OPINIÃO

A primeira profissão

Barbosa Lessa / Publicado em 25 de maio de 1999

Sob estímulo de um de meus professores no Colégio Júlio de Castilhos, Dante de Laytano, entrei nos 16 anos de idade pesquisando a Guerra dos Farrapos e redigindo sob a forma de conto seus principais episódios. Para me certificar da correção histórica, li alguns originais para um correligionário de meu pai, o escritor Coelho de Souza, e este me encaminhou, com ótica recomendação, a Moysés Vellinho, que dirigia para a Editora Globo a prestigiosa Província de São Pedro e não teve dúvida em publicar um de meus contos. Assim aberta a porteira do clã dos Bertaso, o chefe Henrique ofereceu-me uma vaga de revisor na Revista do Globo, onde eu também me exercitaria como repórter “foca”. Mas precisava ser horário integral. Obtida a transferência para o curso noturno, no Julinho, já agora eu subia diariamente no elevador da Livraria do Globo para integrar a equipe de Justino Martins, ao lado da sala de Erico Veríssimo. Só dava “cobras”, bah!

Quando escrevi a meus pais, residentes em Canguçu, dando a bela notícia do meu primeiro emprego, gerei preocupação. Era aquela uma época em que, na condição de amador, a gente podia fazer música e escrever, mas que Deus nos livrasse de exercer profissionalmente a condição de artista ou boêmio. Então, para tentar tranqüilizar minha família, dei uma cantada no diretor Justino e ele me permitiu que eu fizesse uma rápida viagem até Canguçu, lá na região Sul

Para embarcar no navio “Cruzeiro” e ir até o porto de Pelotas, tive antes de passar no posto policial. Explica-se: redobrada vigilância sob os agitos da Guerra recém-finda, perseguição aos remanescentes da Quinta-Coluna, redemocratização do país, discursos comunistas. O inspetor anotando minha ficha: nome, filiação, local e data de nascimento. E a profissão? Estufei o peito: “Jornalista”. Ele me olhou com um pouco de pena: “Mas tens uma cara de guri decente. Não fazes mais nada?” “Também estudo no Julinho”. “Então, está bem”. E anotou: “Estudante”.

O estudante embarcou, e o jornalista ficou em terra, me acenando meio complexado…

*Luiz Carlos Barbosa Lessa
é jornalista, historiador, folclorista e escritor

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