OPINIÃO

Eleições e política monetária suicida

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 7 de julho de 2022

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Foto: Senado Federal/ Arquivo

“O Banco Central insiste em repetir a mentira e seguir disparando a Selic, prejudicando toda a economia do país e nos empurrando para o agravamento da crise fabricada por essa mesma política a partir de 2014”

Foto: Senado Federal/ Arquivo

Dando continuidade à serie de artigos iniciada com Eleições e Modelo Econômico, neste artigo vamos tratar da Política Monetária adotada pelo Banco Central, a qual constitui um dos importantes eixos que sustentam o modelo econômico que atua no Brasil, produzindo escassez para a maioria do povo. É fundamental que a sociedade compreenda os eixos que sustentam esse modelo, a fim de dialogar com seus respectivos partidos e candidatos nesse período eleitoral.

O Banco Central tem funcionado como uma correia de transmissão de recursos públicos para bancos, prejudicando as contas públicas e toda a sociedade brasileira, amarrando a economia e aumentando o desemprego e o desespero da população.

Todos esses danos decorrem das elevadíssimas taxas de juros praticadas no Brasil, além da escassez de moeda e outros graves prejuízos gerados pela política monetária suicida aplicada pelo Banco Central, voltada para atender aos interesses do mercado financeiro.

O Banco Central passou a disparar a taxa básica de juros (Selic) desde março/2021, sob a falsa justificativa de “conter a inflação”. Dados do IBGE comprovam que a inflação existente no Brasil decorre principalmente da elevação de preços administrados pelo próprio governo e de alimentos, e, evidentemente, tais preços não se reduzem quando o Banco Central eleva os juros.

O próprio Banco Central publicou que cada aumento de 1% da Selic gera R$ 34,9 bilhões de gastos com juros anuais da dívida líquida do setor público! Esse dinheiro sangra o orçamento público e prejudica o atendimento das necessidades sociais urgentes! Considerando que de março/2021 a junho/2022 o Banco Central já subiu a Selic em mais de 11% (de 2 para 13,25%), e ainda pode aumentar mais nos próximos meses, verifica-se que essa alta da Selic corresponde a um rombo aos cofres públicos que chega a quase R$ 400 bilhões por ano!

Adicionalmente, ao elevar a Selic, todas as demais taxas de juros praticadas no país – sobre títulos públicos, empréstimos em geral, operações de crédito bancário, cheque especial, cartão de crédito etc. – também se elevam, tornando caríssimo o custo do dinheiro, o que vem impedindo a sua circulação saudável, além de amarrar toda a economia e prejudicar todos os setores produtivos que necessitam de acesso a crédito, em especial as pequenas e médias empresas e indústrias.

Obviamente, a elevação da taxa básica de juros Selic pelo Banco Central tem sido inócua para controlar a inflação que existe no país, que segue aumentando, pois decorre de outros fatores intocados, ou seja, elevação de preços administrados (principalmente combustíveis, devido à política de preço de paridade de importação adotada pela Petrobras desde 2016, a qual calcula o preço dos combustíveis de forma fictícia e extremamente onerosa, como se estivéssemos importando todos os combustíveis consumidos no país, quando na realidade cerca de 94% é produzido aqui) e alimentos (devido a erros de políticas agrícola e agrária que privilegiam o grande agronegócio de exportação em detrimento da segurança alimentar do povo brasileiro)!

Mas o Banco Central insiste em repetir a mentira e seguir disparando a Selic, prejudicando toda a economia do país e nos empurrando para o agravamento da crise fabricada por essa mesma política a partir de 2014.

Além de elevar exageradamente a Selic, o Banco Central tem operado outros mecanismos extremamente nocivos à economia brasileira, em especial a remuneração diária aos bancos por meio das chamadas “operações compromissadas” e dos “depósitos voluntários remunerados”.

Os citados mecanismos de remuneração da sobra de caixa dos bancos envolvem aspectos de ilegalidade e falta de motivação justificável; oneram pesadamente os cofres públicos, geram dívida pública e, juntamente com os elevados juros, foram a principal causa da crise fabricada a partir de 2014. Ademais, tais mecanismos esterilizam grande volume de moeda (o volume das “operações compromissadas” atingiu R$ 1,6 trilhão em agosto/2020, cerca de 23% do PIB), impedindo a sua circulação na economia brasileira e gerando uma escassez que provoca graves danos a toda a economia.

