesmos beneficiários.

Também não se pode dizer que a revisão da vida toda, assim como a desaposentação, ou outras teses (negadas no Judiciário), seriam o rebento dos beneficiários, na verdade, era uma busca, direta ou indireta, de respeito à dignidade da pessoa humana no que concerne à proteção social justa e efetiva.

É certo que há uma engrenagem complexa e não se resolvem questões colocando culpa na posição do STF, agora, mostrando que, na verdade, há um nexo, ou melhor, um desconexo conhecimento do sistema para argumentação se dar no plano econômico e atuarial, quando o Estado renuncia receitas, é de todo incompreensível que o fundamento econômico derrote algo explícito na lei. Claro que não é derrocada da esperança, mas, sim, uma real e vívida triste desilusão.

*Daisson Portanova é advogado da Apaepers, Portanova Advogados/Mota & Advogados.

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