COLUNISTAS

Novo Fundeb como política de Estado

Por Gabriel Grabowski / Publicado em 7 de outubro de 2019
"A descontinuidade do Fundef e Fundeb interromperá os tímidos avanços da educação básica e inviabilizará a oferta da educação pública para crianças, adolescentes e jovens brasileiros e seu direito à educação"

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

“A descontinuidade do Fundef e Fundeb interromperá os tímidos avanços da educação básica e inviabilizará a oferta da educação pública para crianças, adolescentes e jovens brasileiros e seu direito à educação”

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

 

A educação está sendo destruída pela inviabilização do financiamento. “Vocês têm que se virar”, diz o ministro da Educação, Abraham Weintraub, a dirigentes de universidades. Tudo começou com cortes nas verbas da rede pública federal, seguiu com a extinção do Fies para as instituições privadas, agora ataca o ProUni com a extinção da filantropia nas comunitárias e o Fundeb, responsável por 86% das matrículas da educação básica pública, é a bola da vez.

No segmento educacional privado e comunitário tramita a PEC Paralela da Reforma da Previdência, apresentada pelo senador Tasso Jereissati (PSDB), que prevê a retirada da imunidade tributária do setor filantrópica da educação que afetará 1 milhão estudantes no Brasil, sendo mais 100 mil no RS. A educação básica pública (redes estaduais e municipais) está ameaçada com o fim do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) em 2020. A descontinuidade do sistema de distribuição de recursos que vigora desde 1998 (Fundef e Fundeb) interromperá os tímidos avanços da educação básica e inviabilizará a oferta da educação pública para crianças, adolescentes e jovens brasileiros e seu direito à educação.

O modelo atual do Fundeb (2007-2020) subsidia mais de 40 milhões de matrículas de redes estaduais e municipais, por meio de R$ 156,4 bilhões. Embora seja um avanço em relação ao sistema anterior – o antigo Fundef (1998-2006), restrito ao ensino fundamental –, o modelo em vigor não tem sido capaz de universalizar a educação básica obrigatória (para a população de 4 a 17 anos), zerar a demanda manifesta de matrículas em creches (para a população de 0 a 3 anos), alicerçar a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e garantir um padrão mínimo de qualidade para todas as matrículas ofertadas nas escolas públicas. Mesmo assim, esse sistema de fundos é imprescindível para a oferta de educação com mínimo de equidade e qualidade nacional.

Um “Novo Fundeb” que está em discussão, construção e disputa no Congresso Nacional tem o potencial de criar matrículas e universalizar um padrão de qualidade capaz de garantir o processo de ensino-aprendizagem dos estudantes brasileiros. Porém, somente a pressão efetiva dos sistemas de ensino estaduais e municipais, da sociedade civil e entidades educacionais garantirão sua aprovação o mais breve possível.

As duas alternativas com maior probabilidade de prosperarem e que tramitam nas Casas Legislativas do Congresso Nacional são a PEC 15/2015 (Câmara dos Deputados) e a PEC 65/2019 (Senado Federal). A “minuta de relatório para o novo Fundeb apresentada pela deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), no dia 18 de setembro de 2019, está se constituindo como um projeto substitutivo à proposta de emenda à Constituição nº 15 de 2015. Este substitutivo altera o artigo 20 da Constituição Federal para dispor sobre a vinculação, à educação, de parcela dos recursos provenientes da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração mineral, incluídas as de petróleo e gás natural. A proposta também dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), alterando o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. É justamente este substitutivo que têm obtido importante apoio e reforço de segmentos da sociedade civil, entre as quais destacamos a rede Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca).

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, formada por mais de 300 entidades, manifestou publicamente seu apoio à minuta de relatório para o novo Fundeb, apresentada pela deputada Professora Dorinha Rezende por entender que o texto apresenta inúmeros avanços em relação às demais propostas em tramitação e pelo esforço efetivo de convergência que o substitutivo representa entre as duas principais alternativas que tramitam no Congresso Nacional, a PEC 15/2015 (Câmara) e a PEC 65/2019 (Senado).

