OPINIÃO

No clímax do autoritarismo

Barbosa Lessa / Publicado em 6 de março de 1998

imagens.jpg (21016 bytes)Para transmitir a seus alunos indígenas a Doutrina Cristã, no século 18, os missionários valiam-se de catecismos como os elaborados pelos padres Anchieta, Montoya e Roque Gonzáles. Quanto ao ensino da Organização Política e Social, bastava que seguissem os ditames da Audiência Real de Charcas como superior mentora dos súditos sul-americanos do Rei da Espanha.

Não temos à mão textos contemporâneos da presença jesuítica nas Missões, mas podemos compulsar o Catecismo Real instituído pela Audiência em 1788, em plena ascensão do “iluminismo” e do “despotismo esclarecido”. Esse texto havia sido encomendado pelo Governador de Moxos, D. Lázaro de Ribera, ao cura da Missão da Puríssima Conceição, Pe. Martínez de Velasco, e foi considerado tão bem feito que o Arcebispo San Alberto (de La Plata) chegou a recomendá-lo para servir de texto básico no ensino da língua espanhola nas Missões.

Por exiguidade de espaço, vamos transcrever apenas parte dos 36 ítens desenvolvidos pelo sistema socrático de perguntas e respostas:

1) Quem és tu? – Sou um leal vassalo do Rei da Espanha.

2) Quem é o Rei da Espanha? – É um senhor tão absoluto que ninguém o excede em autoridades temporal na Terra.

3) Como ele se chama? – Senhor Dom Carlos III.

4) E de onde deriva o seu poder Real? – Do próprio Deus.

20) Como se deve respeitar ao Rei? – Como a uma coisa sagrada.

22) O que devemos pedir a Deus? – Que jamais nos ocorra erguer a mão contra nosso Rei, o ungido do Senhor.

30) A quem mais devemos prestar subordinação? -A todos aqueles a quem Ele transfere autoridade para a aprovação das boas ações e castigo das más.

31) E ainda quando seus prepostos se desviem, devemos respeitar seu cargo e ministério? – Sim, devemos obedecer não só aos bons e moderados mas também aos importunos e injustos.

Hoje, tais exageros causam arrepios à nossa consciência de pobres mortais. Mas conheço muita gente boa, que anda por aí dando entrevistas à mídia, que daria um doce ou a própria alma para que voltasse a vigorar o Catecismo Real de 1788…

*Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor

Comentários