POLÍTICA

Governo generaliza funcionalismo para tocar a reforma

Motivações da PEC 32/20 não têm relação com a qualidade do serviço público, são de cunho político-ideológico e liberal-fiscal, diz diretor do Diap
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 8 de outubro de 2020
Mobilização da Frente dos Servidores Públicos (FSP-RS) articulada pelos sindicatos e associações no final de setembro, contra a reforma administrativa

Foto: Karen Viscardi/ Sintergs/ Divulgação

Mobilização da Frente dos Servidores Públicos (FSP-RS) articulada pelos sindicatos e associações no final de setembro, contra a reforma administrativa

Foto: Karen Viscardi/ Sintergs/ Divulgação

A narrativa construída pelo governo e por boa parte do parlamento para apressar a reforma administrativa tenta convencer a opinião pública que o funcionalismo público ganha demais e onera o Estado e ignora a existência de uma casta instalada dentro do próprio governo que acumula supersalários. Em meio a esse estereótipo que mostra os servidores públicos como uma categoria que ganha demais e tem privilégios, 11,4 milhões de servidores estão com o rumo de suas vidas profissionais nas mãos do Congresso Nacional.

Para Antônio Augusto de Queiroz, diretor de Documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/20 – da Reforma Administrativa) que estabelece novas regras de contratação, promoções e remuneração foi uma ideia “concebida para desorganizar o serviço público, punir os atuais e submeter os futuros servidores públicos a regras draconianas de gestão de pessoal”.

Queiroz afirma que a chamada Reforma Administrativa do governo Bolsonaro, na realidade, tem uma série de motivações que não guardam nenhuma relação com a qualidade do serviço público. “São basicamente de cunho político-ideológico, para não dizer persecutório, e liberal-fiscal”, explica.

Para ele, o fato de setores minoritários e com remunerações muito acima da média da maioria do funcionalismo não serem alvos da PEC é a maior prova. “Com certeza, o impacto do ponto de vista de seriedade seria muito maior se fosse tocado nos casos das férias de 60 dias e da aposentadoria compulsória como punição para a magistratura, por exemplo. Quem poderia ser atingido por essa PEC, na realidade não está”, afirma.

Fim do regime único e da estabilidade

Governo deveria propor uma lei para regulamentar o teto constitucional, diz Queiroz, do Diap

Foto: Arquivo Pessoal

Governo deveria propor uma lei para regulamentar o teto constitucional, diz Queiroz, do Diap

Foto: Arquivo Pessoal

Entre outras questões, a ideia do governo federal é extinguir o Regime Jurídico Único, acabar com a estabilidade para todos os cargos que não sejam considerados típicos de Estado e instituir três regimes estatutários.

Na lógica, haverá um regime por prazo indeterminado, outro por prazo determinado e um para cargos de liderança e assessoramento. Para os cargos com prazo indeterminado, o texto prevê as funções típicas de Estado, as únicas que teriam estabilidade.

O diretor do Diap vê sinergias entre os pontos de vista ideológico e liberal-fiscal. Ambos dizem que o Estado é inchado, ineficiente, que os servidores ganham muito e trabalham pouco e estão associados à corrupção, por exemplo.

Já a visão ideológica de que o serviço público está “capturado pela esquerda, por comunistas”, seria possivelmente um dos fatores para o desaparecimento da previsão de que cargos e funções sejam reservados a servidores de carreira.

O diretor do Sindicato dos Servidores de Nível Superior do Poder Executivo do Rio Grande do Sul (Sintergs), Guilherme Toniolo, ressalta que a reforma aponta para a precarização do serviço público e, por consequência, prejudica a população. “A reforma administrativa torna o vínculo do servidor vulnerável. Com o fim da estabilidade, o trabalhador fica mais suscetível à pressão dos chefes, o que coloca em risco o cumprimento da lei e a fiscalização na saúde, agricultura, obras”, exemplifica o dirigente.

Menor diferença salarial em relação ao setor privado

O argumento de que a máquina pública brasileira é grande demais ou que o servidor em geral ganha muito mais do que os da iniciativa privada, segundo a agência de checagem Aos Fatos, não se sustenta diante da realidade.

Concretamente o Brasil tem um funcionalismo público proporcionalmente inferior ao de países desenvolvidos. O diretor do Diap cita Estados Unidos, França e Itália como exemplos.

Do ponto de vista salarial, os servidores brasileiros ganham em média 8% a mais do que trabalhadores em cargos similares no setor privado. Para efeitos de comparação, um estudo do Banco Mundial feito em 53 países registra que a diferença na mesma situação é de 21%.

Apesar disso, existem distorções. Em determinados casos a diferença no Brasil pode chegar a 96%. Se, em média, no serviço público varredores de rua ganham R$ 1,6 mil, professores de 1˚ a 4˚ série – com nível superior – R$ 3,3 mil e médicos clínicos, R$ 9,8 mil, a desigualdade do Brasil se reflete ao elevar a média salarial dos funcionalismo.

São R$ 3,9 mil no Executivo, R$ 6 mil no Legislativo e R$ 12 mil no Judiciário. Diante de contracheques que podem chegar a R$ 100 mil ou mais para membros da magistratura, Antônio Queiroz do Diap é taxativo: “o governo poderia e deveria era propor uma lei para, de fato, regulamentar o teto constitucional”.

Acompanhe a série de reportagens do Extra Classe sobre a reforma administrativa:

Empregos públicos representam 12,1% da força de trabalho no Brasil

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