Ondina Fachel e os gaúchos de verdade em seu habitat

Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Ondina Fachel Leal, antropóloga
Foto: Acervo pessoal/Divulgação
Muito já foi escrito, em décadas, sobre o homem que se formou ao longo do tempo no extremo sul do Brasil. Há dezenas de interpretações, ou tentativas de interpretação, dessa que alguns mais ideológicos e/ou menos informados, gostam de chamar de “raça”. Tenho lido vários livros, de autores consagrados. Mas nenhum tão intenso, informativo e vigoroso quanto Os Gaúchos – Cultura e identidade masculinas no Pampa, da antropóloga Ondina Fachel Leal, ex-professora titular da Ufrgs.
Trata-se da materialização em livro, mais de 30 anos depois, da tese de doutorado de Ondina apresentada em 1989 na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Não sei por que demorou tanto a vir a público, mas tal questão já não é relevante. Importante é que agora aqui está, para afirmar certos conceitos e pulverizar outros. A pesquisa de campo para a tese foi feita literalmente no campo, nos lados de cá e de lá da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.
Entre idas e vindas, de 1986 a 1988 Ondina passou mais de dois anos hospedada em uma estância em Alegrete, a partir da qual se ramificavam seus interesses. Na estância viviam basicamente o capataz e sua mulher, que cozinhava e tomava conta da casa do patrão (boa parte do tempo ausente) e vários homens, que cuidavam do gado. A primeira iniciativa dela foi procurar quebrar a resistência da peonada à presença de uma professora, e mais, uma mulher que, no galpão, território exclusivo deles, queria conhecê-los, saber de suas vidas, seus pensamentos.
Aos poucos, conquistando a simpatia dos menos refratários primeiro, Ondina consegue reduzir as desconfianças do grupo, consegue entender as piadas e brincadeiras em princípio, para ela, quase enigmáticas, devido ao linguajar e os signos próprios. Depois de familiarizada com os peões, ela decide partir para o entorno, o espaço além-estância, chamado de “as casas”. São os tradicionais vilarejos no meio do campo, onde ao redor de uma “venda” ou bolicho em que a peonada se abastece de alimentos, bebidas alcoólicas, doces, se diverte nas rinhas de galo, jogado truco etc. E onde comumente estão as parteiras e as benzedeiras. No contato com essas mulheres, que também nunca são ouvidas por alguém de fora, Ondina extrai histórias que, por si, valeriam romances.
O gaúcho em seu cenário

Foto: Tomo/Divulgação
Foto: Tomo/Divulgação
Este comentário dá apenas uma passada d’olhos sobre o livro, é preciso lê-lo. Mesmo que se possa discordar de alguma (rara) imprecisão, nada de mais potente foi escrito antes para entender o gaúcho rio-grandense histórico, o do campo, do cavalo, e o da lenda, Escrito por uma mulher, o que não deixa de ser sintomático e especialmente interessante. Os Gaúchos é um livro que chega para ser referência. Além da notável pesquisa ao vivo, Olinda Fachel Leal se apoia em vasta bibliografia .
Lançado pela Tomo Editorial (www.tomoeditorial.com.br), onde está à venda por R$ 65, o livro de capa dura tem 364 páginas, com caderno de fotos. Prefácios de Luiz Fernando Dias Duarte, professor titular de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ e Luís Augusto Fischer, professor titular de Literatura Brasileira no Instituto de Letras, Ufrgs.