JUSTIÇA

Vale não pode ser condenada por rompimento de barragem, diz Schvartsman

Em depoimento a deputados, diretor-presidente da empresa afirmou que a Vale "é uma joia da sociedade brasileira" e que desconhece as causas do "desastre"
Por Gilson Camargo* / Publicado em 14 de fevereiro de 2019
O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, foi o único a permanecer sentado quando todo o plenário da Comissão Externa de Brumadinho fez um minuto de silêncio em memória das vítimas do crime de sua empresa

Foto: Lula Marques

O presidente da Vale, Fábio Schvartsman, foi o único a permanecer sentado quando todo o plenário da Comissão Externa de Brumadinho fez um minuto de silêncio em memória das vítimas do crime de sua empresa

Foto: Lula Marques

O presidente da mineradora Vale, Fabio Schvartsman, afirmou nesta quinta-feira, 14, à comissão externa da Câmara dos Deputados sobre Brumadinho, que a companhia foi surpreendida e até hoje não sabe o que causou o derramamento de rejeitos de minérios que provocou a morte de 166 pessoas. Schvartsman, não se levantou quando todo o plenário da Comissão Externa de Brumadinho fez um minuto de silêncio em memória das vítimas do crime de sua empresa.

O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais, ocorreu no último dia 25 de janeiro e o número de mortos, 166 até agora, ainda pode aumentar, já que 155 pessoas estão desaparecidas.

“Fomos surpreendidos por Feijão. Todas as informações nos mostravam que não havia qualquer risco iminente com aquela barragem, não exigindo quaisquer ações da companhia”, disse Schvartsman. “A Vale é uma joia brasileira e não pode ser condenada por um acidente”, completou.

“A Vale é uma joia brasileira e não pode ser condenada por um acidente”, defendeu-se o presidente da Vale. Além de 166 mortos, 155 estão desaparecidos

Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

“A Vale é uma joia brasileira e não pode ser condenada por um acidente”, defendeu-se o presidente da Vale. Além de 166 mortos, 155 estão desaparecidos

Foto: Najara Araujo/Câmara dos Deputados

Ouvido na primeira audiência pública do colegiado, o presidente da Vale, entretanto, admitiu que o sistema de monitoramento adotado pela empresa e os laudos de estabilidade contratados não foram suficientes para antever o desastre. “O que quer que vínhamos fazendo, não funcionou”, disse. A reunião foi proposta pelos deputados Elcione Barbalho (MDB-PA), Zé Vitor (PMN-MG) e Zé Silva (SD-MG) – coordenador da comissão.

Segundo Schvartsman, os laudos de estabilidade funcionam como pedra fundamental de qualquer sistema de mineração no mundo e são produzidos por especialistas nacionais e internacionais. “Se esses laudos, feitos por gente capacitada para isso, dizem que as barragens estão estáveis e não há risco iminente [de ruptura], porque nós, de dentro da companhia, vamos contestar? ”, indagou.

PRISÃO PREVENTIVA – Contrapondo-se à tese de acidente, o procurador-geral de Justiça de Minas Gerais, Antônio Sérgio Tonet, disse que as causas da catástrofe ainda estão sendo apuradas, mas, segundo ele, já há elementos de prova documental para indicar que o rompimento da barragem em Brumadinho não se deu por obra da natureza.

“Já havia preocupação, dentro da empresa, com os riscos daquele empreendimento. A própria promotoria de Defesa do Meio Ambiente já havia instaurado um procedimento investigatório especifico sobre aquela barragem”, disse. Tonet, no entanto, revelou que laudos enviados pela Vale ao Ministério Público em setembro ou outubro do ano passado atestavam a segurança da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

O deputado Rogério Correia (PT-MG) também rebateu a tese de que foi acidente. “É fácil saber que houve liquefação da barragem e a Vale sabia disso”, disse o deputado, que apresentou requerimento para que o Ministério Público peça a prisão preventiva dos diretores da Vale por ocultação de provas.

Já o deputado Igor Timo (Pode-MG) disse que a Vale já sabia do rompimento 15 dias antes. “O geólogo César, funcionário de uma empresa alemã, já havia informado que os censores da barragem foram acionados. Não é normal que não tenha havido tempo para uma avaliação”, criticou.

Em resposta aos deputados, Schvartsman disse que a liquefação está evidente, mas resta saber o que a provocou. “É isso que tem que ser investigado”, disse. Ele esclareceu ainda que o documento da Vale que projetou mortes, custos e até causas possíveis do colapso, atende a uma exigência da Comissão de Valores Imobiliários (CVM).

Vale sabia desde 2017 dos riscos em Brumadinho e em mais nove barragens

Dois relatórios da Vale apontam que a mineradora tinha conhecimento dos riscos de rompimento da barragem 1 da Mina do Córrego do Feijão, em Brumadinho, Minas Gerais. Um documento interno da Vale datado de novembro de 2017 mostra que a barragem já apresentava chances de colapso àquela época e que o risco de rompimento era duas vezes maior que o nível máximo de risco individual tolerável. A empresa contestou a existência desses laudos, alegando que os relatórios não indicavam o risco iminente, mas mostravam que a barragem era “estável”. Outro documento, datado de outubro de 2018, indica que além de ter duas vezes mais chances de se romper do que nível máximo tolerado pela política de segurança da empresa, a barragem estava em uma “zona de atenção”. As informações foram publicadas pela agência de notícias Reuters e confirmadas por fontes ligadas à investigação.

O Ministério Público de Minas Gerais solicitou à Vale, no dia 31 de janeiro, seis dias após o rompimento da barragem de Brumadinho, informações sobre a gestão de risco geotécnico da empresa. “Os documentos apresentados demonstram que, em outubro de 2018, a requerida [Vale] tinha ciência de que, dentre 57 barragens de sua responsabilidade avaliadas, 10 estavam em zona de atenção”, informa trecho da ação. Os documentos apresentados pela Vale ao MPMG, revelam que, além de Brumadinho, as barragens Laranjeiras, em Barão de Cocais, as barragens IV e Menezes II, também em Brumadinho, a Capitão do Mato, Dique B e Taquaras, em Nova Lima, e as barragens Forquilha I, II e III, em Ouro Preto, estavam avaliadas na mesma categoria.  “Todas elas são próximas a núcleos urbanos, havendo pessoas residentes/transitando na zona de autossalvamento”, diz o documento do MP. As informações da Vale ao MP indicam a possibilidade de erosão interna e liquefação na barragem de Brumadinho, como aponta também o inquérito em andamento na Polícia Federal.

*Com Agência Câmara.

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