MOVIMENTO

Privatização da Corsan entra na pauta da Assembleia Legislativa

Os dois projetos de lei que propõem a regionalização e privatização do saneamento no RS podem entrar em votação para destrancar a pauta
Por César Fraga e Marcia Anita / Publicado em 30 de agosto de 2021

Privatização da Corsan entra na pauta da Assembleia Legislativa

Foto: Joel Vargas/ALRS

Foto: Joel Vargas/ALRS

De 15 matérias na Ordem do Dia da Assembleia Legislativa do  RS para a sessão extraordinária híbrida desta terça-feira, 31, dez são do Executivo e cumpriram o prazo de tramitação, passando a trancar a pauta. Destacam-se os dois projetos de regionalização e privatização da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan), assim como a definição do vale-refeição, contratações emergenciais no Instituto Geral de Perícias e extinção da Autarquia Superintendência do Porto de Rio Grande.  Das três matérias de origem parlamentar, uma trata da criação do Fundo de Desenvolvimento da Ovinocultura do Estado (Fundovinos).

CORSAN – No mês de julho o governador Eduardo Leite protocolou o PL 211 que possibilita a privatização da Corsan, e também o PL210 para a regionalização dos 317 municípios atendidos pela Companhia. Estes projetos tramitam em regime de urgência na Assembleia Legislativa, podendo ser votados na terça-feira.

O PL 210/2021, do Poder Executivo, que cria a Unidade Regional de Saneamento Básico Central – URSB Central, com fundamento no disposto na alínea “b” do inciso VI do art. 3º da Lei Federal nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, com a redação dada pela Lei Federal nº 14.026, de 15 de julho de 2020, com o objetivo propiciar viabilidade técnica e econômico-financeira ao bloco e garantir, mediante a prestação regionalizada, a universalização dos serviços públicos de abastecimento de água potável e de esgotamento sanitário. Prazo fatal em 26/08.  O PL 211/2021, do Executivo, autoriza o Poder Executivo do Estado do Rio Grande do Sul a promover medidas de desestatização da Companhia Riograndense de Saneamento – Corsan.

Ato público e assembleia geral

Assim como nas manifestações anteriores, a manifestação será em frente à empresa e caminhada até a Assembleia Legislativa

Foto: Carolina Lima/CUT-RS

Assim como nas manifestações anteriores,
a manifestação será em frente à empresa e caminhada até a Assembleia Legislativa

Foto: Carolina Lima/CUT-RS

Como medida de pressão política, o Sindiágua/RS, convocou todos os seus associados do sindicato, integrantes da categoria profissional e demais interessados empregados da Corsan, para Assembleia Geral Extraordinária e ato público que ocorrerá nesta terça-feira, 31, às 9 horas da manhã no Largo Glênio Peres.

Conforme o Sindiágua, a assembleia deverá mobilizar os trabalhadores também para participar de ato público contra a privatização do saneamento e também para tratar de assuntos pertinentes a eventuais movimentações e reivindicações em relação aos PLs, terceirização dos serviços, juntamente com a falta de concursos públicos, além das atuais condições de trabalhos na Corsan.

O ato-assembleia inicia às 9 horas no Largo Glênio Peres, às 11 horas em frente à sede da Corsan em Porto Alegre, e às 13 horas, haverá uma caminhada até a praça da matriz, onde se localiza o Palácio do Governo e Assembleia Legislativa, que apreciará a matéria.

Uma privatização ensaiada há décadas

Engenheiro José Homero Finamor Pinto integra a Associação dos Técnicos Científicos da Corsan.  Ele conhece bem a empresa, pois ingressou nela há 45 anos, como estagiário. A Corsan tem 55 anos. Desde sua fundação, em 1966, ele diz, a Corsan sofreu ameaça forte no governo Britto, que queria vender tudo que via pela frente. Extinguiu a CRT e a Caixa Econômica Estadual e ainda dividiu a CEE em três empresas. Queria um segundo mandato para privatizar o resto, com a Corsan na mira. Não se elegeu.

