POLÍTICA

Compras de alimentos pelo governo têm indícios de mau uso do dinheiro público

Despesas de quase R$ 2 bi ferem princípios da moralidade, da razoabilidade e afrontam a população em tempos de pandemia, aponta procurador do MP do Tribunal de Contas da União
Por Flávio Ilha / Publicado em 28 de janeiro de 2021
Ministério Público de Contas quer investigação sobre compras de 2020 de Bolsonaro

Foto por: Marcos Corrêa | PR

Ministério Público de Contas quer investigação sobre compras de 2020 de Bolsonaro

Foto por: Marcos Corrêa | PR

O Ministério Público do Tribunal de Contas da União solicitou ao órgão, por meio de uma representação protocolada na quarta-feira, 27, autorização para investigar a legalidade dos gastos do governo federal com despesas de alimentação em 2020. Segundo o portal Transparência, os gastos chegaram a R$ 1,8 bilhão em itens considerados supérfluos, como leite condensado, chicletes, pizzas, vinhos, refrigerantes e condimentos. As despesas foram 20% superiores às registradas em 2019.

A representação é assinada pelo subprocurador Lucas Furtado, que criticou o governo pelos gastos que considerou inconstitucionais. Na petição, o procurador justifica o pedido de investigação pela “repercussão popular muito forte e negativa” com a divulgação dos gastos. O portal Metrópole, que publicou as informações, apontou gastos de R$ 2,2 milhões em chicletes, R$ 15,5 milhões em leite condensado e R$ 32,7 milhões gastos com pizzas e refrigerantes, entre outros itens inusitados.

Princípios da moralidade e da razoabilidade

Furtado: itens que compõem os gastos do governo “contrastam em muito com os gêneros alimentícios nem sempre acessíveis à grande parte da população

Foto: J Freitas/ Agência Senado

Furtado: itens que compõem os gastos do governo “contrastam em muito com os gêneros alimentícios nem sempre acessíveis à grande parte da população

Foto: J Freitas/ Agência Senado

Segundo Furtado, a repercussão negativa é plenamente justificável na medida que os itens que compõem os gastos do governo “contrastam em muito com os gêneros alimentícios acessíveis – ou nem isso – à grande parte da população brasileira”, que sofre com a crise econômica advinda da pandemia de covid-19. “Se, em tempos normais, já não fosse um absurdo, em tempos de crise e de pandemia não sei nem como definir tamanho descaso com o povo brasileiro”, diz.

O procurador adverte que, mesmo tendo amparo legal, as despesas afrontam o princípio da moralidade administrativa, previsto no artigo 37 da Constituição. “Não há espaço, portanto, para se falar em discricionariedade administrativa”, menciona. Na petição, Furtado também cobra bom-senso do governo. “Se a afronta ao princípio da moralidade não bastasse, o cenário que vivemos realça a necessidade de respeito ao princípio da razoabilidade”, completa.

Cedraz, do TCU, será o relator da Farra do leite condensado. O ministro já relata as contas de Bolsonaro e andou enrolado com o escândalo de propinas da UTC

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Cedraz, do TCU, será o relator da Farra do leite condensado. O ministro já relata as contas de Bolsonaro e andou enrolado com o escândalo de propinas da UTC

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A petição determina que sejam investigadas a legalidade, legitimidade, moralidade, economicidade e razoabilidade dos gastos governamentais com alimentos “diante dos indícios de desvirtuamento da utilização de recursos públicos e de superfaturamento de alguns itens”.

O pedido de investigação será relatado pelo ministro do TCU Aroldo Cedraz, que já relata as contas do governo de Jair Bolsonaro em 2020. Aroldo e o filho, Tiago Cedraz, foram denunciados em 2018 por tráfico de influência em contratos da Usina de Angra III. Eles são acusados de receber R$ 2,2 milhões da UTC Engenharia para acelerar processos de interesse da empresa no TCU. O STF rejeitou a denúncia em 2019.

VARREDURA – Em nota à imprensa divulgada na noite de quarta-feira, a Secretaria Especial de Comunicação Social afirma que a Secretaria de Gestão do Ministério da Economia identificou “aparente incongruência nos gastos decorrentes de falhas técnico-operacionais no preenchimento dos formulários e no tagueamento das despesas”. Segundo o comunicado, isso teria elevado de forma equivocada os valores tornados públicos na plataforma ComprasNet. Depois de uma ordem de Bolsonaro para que fosse feita “uma varredura no sistema”, as abas de acesso às informações que embasaram a denúncia foram alteradas no Painel de Compras do ministério.

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