SAÚDE

Crise pode deixar 7 mil doentes renais sem hemodiálise no estado

Clínicas de nefrologia que respondem por 85% das diálises pelo SUS ameaçam fechar devido à defasagem da tabela e aumento dos custos na pandemia
Por Gilson Camargo / Publicado em 24 de setembro de 2021

Foto: Gabriela Barcellos/ Arquivo/ Santa Casa de Uruguaiana

Santa Casa de Caridade de Uruguaiana: hospitais públicos respondem por 15% das diálises pelo SUS. Clínicas privadas atendem 85% dos pacientes que necessitam da terapia

Foto: Gabriela Barcellos/ Arquivo/ Santa Casa de Uruguaiana

O modelo adotado pelo Ministério da Saúde que terceiriza para a iniciativa privada o tratamento continuado de pacientes renais que necessitam de hemodiálise – filtragem mecânica do sangue de pessoas que perderam a função renal – pode entrar em colapso devido à crise administrativa e financeira enfrentada pelas clínicas de nefrologia.

No Rio Grande do Sul, são cerca de 70 clínicas administradas por nefrologistas, que atendem em média cem pacientes cada uma. Elas respondem por 85% da diálise de mais de 7 mil pacientes no estado. Os 15% restantes são cobertos por hospitais públicos que mantêm clínicas próprias de diálise.

No país, são mais de 140 mil pessoas que precisam de até três sessões de filtragem do sangue por semana. Desses, cerca de 40% são pacientes à espera de um transplante.

Tabela congelada

Foto: Reprodução

“Clínicas estão lutando para não fechar”, resume Silva, da Sociedade Gaúcha de Nefrologia

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As empresas que prestam esses serviços e são remuneradas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) alegam que a tabela está defasada em mais de 30% e não é reajustada há pelo menos quatro anos.

O valor pago por sessão de hemodiálise, atualmente em R$ 194,00, de acordo com o cálculo da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), deveria ser de pelos menos R$ 278,00 para assegurar a sustentabilidade das clínicas.

“A última correção aconteceu em janeiro de 2017 e, desde então, as clínicas que prestam serviço ao SUS lutam para não fechar as portas”, aponta o presidente da Sociedade Gaúcha de Nefrologia (SGN), Dirceu Reis da Silva.

O nefrologista afirma que os altos custos dos insumos e medicamentos estão inviabilizando a prestação do serviço. “São necessários 120 litros de água por sessão de diálise e apenas um medicamento, o coagulante heparina, por exemplo, aumentou 400% no período”, aponta.

Fronteira

Foto: Duda Pinto/ Divulgação

“É impossível imaginarmos que nossos pacientes que fazem diálise há 30 anos sejam encaminhados para outras cidades”, lamenta Freitas (C)

Foto: Duda Pinto/ Divulgação

Em Santana do Livramento, o cardiologista e nefrologista João Andreuchetti de Freitas, que administra uma clínica de hemodiálise desde 1978 anunciou o encerramento do contrato com a prefeitura a partir de 29 de setembro.

O tratamento de pacientes portadores de insuficiência renal crônica ambulatorial e aguda nas UTIs da Santa Casa e do Centro Hospitalar do município totalizam quase mil atendimentos da clínica que atende pacientes de vários municípios vizinhos.

“Em janeiro fizemos a primeira comunicação à administração do município, expondo as dificuldades econômico-financeiras. Os custos dispararam com a pandemia e o resultado em janeiro foi no vermelho. Mês após mês, apesar de todos os esforços de redução de custos, foi impossível emparelhar, nós jamais conseguimos empatar, a despesas sempre eram significativamente maiores que as receitas”, explica Freitas.

Em um comunicado, a clínica informou que gasta R$ 359,87 por sessão e recebe R$ 194,20 do SUS. “É impossível imaginarmos que nossos pacientes que fazem diálise há 30 anos sejam encaminhados para outras cidades. Se no dia 29 de setembro não tivermos um acordo vamos prorrogar o contrato e evitar esse absurdo”, desabafa o médico.

Nesta sexta-feira, a prefeitura anunciou que a empresa foi notificada e que os serviços de diálise aguda serão integralmente assumidos pela Santa Casa de Livramento.

Recursos suplementares

O dirigente da Sociedade Gaúcha de Nefrologia afirma que algumas clínicas de hemodiálise já fecharam no estado por problemas financeiros. Na Serra, o centro de diálise que atendia pacientes de Canela e Gramado encerrou as atividades, fazendo com que eles tenham que ser transportados três vezes por semana para fazer a terapia renal em Taquara, que fica a mais de 50 quilômetros de distância.

“Isso exige toda uma logística de transporte que impõe sofrimento e cansaço aos pacientes, quando o mais racional, a saída mais honrosa, seria dar condições de sustentabilidade às clínicas”, pondera Silva.

O presidente da SGN afirma que o setor vem negociando com o Ministério da Saúde uma possível desoneração fiscal. “A tributação das clínicas de hemodiálise representa 30% dos custos”, ilustra. Uma proposta também será apresentada à Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul para que o estado complemente o orçamento com verbas suplementares.

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Clínica renal da Santa Casa de Uruguaiana

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Para garantir a continuidade dos serviços, argumenta o nefrologista, são necessários R$ 4 milhões, por mês.

Ele lembra que esse valor é muito inferior a outras complementações orçamentárias que o governo estadual já faz na área da saúde, a exemplo do cofinanciamento hospitalar, de R$ 435 milhões; do incentivo a diárias de UTI, no valor de R$ 53,9 milhões; e o Incentivo a Centros de Saúde Mental, R$ 35,2 milhões.

Em uma audiência com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, no final de junho, dirigentes da Sociedade Brasileira de Nefrologia apresentaram um estudo sobre a situação das clínicas de diálise e solicitaram uma verba extra de R$ 500 milhões.

O valor equivale a um orçamento e meio de cada clínica. Também reiteraram o pedido de reajuste das sessões de hemodiálise e também da diálise peritoneal. “Mas o ministro nos informou que este ano não havia um centavo sequer no orçamento para o reajuste, e ele mesmo propôs que solicitássemos essa verba extra, avaliando o reajuste para o próximo ano. Hoje recebemos a resposta da equipe do Ministério da Saúde, que não nos concedeu essa verba”, lamenta a entidade em um comunicado.

A coordenadora de Atenção Especializada (Cgae), do Ministério da Saúde, Ana Patrícia de Paula, informou que o órgão solicitou “a atualização de estudos econômicos com vistas a avaliar potencial reajuste dos procedimentos da Tabela do SUS relacionados à terapia renal substitutiva”.

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