OPINIÃO

Meu pavor a números

Barbosa Lessa / Publicado em 30 de agosto de 1998

Contra a força do destino não adianta lutar. Digo isso porque, desde o curso primário, lá em Piratini, tive pavor a números, em Aritmética fui sempre um zero à esquerda. Depois fui estudar em Pelotas, hospedando-me na casa do tio Tércio – que tinha uma quinta nas Três-Vendas – e consegui tirar o ginásio, apesar da minha ojeriza para com o professor de Geometria, o irmão Nono, que pra mim era uma besta-quadrada que só faltava cair de quatro e sair pastando.

Em quarenta e poucos vim estudar aqui em Porto Alegre, morando numa pensão no centro, a quatro passos da Travessa Mário Cinco-Paus, e sofrendo essa balbúrdia de mil demônios com a gente se pechando nos outros a três por dois.

Também no Julinho, com uma rapaziada cheia de nove-horas, tive a impressão de estar sendo recebido com quatro pedras na mão. Um dia um grãfininho me chamou de “grosso” e eu, que nunca fui de meias palavras, sentei-lhe nas fuças os cinco mandamentos.

Depois tentei imitá-los mas, tão certo como dois e dois são quatro, convenci-me de que quem nasceu para dez réis nunca chega a ser tostão. Mandei a “finura” pra os quintos!

Mas um dia conheci um colega, chamado Paixão, homem dos sete-instrumentos, bom ginete, discursador, cantador, e que, pra declamar, era um número! O sexto-sentido me disse que íamos somar nossas forças e, de fato, em duas paletadas estava formada a parelha. (Só tive arrepios quando ele me disse que ia entrar para a Agronomia e se especializar como agrimensor, o coitado.)

Decidimos cultuar as tradições rurais e conclamamos a gauchada aos quatro ventos. Esperávamos contar com miles de companheiros mas, no dia da primeira reunião, só apareceu meia-dúzia de gatos pingados. Achei que tínhamos nos metido numa camisa de onze varas, mas o Paixão gritou: “Mais vale um pássaro na mão do que dois voando!”

E, mesmo com um punhadinho de gente, partimos para fandangos, provas campeiras e o diabo-a-quatro. E a coisa pegou fogo, apesar da descrença de terceiros. Só o que eu jamais poderia ter imaginado foi o nome escolhido para nós:

– CTG 35.

Então entreguei os pontos e até fui tirar um cursinho de Matemática. Mas, da metade pra o fim, tudo deu certo, e hoje considero Porto Alegre uma cidade tri-legal!

* Luiz Carlos Barbosa Lessa é historiador, folclorista e escritor.

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