SAÚDE

Sequelas pós-covid preocupam médicos e pesquisadores

As demandas dos pacientes com sintomas depois da covid-19 não esperam as descobertas científicas e já são realidade no dia a dia dos hospitais e tema de estudos da OMS
Por Marcelo Menna Barreto / Publicado em 26 de fevereiro de 2021
Foi verificado 17% de casos de rehospitalização após seis meses de alta. Destes, 40% dos pacientes precisaram fazer uso de ventilação mecânica

Foto: Pedro Guerreiro / Ag. Pará / Fotos Públicas

Foi verificado 17% de casos de reospitalização após seis meses de alta. Destes, 40% dos pacientes precisaram fazer uso de ventilação mecânica

Foto: Pedro Guerreiro / Ag. Pará / Fotos Públicas

A demanda em hospitais para tratamento de sintomas e sequelas pós-covid é tanta que já existe quase uma nova especialidade na medicina, a recuperação pós-covid. É o que diz a pesquisadora Margareth Dalcolmo, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Passados mais de um ano do começo da pandemia, médicos e cientistas no mundo inteiro ainda estudam as mais diversas formas de manifestações do vírus SARS-Cov-2 e da covid-19 nos seres humanos. Se por um lado há pessoas que desenvolvem apenas sintomas leves, por outro lado há sintomas graves e fatais. Não bastando isso, sequelas que vão de um simples cansaço até complicações mais graves de longo prazo que podem levar à morte aqueles que venceram o primeiro round da enfermidade.

Recente pesquisa feita por oito hospitais de excelência do Brasil e institutos de pesquisa aponta preliminarmente, por exemplo, que um em cada quatro pacientes graves de covid-19, que foram entubados acabaram morrendo no período de seis meses após sua alta hospitalar.

Batizado de Estudo Coalizão VII, o trabalho integra a estratégia da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o enfrentamento do que está sendo chamado Long Covid, em tradução livre Longa Covid, mas que muitos preferem chamar Pós-Covid. Ele está sendo desenvolvido no projeto Coalizão COVID-19 Brasil em nove frentes pelos hospitais Albert Einstein, HCor, Sírio-Libanês, Moinhos de Vento, Oswaldo Cruz, Beneficência Portuguesa e os institutos Brazilian Clinical Research Institute (BCRI) e Rede Brasileira de Pesquisa em Terapia Intensiva (BRICNet). Ao todo, o Estudo Coalizão se dividem em nove frentes.

Enfermidade sistêmica

Foto: Reprodução/VideoWeb

Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz)

Foto: Reprodução/VideoWeb

Uma das primeiras a tratar de pacientes com covid-19 no Brasil, a pneumologista Margareth Dalcolmo, renomada pesquisadora da Fundação Fiocruz, sente na pele ainda as sequelas da enfermidade que contraiu durante seu trabalho.

Margareth diz que tem incômodo nos dedos das mãos devido a um “acometimento neurológico” causado pelo coronavírus.

“Ainda não me recuperei totalmente, mas já me acostumei. De vez em quando piora, de vez em quando melhora”, diz. Segundo a pesquisadora, a covid-19 ainda é uma doença misteriosa no sentido do que ela “pode deixar de rastro”.

Margareth diz que a sequela que enfrenta é pouca diante do que viu entre pacientes e colegas também acometidos pela enfermidade. “São sequelas terríveis que não se sabe ainda se serão temporárias ou indeléveis”, registra.

Mesmo reconhecendo os mistérios da covid-19 que ainda devem ser desvendados, Margareth registra o grande feito da ciência em menos de um ano.

“Ela (covid-19) nos chegou como uma pneumonia diferente, mas rapidamente a comunidade científica identificou que não era. Que era uma enfermidade sistêmica capaz de comprometer todos os órgãos do corpo”, lembra.

Registra ainda o que chama de feito humano extraordinário: “em menos de um ano, 69 vacinas em fase de desenvolvimento clínico”, além de mais de 100 mil papers científicos produzidos para buscar entender a moléstia.

Margareth, uma das autoras da nota da comunidade científica que repudiou com dados o protocolo do Ministério da Saúde que avalizava uso de drogas sem eficácia contra a covid-19, salienta o caráter inflamatório e ainda misterioso do vírus especialmente no pulmão e no sistema vascular.

“Tem gente que adoece e não apresenta um quadro de AVC (Acidente Vascular Cerebral) clássico, mas sai com fortes sequelas, dificuldades motoras”, exemplifica. “É muita trombose, muitos comprometimentos neurológicos”, complementa. O trabalho é tanto que a pesquisadora da Fiocruz chega a afirmar que hoje já existe “quase uma nova especialidade na medicina, a recuperação pós-Covid”.

Sequelas e sintomas sem explicação

Dr. Régis Goulart Rosa, médico intensivista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento

Foto: Leonardo Lenskij/Moinhos de Vento

Dr. Régis Goulart Rosa, médico intensivista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento

Foto: Leonardo Lenskij/Moinhos de Vento

No último dia 9 de fevereiro a OMS realizou um simpósio reunindo especialistas internacionais para discutir exclusivamente a Síndrome Pós-Covid ou o que chama Long Covid.

A reunião virtual foi o pontapé inicial para melhor definir a enfermidade, ampliar conhecimentos, alinhar métodos de estudos e planejar estratégias globais de atendimento.

Os dados preliminares da Coalizão VII foi uma das cinco pesquisas apresentadas no evento, a única brasileira.

Os objetivos de avaliar a qualidade de vida e os desfechos em longo prazo de pacientes sobreviventes de hospitalização por covid-19 do estudo acabaram revelando dados preocupantes.

Resumidamente, o índice de mortalidade geral em seis meses pós-alta é de 7%. Número que chega a 24% nos casos de pacientes que necessitaram de ventilação mecânica (intubação).

Também foi verificado 17% de casos de reospitalização após seis meses de alta. Destes, 40% dos pacientes precisaram fazer uso de ventilação mecânica.

O Coalizão VII ainda identificou 22% de quadros de ansiedade após seis meses da alta hospitalar, 19% de depressão e 11% de estresse pós-traumático.

Ao todo, o estudo refletiu o acompanhamento de 1.006 pessoas que tiveram alta da enfermidade. Hoje, mais de 1.200 ex-internados estão sendo monitorados.

Número de participantes desta análise preliminar: 1006 (no estudo já temos mais de 1200 em seguimento)

Para Regis Goulart Rosa, médico intensivista e pesquisador do Hospital Moinhos de Vento, representante da Coalizão Covid-19 Brasil, uma preocupação dos profissionais da saúde no mundo todo é com o que vem além de todas as consequências da pandemia, “uma pandemia de incapacidade”. “Os sistemas de saúde precisam se preparar para tratar sequelas e reabilitar esses pacientes”, destaca.

Muitos anos de trabalho pela frente

No simpósio, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, enfatizou que o enfrentamento da Long Covid está no início e deve se estender por muitos anos.

“Todos precisam, desde a atenção básica, conhecer os efeitos da infecção nas crianças, nos grupos de risco e em todos os grupos e entender os impactos sociais e econômicos desta enfermidade. É preciso garantir a reabilitação dos pacientes. Temos 800 centros de colaboração em diversas regiões e vamos pedir que incluam a Long Covid entre as prioridades”, afirmou ao ainda registrar que as informações e estudos precisam sair de dentro dos hospitais e centros de pesquisa e chegar às comunidades.

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