Depois disso, ele conta, não houve mais muito problema até chegar ao governo Eduardo Leite. PSDB privatiza tudo o que pode. Vendeu a CEEE Distribuição por R$ 100 mil. Das três empresas, duas foram vendidas, restando somente a CEEE Geração.

Depois de se desfazer de empresas deficitárias – CEEE, Sulgás, CRM, agora o governo Leite encaminha para a AL a venda de três superavitárias: Corsan, Banrisul e Procergs. Para o engenheiro, este é um projeto que “está na cara que é para arrumar dinheiro, não tem a desculpa de estarem falidas, como a CEEE, não dão prejuízo”, argumenta.

Papel estratégico e social

Para o engenheiro, trata-se de um “projeto inconsequente” para arrumar dinheiro pois, no caso da Corsan, o Estado exerce um poder social de abastecimento de água e esgoto nas cidades. Cada uma das 317 cidades onde a Corsan atua é uma concessão. 280 municípios deste total, por serem de porte pequeno e médio, dão prejuízo. Dão lucro os 40 grandes municípios. Este é o braço social da empresa, que garante abastecimento para todos com tarifa única.

“Se vender, a iniciativa privada não vai se preocupar com os 280 que dão prejuízo, vai se importar só com quem dá lucro”. Ele concorda com o trabalho feito pelos dirigentes dos três sindicatos que lutam contra a privatização (Sindiágua , Senge e Sintec): a melhor saída é conversar com prefeitos e vereadores das cidades atendidas, eles são os concedentes dos serviços de água e esgoto, por lei federal.

“Só que o governo estadual quer vender sem consultar as prefeituras, além de derrubar, na Assembleia, o plebiscito para ouvir o povo. Uma política de gabinete apressada, que passa por cima de todos”, alfineta. Nossa posição é defender respeito ao poder concedente, que é a prefeitura. Este é um problema sério que vai estourar logo ali adiante, comprometendo o futuro do Estado.

Pirataria e espionagem industrial

No final de julho, o Sindiágua tornou público que o ex-diretor de Expansão da Corsan, Julio Hofer, solicitou a subordinados backup de seu computador de serviço, uma semana antes de sair da empresa. A denúncia do Sindiágua é que houve pirataria do Plano de Expansão da Corsan, que é coração da empresa.

Hofer se transferiu para a empresa Equatorial, que chegou a anunciar seu interesse na Companhia Riograndense de Saneamento. Arilson Wunsch, presidente do Sindiágua, denuncia que este plano de expansão é da Corsan. Para ele o que houve pode configurar roubo da inteligência da Companhia para privilegiar possíveis compradores.

O Presidente do Sindiágua, Arilson Wunsch, junto com demais dirigentes e entidades ligadas ao Banrisul e Procergs, percorreram municípios gaúchos para falar com prefeitos e vereadores sobre o processo de privatização das três instituições.

Wunsch tem alertado que o projeto de tramitação na Assembleia traz conseqüências à população gaúcha. “É um momento difícil pois, além de enfrentar a pandemia, enfrentamos este desastre promovido pelo governador Eduardo Leite, chamado privatização da água”.

“Lamentamos tudo o que aconteceu na AL, com a aprovação de retirada de plebiscito para debater a privatização. Presidente da AL validou votos de quem nem estava no plenário; tirou, trocou votos”, disse Wunsch, na época. Segundo ele, essa é uma discussão que está na justiça, mas também sabemos como é a justiça. “90% dos deputados que aprovaram foram comprados com troca de favores. Ficou evidente porque, na sequência da votação, anunciaram obras de asfalto, de ponte, troca de bandeira (na pandemia)”, relata.

Para Wunsch, os prefeitos têm muito mais poder que deputados. Se quiserem (os prefeitos) não sai a privatização da Corsan. Se o Estado deixar de ser o acionista majoritário da Companhia, automaticamente o contrato é rescindido entre município e Corsan.

