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Remédio para pobre: este mal tem cura

Jimi Joe / Publicado em 4 de maio de 2001

Em 1997 teve início o processo de concretização do projeto de Farmácias Regionais ou Municipais de Manipulação. A Remédio para pobre: este mal tem curidéia – suportada financeiramente por uma verba de R$ 1 milhão, dinheiro representado pela concessão de incentivos do governo estadual a 26 municípios gaúchos – era de buscar uma solução localizada para a falta generalizada de medicamentos, com a fabricação e distribuição regional, garantindo assim custos menores. Estava cimentada aí a proposta da criação de “remédio para pobre”. Passados quase quatro anos, muitas delas fecharam por decisão própria. Outras tantas foram fechadas após a troca de governo, com a ascensão do PT e a constatação pelos novos responsáveis pelo setor da saúde pública no Estado de que havia irregularidades de todo o tipo no funcionamento das farmácias (das 26 iniciais acabaram se tornando 38 em todo o Estado).

Gilberto Barichello, secretário substituto da Saúde e coordenador jurídico da Secretaria, acabou se tornando um dos comandantes da cruzada contra o funcionamento irregular desses estabelecimentos. Apoiado por pareceres técnicos e opiniões abalizadas que incluem a de Célia Chaves, presidente do Conselho Regional de Farmácia, Barichello combate ferozmente a idéia de “remédio para pobre”, um medicamento supostamente mais barato mas produzido em condições precárias. “Quando se trata de medicamento, não é possível se aceitar uma eficácia de 99,9%. Um medicamento tem de ter 100% de eficácia comprovada ou não é medicamento”, arremete Barichello.

Por trás da questão da saúde há uma óbvia disputa política. Alguns, como o deputado César Busatto alegam que a atuação do secretário substituto da Saúde é revanchista e embasada por motivações que extrapolam a preocupação com a saúde pública. O secretário substituto diz que está centrado estritamente em questões de caráter legais ou técnicos para pedir o fechamento dessas farmácias. O deputado Germano Bonow, que foi secretário estadual da Saúde em várias ocasiões, inclusive na época em que houve a liberação de verba para a criação das farmácias regionais e municipais, embora reconhecendo os problemas técnicos levantados, advoga uma posição de apoio e busca de solução por parte do atual governo em lugar do simples fechamento dos estabelecimentos.

Barichello vê duas vertentes básicas para a questão que assumiu contornos polêmicos e acabou virando assunto de audiências públicas e longas discussões na Comissão de Saúde da Assembléia Legislativa, a mais recente delas levada a efeito em 11 de abril passado. “Uma delas é a vertente pública, completamente irregular, que liberou uma verba de R$ 1 milhão para 26 municípios criarem farmácias de manipulação de medicamentos. Primeiro, há um problema legal na origem do projeto, pois a produção de medicamentos é assunto de alçada federal, do Ministério da Saúde. Essas farmácias não tinham licenças nem da Secretaria da Saúde, nem do Ministério da Saúde, tampouco da Vigilância Sanitária”, explica Barichello. A segunda vertente identificada por ele é “de ordem privada”, representada pela presença da empresa Ômega – Organização e Planejamento Ltda. Segundo Barichello, esta empresa foi responsável pela venda de projetos de implantação de farmácias a 25 prefeituras além de haver um envolvimento com o processo de liberação de recursos públicos.

Além disso, alega o secretário substituto da Saúde, todas as farmácias de manipulação, que, como tal, deveriam aviar receitas personalizadas e produzir medicamentos somente a partir dessas receitas, acabaram virando pequenas indústrias farmacêuticas, produzindo em lotes, grandes quantidades de medicamentos. “Estas farmácias que se tornaram indústrias atuavam dentro da mais completa irregularidade”, lembra Barichello. Ele recorda também que ainda em 1997, o Ministério da Saúde respondia consulta da Secretaria da Saúde do Estado, dizendo que já existia normatização para o funcionamento dos estabelecimentos em questão e que as “farmácias regionais” não atendiam à legislação federal. Antes mesmo do PT chegar ao governo do Estado, em 1998, a própria Divisão de Vigilância Sanitária, em visita a duas “farmácias municipais”, encontrou uma série de problemas no funcionamento que iam da contaminação cruzada na produção de cápsulas, pomadas e líquidos à comprovação pelo Lacen (Laboratório Central do Estado) de produtos e medicamentos impróprios para o consumo, entre eles cápsulas de 40mg de propranolol, medicação usada para controle de hipertensão.

Em 1999, as farmácias de manipulação que viraram indústrias são encaradas pela nova administração como “uma situação delicada e complexa”. É convocada a Assedisa (Associação de Secretários Municipais de Saúde) para a discussão do problema. Em abril de 1999, técnicos da Divisão de Vigilância Sanitária e da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS/RS) iniciam um processo de vistorias que constata alguns dados preocupantes. Em 83% dos estabelecimentos vistoriados não havia responsável técnico (um farmacêutico industrial), exigido por lei federal. Outros problemas encontrados incluíam áreas físicas inadequadas, fora de especificações e normas sanitárias, equipamentos de produção insuficiente e inadequados em 90% dos casos, possibilidade de contaminação cruzada em 86% das farmácias e 100% delas careciam de qualquer procedimento de controle de qualidade. “Esses estabelecimentos estavam fabricando medicamentos sem laudo de qualidade de matéria-prima, sem controle de qualidade, o que leva a uma quase certeza de um produto sem qualidade, eficácia e segurança para o consumo,” diz Barichello. E vai além: “Não temos no Brasil, ainda, um sistema eficaz de farmaco-vigilância.” Segundo o secretário substituto da Saúde, pesquisas médicas indicam que entre 5% e 8% das internações hospitalares no País são resultantes de efeitos adversos a medicamentos.

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