As justificativas usadas pelo Banco Central de que seria necessário remunerar a sobra de caixa dos bancos por meio desses mecanismos não se sustentam, pois tal benesse NÃO controla inflação, juros ou liquidez.

A propósito de inflação, juros e liquidez, cabe lembrar que até o Tesouro Nacional reconhece que o Brasil é um “outlier”, isto é, um país totalmente discrepante, na curva dos juros; e que o próprio Banco Central injetou trilhões de liquidez nos bancos, no início da pandemia. Qual a lógica de o Banco Central injetar liquidez nos bancos e, em seguida, retirar essa liquidez por meio de mecanismos de remuneração da sobra de caixa dos bancos (“operações compromissadas” e “depósitos voluntários remunerados”)?

Em resumo, em uma conjuntura em que o mundo desenvolvido tem praticado juros negativos, exatamente para estimular a economia, as elevadíssimas taxas de juros praticadas no Brasil, aliadas aos mecanismos de remuneração da sobra de caixa dos bancos têm paralisado a economia brasileira, condenando o país e a sociedade a condições de endividamento completamente insustentáveis.

O único beneficiário dessa generosa aberração é o setor financeiro privado nacional e internacional, que bate sucessivos recordes de lucro no país, graças ao Banco Central. Quatro bancos brasileiros estão entre os dez bancos mais lucrativos do planeta, enquanto mais da metade da população se encontra em insegurança alimentar e a economia real patina:

Infográfico: Economática/ Reprodução

Infográfico: Economática/ Reprodução

O elevadíssimo custo da política monetária praticada pelo Banco Central (BC) recai sobre o Tesouro Nacional: além de doar cerca de R$ 2 trilhões de títulos da dívida pública ao Banco Central, o Tesouro ainda paga juros ao BC sobre esses títulos doados.

Além dessa benesse de receber títulos públicos graciosamente e juros sobre esses títulos, todo o prejuízo do Banco Central é repassado ao Tesouro Nacional (e tem sido em grande parte financiado por dívida pública), de acordo com o artigo 7º da Lei de Responsabilidade. Em 2016, por exemplo, esse prejuízo transferido pelo BC ao Tesouro Nacional foi de R$ 250 bilhões!

O custo exorbitante da política monetária praticada pelo BC foi a principal causa da crise fabricada a partir de 2014, que afetou todos os entes federados, e tende a agravar-se diante da aprovação da Emenda Constitucional 106 e dos riscos contidos no projeto de autonomia do BC, aprovado em plena pandemia, além do agravamento do arrocho fiscal devido à EC 109, que colocou o ajuste fiscal no texto da Constituição, para privilegiar ainda mais a chamada dívida pública nunca auditada.

Enquanto isso, a vida de milhões de trabalhadores e trabalhadoras se encontra sob franca ameaça: longos períodos de desemprego, informalidade, subemprego, desalento, tendo que recorrer às políticas compensatórias do governo, como o programa bolsa família, “Auxílio-Brasil”, auxílio emergencial etc., programas sabidamente insuficientes para resolver a questão da pobreza no Brasil.

Devido às graves consequências dessa política monetária ao país e à sociedade, a Auditoria Cidadã da Dívida tem lutado pela instalação de uma CPI do Banco Central,  órgão que sequer tem cumprido o que resta do Art. 192 da Constituição Federal, e apresentou ao Congresso Nacional proposta legislativa para limitar os juros no Brasil.

A Auditoria Cidadã da Dívida elaborou carta aberta aos partidos, acompanhada de questionário a ser respondido por candidatos(as), que contempla diversas questões sobre a política monetária praticada pelo Banco Central, tendo em vista a sua estreita relação com a geração de dívida pública ilegal e ilegítima. A participação cidadã durante o período eleitoral é fundamental e precisa ocorrer de forma qualificada e consciente. Afinal, iremos escolher quem irá dirigir o país e todos os estados nos próximos 4 anos!

Maria Lucia Fattorelli é coordenadora Nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, membro da Comissão Brasileira Justiça e Paz (CBJP), organismo da CNBB; e coordenadora do Observatório de Finanças e Economia de Francisco e Clara da CBJP. Escreve mensalmente para o Extra Classe.

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