CULTURA

A música dos quilombos em livro

Obra é resultado de três anos de pesquisa, observação e convivência com comunidades negras de Osório, Mostardas e Rio Pardo
Por Christian Lavich Goldschmidt / Publicado em 29 de abril de 2013

Professora adjunta do Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e membro do Grupo de Estudos Musicais (GEM/Ufrgs) desde 1993, Luciana Prass lançou recentemente, pela Editora Sulina, Maçambiques, Quicumbis e Ensaios de Promessa: musicalidades quilombolas do sul do Brasil, fruto de pesquisa etnomusicológica desenvolvida entre 2006 e 2009 para sua tese de doutorado. Foram três anos de observação e convivência com quilombolas de Osório e das comunidades de Casca, em Mostardas e Rincão dos Negros, em Rio Pardo, acompanhando suas práticas musicais e resgatando histórias sobre elas.

O lançamento do livro que recebeu o Prêmio Funarte de Produção Crítica em Música 2012 ocorreu no dia 23 de março, no Museu da Ufrgs, com apresentação do Grupo Maçambique de Osório, tendo à frente o chefe Faustino Antônio. A Ufrgs, sempre que possível, convida o grupo de maçambiqueiros para participar de seus eventos; com isso eles estão adquirindo maior respeito na própria cidade de Osório, que, segundo a pesquisadora, carrega um histórico de fases melhores e fases piores nas relações entre a igreja, o poder público e a comunidade negra. Mas é sempre um trabalho contínuo. Os integrantes do Maçambique não podem interromper as negociações. Não podem “baixar a guarda”. Precisam estar sempre atentos para que a manifestação continue.

Conforme Francisca Dias, presidente da Associação Religiosa e Cultural Maçambique de Osório, talvez o mais difícil para os membros do grupo seja falar da saída do quilombo do Morro Alto, que hoje luta para garantir o direito de posse das terras deixadas em testamento para 18 ex-escravos por Rosa Osório Marques, antiga dona da fazenda do Morro Alto. É um direito que foi definido na Constituição Federal de 1988, por meio do Artigo 68 das Disposições Transitórias e do Decreto 4.887, de 2003. Por isso, o governo deve titular as suas terras.

Fotos: Ed. Sulina/Divulgação

Ed. Sulina/Divulgação

Terno de maçambiques desfilando e cantando.
Em primeiro plano (de turbante preto), o capitão
Luiz Cristino Ferreira. LE/UFRJ, Mary Rowell.
Osório, 1945

Ed. Sulina/Divulgação

A tese de Luciana Prass e outros trabalhos realizados na comunidade contribuíram para que o grupo não só passasse a ter mais visibilidade, mas também para que eles tivessem acesso a esse material de cunho teórico e científico que deu maior organicidade na sua história.

Quanto aos resultados alcançados com sua pesquisa de doutorado, e sua repercussão, Prass considera que foi uma grande conquista a própria devolução para a comunidade do maçambique de Osório dos documentos e gravações feitas em 1946 pelos pesquisadores Ênio de Freitas e Castro e Luiz Heitor Corrêa de Azevedo, a que teve acesso através do Laboratório de Etnomusicologia da UFRJ. Mas o mais importante, segundo a autora, foi desvelar a existência de uma possível “rede” de congadas existente no RS, muito intensa no século 19 e resistindo em algumas regiões, como em Osório e Tavares, até hoje. A presença dessas tradições de Maçambiques, Quicumbis e Ensaios de Promessa em comunidades quilombolas gaúchas corrobora a percepção da força que liga essas práticas criativas à terra, ao território e às lutas contemporâneas pelo reconhecimento de seus direitos.

Comentários