AVANÇOS – A Campanha Nacional Pelo Direito à Educação destaca três pontos que a proposição incorpora e que o coletivo considera avanços em relação ao Fundeb atual:

1) Alteração no inciso II do parágrafo único do art. 158 da Constituição Federal que aumenta a possibilidade de redistribuição do ICMS nos estados, elevando o percentual de 25% para 35%.

Isso é um importante avanço, porém, condiciona dez pontos desse percentual (quase um terço) à observância de uma fórmula com duplo critério:

a) distribuição de recursos com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem;

b) aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos. Essa medida precisa ser melhor estudada, pois pode aumentar as desigualdades entre redes de ensino em vez de diminuí-las.

O segundo avanço refere-se ao §4º do artigo 211 da Constituição Federal, proposto na Minuta. Em 2018, segundo dados da Pnad contínua, apenas 34,3% das crianças de 0 a 3 anos de idade frequentavam creche. Isso equivale a 3,5 milhões de estudantes. A pesquisa apontou, ainda, que há no país 11,3 milhões de pessoas não alfabetizadas com 15 anos ou mais de idade e que 52,6% (cerca de 70 milhões de pessoas) dos brasileiros com mais de 25 anos de idade não concluíram a educação básica, sendo que, 33,1%, desse total sequer terminou o ensino fundamental.

Assim, no que se refere ao teor do §4º do artigo 211, entende a rede que a responsabilidade solidária dos entes federados precisa abranger toda a educação básica e não apenas o ensino obrigatório. Ou seja, é preciso responsabilizar todos os entes federados com as matrículas de toda a educação básica, especialmente na creche e na Educação de Jovens e Adultos (EJA).

E, como terceiro avanço da minuta, refere-se ao artigo 212-A da Constituição Federal em torno da complementação do valor anual por aluno que deve ser o Custo Aluno Qualidade e não o “mínimo definido nacionalmente”. Assim, a proposta de redação aponta que a “complementação da União será equivalente a, no mínimo, 40% do total de recursos a que se refere o inciso II do caput, distribuída da seguinte forma:

  1. a) dez pontos percentuais no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, sempre que o valor anual por aluno, nos termos do inciso III do art. 212-A, não alcançar o valor do Custo Aluno-Qualidade;
  2. b) no mínimo, 30 pontos percentuais, em cada rede pública de ensino municipal, estadual ou distrital, sempre que o valor anual total por aluno referido no inciso VI não alcançar o valor do Custo Aluno-Qualidade.

A Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca), reunida em seu VII Encontro, no Pará, também se manifestou, através da “Carta de Belém – Fineduca 2019” e, denunciou a “não aplicação em educação pública do equivalente a 7% do PIB, até este ano (2019), e de se garantir que seja aplicado o equivalente a 10% do  PIB até 2024, bem como a implementação do CAQi (que deveria ser feita até 2016) e a definição do Custo Aluno Qualidade (CAQ), conforme PNE 2014-2024”. A Fineduca reafirmou, também, a necessidade da “permanência dos avanços alcançados com o Fundeb na perspectiva de torná-lo permanente, com aumento substantivo da complementação pela União, garantindo o CAQi e o CAQ, e não admitindo que recursos públicos sejam direcionados para o setor educacional privado”, consolidando o Fundeb como política de Estado.

Do financiamento público dependerá o acesso e a qualidade da educação básica do Brasil nas próximas décadas. Dele não devem preocupar-se e decidir apenas os especialistas, gestores, deputados e senadores. Cada pai, mãe, estudante, educador e cidadão precisa envolver-se e exigir financiamento público sob responsabilidade do Estado. A sociedade civil e as comunidades escolares e acadêmicas precisam se posicionar e exigir que os governadores, prefeitos, parlamentares e secretários de Educação não legislem apenas em prol de seu território local (municipal ou regional), mas pensem na educação básica nacional, em efetivo Regime de Cooperação entre todos entes da Federação, com visão e compromisso na perspectiva de um Sistema Nacional de Educação. O presente e futuro da educação básica, bem como implementação das metas previstas no PNE 2014-2024, dependem da aprovação do novo Fundeb, incorporando propostas de aperfeiçoamento apresentadas pelas entidades e estudos de especialistas em financiamento educacional.

Lute por um Novo Fundeb permanente como Política de Estado!

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