OPINIÃO

Como éramos há um século

Por Barbosa Lessa / Publicado em 18 de março de 2002

Mandam-nos estudar a Antiguidade Clássica, e a gente estuda. Contam-nos como eram os deuses, os sacerdotes, os artistas e os guerreiros da Grécia e Roma antigas, e a gente meio que aprende. Mas do que eu sinto uma grande falta, mesmo, é de alguém que me diga como era o Rio Grande do tempo dos meus bisavós e avós.

Se eu aprendesse, poderia estabelecer um confronto com os nossos dias e avaliar onde melhoramos, onde pioramos, o que ainda precisa ser feito, coisas assim.

Num panorama bem geral, fiquei sabendo que, em 1901, éramos, em população, o sexto Estado brasileiro, suplantado por Minas, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco. Em números redondos, éramos apenas 1 milhão de habitantes (só?).

Quem mandava era o augusto presidente Antônio Augusto Borges de Medeiros, do Partido Republicano Riograndense, meio que em parceria com a Assembleia de Representantes do Estado. Mas o Partido Federalista ia crescendo bastante e acabava de realizar um animado congresso em Bagé.

A economia ia bastante bem. Para os outros Estados nós exportávamos charque, couros vacuns, doces, aguardentes e fumo. Os artesãos alemães iam crescendo com a produção de cintos, arreios completos, lombinhos, botas e tamancos. E os italianos, além da feitura do vinho, começavam a fornecer fivelas para os cintos, estribos para os arreios e esporas para as botas. Cada um na sua área, o troca-troca era lindo.

O comércio era forte, principalmente nas praças de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande. Numa homenagem à recente Revolução de 93, ainda se comercializavam muitas armas brancas e armas de fogo.

Alguns artigos eram muito procurados por causa do prestígio da marca: máquinas-de-costura Singer, fogões Berta, lampiões Durakopp importados da Bélgica, arreios Ferradura, etc. Mas alguns produtos tinham marca muito esquisita. Por exemplo, você teria coragem de beber a famosa cerveja Porco?…

E as novidades continuavam aparecendo no mercado. Agora, por exemplo, a Livraria Americana vinha oferecendo algo revolucionário: o Closet paper Victoria. Dizia a propaganda: “especialmente recomendado por conter as propriedades higiênicas adequadas ao uso a que se destina”. Era então classificado como “papel de gabinete”, mas hoje se chama papel higiênico.

Talvez num outro momento eu venha a me deter no papel de destaque então desempenhado pelo Rio Grande do Sul na área de transportes e comunicações.

O estuário do Guaíba não chegava a asfixiar a capital, pois a navegação fluvial garantia diariamente a saída de barcos da estação de Navegantes (Porto Alegre) para Pedras Brancas (Guaíba) – saindo às 8:00 e voltando às 14:00 – e de Pedras Brancas para Navegantes – saindo às 8:00 e voltando às 15:00.

Também era importante a navegação fluvial para quem quisesse pegar os trens da Estrada de Ferro Porto Alegre – Uruguaiana. Da estação de Navegantes o vapor “Guapo” largava o passageiro ou a carga lá na primeira estação, Margem do Taquari, mas, por enquanto, a última estação era São Gabriel, e, de lá para Uruguaiana, só a pé ou de diligência.

Já funcionavam telégrafo, para as cidades mais importantes, e a telefonia (com fio) aqui e ali. E vinha despertando grande expectativa a notícia de que o gaúcho Pe. Landell de Moura havia se tocado para os Estados Unidos a fim de demonstrar cientificamente a bruxaria de uma telefonia sem fio.

Jornais importantes: “Correio do Povo” e “Jornal do Comércio”, na capital; o veterano “Diário do Rio Grande”, em Rio Grande; “A Opinião Pública”, em Pelotas; “A Ordem”, de Jaguarão; “Diário de Bagé”, “Gazeta de Alegrete”, “Taquariense”, etc.

Os esportes ainda capengavam, porque não havia surgido ainda nenhum team de football. Em ciclismo, havia belas provas de resistência entre campeões tais como Rieger, da equipe Blotz, e Friederichs, da Liga Velocipédica.

E o que mais entusiasmava o público, na verdade, era o auto teatral das Cavalhadas, a céu aberto, que começava quando o embaixador muçulmano gritava: “Por nenhum preço vou abjurar minha crença, enquanto tivermos uma lança para o peito, pistola para a cabeça e uma espada para o pescoço de cada cristão”. E aí começavam as cruentas disputas entre mouros e ocidentais, com torneios de lança, espada e escopeta que levavam o público a frenéticas torcidas e solamações.

E ainda tem mais.

Barbosa Lessa é escritor, folclorista, colunista do jornal Extra Classe

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