OPINIÃO

O ataque às ciências humanas avança

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 4 de abril de 2018

|Reprodução do quadro “Criança Geopoliticus assistindo o nascimento do novo homem” é datada de 1943 e foi pintada por Salvador Dalí, enquanto o mesmo estava nos Estados Unidos, entre os anos de 1940 e 1948

Ilustração: “Criança Geopoliticus assistindo o nascimento do novo homem” - Salvador Dalí (1943) - Reprodução

Ilustração: “Criança Geopoliticus assistindo o nascimento do novo homem” - Salvador Dalí (1943) - Reprodução

Educação é para gente. Antes de podermos planejar um sistema educacional, precisamos entender os problemas que enfrentamos para transformar alunos em cidadãos responsáveis que possam raciocinar e fazer escolhas adequadas a respeito de um grande conjunto de temas de valor nacional e internacional”
(Martha Nussbaum)

Desde a proposta de reforma do “novo ensino médio” (Medida Provisória (MP nº 746, de 22/09/2016), passando pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o ensino fundamental e, agora, pela proposta de BNCC para o Ensino Médio entregue ao CNE, o conjunto de disciplinas que compõe o campo da formação humana  (Filosofia, História, Geografia, Sociologia, Educação Física, Artes e Artes Cênicas) estão intensamente fragilizadas na educação básica brasileira. O último golpe pode vir de uma proposta registrada no Senado que propõe extingui-las nas universidades públicas.

Em primeiro lugar é necessário entender o contexto e as razões que sustentam estas proposições. Entre muitos especialistas internacionais e nacionais, Martha Nussbaum, da Universidade de Chicago (EUA), sustenta que a educação para o crescimento econômico (mercado) despreza essas áreas da educação da criança, dos adolescentes e dos jovens porque elas não parecem conduzir ao progresso pessoal ou ao progresso da economia nacional. Por esta razão, no mundo inteiro os cursos de Artes e Humanidades estão sendo eliminados de todos os níveis curriculares, em favor do desenvolvimento dos cursos técnicos, de natureza prática e utilitarista.

Os gestores e educadores que defendem o crescimento econômico não se limitam a ignorar as artes: eles têm medo delas. Pois uma percepção refinada e desenvolvida é um inimigo especialmente perigoso da estupidez, e a estupidez moral é necessária para executar programas de desenvolvimento econômico que ignoram a desigualdade. A Arte, bem como a Filosofia, são uma grande inimiga da estupidez e, os artistas, bem como os filósofos e sociólogos, não são servos confiáveis de nenhuma ideologia.

A lógica do lucro e a ditadura do mercado solapam as bases das instituições (escolas, universidades, centros de pesquisa, laboratórios, museus, bibliotecas, arquivos, teatros) e as disciplinas humanistas e científicas, cujo valor deveria coincidir com o saber em si, independente da capacidade de produzir resultados e falsos ganhos imediatos. “É bem verdade”, diz Nuccio Ordine (professor e filósofo italiano), “que tudo se pode  comprar: de parlamentares a juízes, do poder ao sucesso, tudo tem seu preço. Mas não o conhecimento: o preço para conhecer é de outra natureza”.

Há saberes que têm um fim em  si mesmos e que, graças a sua natureza, desempenham uma função imprescindível no cultivo do espírito e no crescimento civil e cultural da humanidade. As ciências humanas nos ajudam a nos tornarmos pessoas melhores, com pacidade de convivência coletiva, habilitando-nos à uma vida juntos, em sociedade justas, éticas, com e para os outros.

A educação é a chave para todas as capacidades humanas. Desde a Paideia grega, o telos da educação sempre foi uma sólida formação intelectual, com educação do corpo e formação do espírito (do caráter, da ética). Na idade média, as primeiras universidades e cursos de ensino superior começaram pelos estudos de Filosofia, Teologia, Belas Artes, Medicina e Direito, ou seja, pelas ciências humanas. Na contemporaneidade, a própria economia é uma ciência humana. As Tecnologias de Comunicação e Informação são ferramentas humanas. À inexistência de Valor e Significado que lhes estamos empregando nos tornará seres humanos cada vez mais escravos e imbecis.

Há uma relação inseparável entre o conhecimento de ciências humanas e uma boa formação nas ciências exatas, na economia, nas tecnologia e  linguagens. Vários estudiosos reconhecem o caráter essencial do conhecimento de humanidades na solução de problemas complexos que exigem saber econômico combinado à flexibilização de pensamento, insights de outras disciplinas e, consciência da realidade social e política do país e do mundo.

Vivemos num mundo em que as pessoas se defrontam umas com as outras por meio de golfos geográficos, linguísticos e de nacionalidade. Mais do que em qualquer outra época do passado, dependemos de pessoas que nunca vimos, e elas dependem de nós. Os problemas que precisamos resolver – econômicos, ambientais, religiosos, políticos, educacionais e científicos – têm um alcance global. Não há esperança de resolvê-los a não ser que as pessoas outrora distantes se aproximem e cooperem como nunca fizeram antes. Por consequência, “a educação deveria nos equipar para que atuássemos efetivamente nessas discussões, considerando-nos como cidadãos do mundo”.

A educação deve ser concebida não somente como fornecedora de competências e habilidades técnicas úteis, mas, principalmente, como um meio de enriquecimento geral da pessoa através da informação, do pensamento crítico, da imaginação, do conhecimento científico e da sabedoria. Uma educação, mesmo voltada para o crescimento econômico, além de preparar os jovens para entenderem como a economia mundial funcional, como o trabalho e o direito se constituem historicamente e como se relacionam, não pode desprezar as artes, a literatura e a filosofia, fontes de imaginação e criatividade, inclusive para a inovação.

Não é por mera casualidade que John Dewey observa que existe uma “estreita e essencial relação entre a necessidade de filosofar e a necessidade de educar, levando grandes pensadores e filósofos a se interessarem pelos problemas da educação. A educação para a democracia requer que a escola se converta em uma “instituição que seja, provisoriamente, um lugar de vida para a criança, em que ela seja um membro da sociedade, tenha consciência de seu pertencimento e para a qual contribua”.

Reduzir a formação da juventude brasileira à matemática, português e inglês, como consta na BNCC do ensino médio enviado ao CNE recentemente, é evidenciar o desconhecimento sobre quem nossos/as jovens são e necessitam, aliado ao desprezo que sentem por eles/elas, sem máscaras, condenando-as à uma educação medíocre, que agride o direito a aprender, as liberdades individuais e coletivas, bem como a democracia.

 

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