Consultoria sob suspeita

O Procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino, encaminhou ao Tribunal de Contas do RS requerimento para abertura de processo para acompanhamento da desestatização da Corsan. TCE acatou o pedido e designou o conselheiro Cezar Miola como relator.  MPC justifica o requerimento  em face da relevância e do impacto social do tema e da possibilidade de eventuais prejuízos ao interesse público, diante do eventual impacto da abertura de capital e venda do controle acionário da Corsan pretendidos pelo governo Leite.

Na peça, o MPC aponta que, até o momento, não há informações disponíveis quanto ao detalhamento dos investimentos, assim como cronograma  para o atendimento das metas até 2033.

Em 2020 MPC solicitou exame da contratação da empresa Price Waterhouse Coopers para prestação de serviços regulares especiais de auditoria independente com vistas à oferta pública de ações. O valor R$ 5.442.564,67 sem avaliação de a escolha ser vantajosa ou desvantajosa, tampouco se houve avaliações de outras opções do mercado.

Em abril de 2021, a Corsan celebrou contrato de prestação de serviços com a empresa Lefosse Advogados – serviços de assessoria jurídica especializada, no valor de R$ 1.627.935,90.

A Corsan também celebrou dois contratos mediante inexigibilidade de licitação com as empresas Machado e Timm Advogados e Aloísio Zimmer Advogados Associados. Estes contratos foram objeto de representação protocolado no Sindicato dos Engenheiros, Sindiágua e Sindicato dos Técnicos Industriais de Nível Médio (Sintec), em tramitação na Corte de Contas. Foram suscitadas possíveis irregularidades.

A dúvida que permanece é se eventual alienação do controle acionário permitirá a manutenção da tarifa sem prejudicar a universalização do acesso e segurança, qualidade e continuidade da prestação. Para tanto, devem ser mostradas as justificativas técnicas e operacionais acerca da abertura de capital e venda de controle acionário. Este processo deve ter acompanhamento pari passu do Tribunal de Contas e Ministério Público.

TCE só se manifesta após averiguação

Geraldo da Camino não dá entrevistas antes do despacho do relator. O processo segue em tramitação. O conselheiro Cezar Miola, que informou que os conselheiros não podem falar sobre os projetos que serão apreciados pelo TCE-RS.  O conselheiro é o relator dessa matéria, o que significa que deverá estudá-la a fundo e, eventualmente, solicitar o apoio da área técnica do TCE-RS para diligências, se assim entender necessário.  Uma vez firmada a sua convicção, ele poderá emitir ou não uma medida cautelar (uma decisão monocrática equivalente às liminares do Poder Judiciário). O mérito final do processo será examinado pelo Conselho do TCE-RS em data a ser determinada.

No começo de agosto, o presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Água Pública, deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) encaminhou, ao Presidente do TCE,  Cezar Miola, denúncia ao TCE sobre 14 indícios de irregularidades nos processos de privatização Corsan e no processo de regionalização do setor no RS.

Entre as possíveis irregularidades apontadas estão a contratação pela Corsan, sem licitação, de escritórios de advocacia, que teriam a função de produzir pareceres favoráveis a colocação de aditivos nos projetos de saneamento já celebrados entre municípios e Companhia, sem a aprovação nas respectivas Câmaras de Vereadores. O deputado também acusa a Ampliação de 3 para 21 os cargos de diretoria, com pessoas escolhidas politicamente para entregar a Companhia à iniciativa privada antes mesmo de haver autorização Legislativa para a operação.

Fernandes também formalizou denuncia do fato de um funcionário que ocupou cargo comissionado na Corsan ter gravado para si informações estratégicas antes de deixar a Companhia e ser admitido na Equatorial Energia, empresa que quer comprar a Corsan. Outro ponto é a criação, pelo diretor da Companhia, de um código de censura e ameaça de demissão, para evitar que os servidores denunciem irregularidades no processo de privatização.

Cezar Miola, do TCE, destacou que já há representações no TCE em relação à contratação de escritórios de advocacia sem licitação; que já receberam denúncias quanto à contratação de CCs e que há representação no MPC. Ele garantiu que os encaminhamento foram dados e que o TCE trabalhará no sentido da preservação do interesse público e da ordem pública.

 

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