OPINIÃO

Ondina Fachel e os gaúchos de verdade em seu habitat

O livro Os Gaúchos – Cultura e identidade masculinas no Pampa é uma visão antropológica sobre os homens que habitam o extremo sul do Brasil
Por Juarez Fonseca / Publicado em 8 de agosto de 2022

Envios diários

Envios diários

Ondina Fachel e os gaúchos de verdade em seu habitat

Foto: Acervo pessoal/Divulgação

Ondina Fachel Leal, antropóloga

Foto: Acervo pessoal/Divulgação

Muito já foi escrito, em décadas, sobre o homem que se formou ao longo do tempo no extremo sul do Brasil. Há dezenas de interpretações, ou tentativas de interpretação, dessa que alguns mais ideológicos e/ou menos informados, gostam de chamar de “raça”. Tenho lido vários livros, de autores consagrados. Mas nenhum tão intenso, informativo e vigoroso quanto Os Gaúchos – Cultura e identidade masculinas no Pampa, da antropóloga Ondina Fachel Leal, ex-professora titular da Ufrgs.

Trata-se da materialização em livro, mais de 30 anos depois, da tese de doutorado de Ondina apresentada em 1989 na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Não sei por que demorou tanto a vir a público, mas tal questão já não é relevante. Importante é que agora aqui está, para afirmar certos conceitos e pulverizar outros. A pesquisa de campo para a tese foi feita literalmente no campo, nos lados de cá e de lá da fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai.

Entre idas e vindas, de 1986 a 1988 Ondina passou mais de dois anos hospedada em uma estância em Alegrete, a partir da qual se ramificavam seus interesses. Na estância viviam basicamente o capataz e sua mulher, que cozinhava e tomava conta da casa do patrão (boa parte do tempo ausente) e vários homens, que cuidavam do gado. A primeira iniciativa dela foi procurar quebrar a resistência da peonada à presença de uma professora, e mais, uma mulher que, no galpão, território exclusivo deles, queria conhecê-los, saber de suas vidas, seus pensamentos.

Aos poucos, conquistando a simpatia dos menos refratários primeiro, Ondina consegue reduzir as desconfianças do grupo, consegue entender as piadas e brincadeiras em princípio, para ela, quase enigmáticas, devido ao linguajar e os signos próprios. Depois de familiarizada com os peões, ela decide partir para o entorno, o espaço além-estância, chamado de “as casas”. São os tradicionais vilarejos no meio do campo, onde ao redor de uma “venda” ou bolicho em que a peonada se abastece de alimentos, bebidas alcoólicas, doces, se diverte nas rinhas de galo, jogado truco etc. E onde comumente estão as parteiras e as benzedeiras. No contato com essas mulheres, que também nunca são ouvidas por alguém de fora, Ondina extrai histórias que, por si, valeriam romances.

O gaúcho em seu cenário

Ondina Fachel e os gaúchos de verdade em seu habitat

Foto: Tomo/Divulgação

Foto: Tomo/Divulgação

Mas o livro não se limita aos entornos da estância. Vai também para a cidade de Alegrete, a vizinha Uruguaiana, onde estão os médicos e as farmácias, os supermercados, as lojas e, entre outras coisas, onde está o “chinaredo”, a diversão. A trilha-sonora tem as músicas dos festivais nativistas, então no auge – principalmente a Califórnia da Canção Nativa que, claro, entrou no radar da antropóloga – ela cita várias letras de músicas que se encaixam na narrativa de “seu” gaúcho “típico” e também a ajudam a abordar fenômenos como o suicídio e o êxodo rural. Enquanto projeta os cenários, Ondina conduz o leitor para os questionamentos e a compreensão daqueles ambientes que, ao fim e ao cabo, desde o século 19 forjaram uma a história que, para o bem e/ou para o mal, é a que temos.

Este comentário dá apenas uma passada d’olhos sobre o livro, é preciso lê-lo. Mesmo que se possa discordar de alguma (rara) imprecisão, nada de mais potente foi escrito antes para entender o gaúcho rio-grandense histórico, o do campo, do cavalo, e o da lenda, Escrito por uma mulher, o que não deixa de ser sintomático e especialmente interessante. Os Gaúchos é um livro que chega para ser referência. Além da notável pesquisa ao vivo, Olinda Fachel Leal se apoia em vasta bibliografia .

Lançado pela Tomo Editorial (www.tomoeditorial.com.br), onde está à venda por R$ 65, o livro de capa dura tem 364 páginas, com caderno de fotos. Prefácios de Luiz Fernando Dias Duarte, professor titular de Antropologia do Museu Nacional/UFRJ e Luís Augusto Fischer, professor titular de Literatura Brasileira no Instituto de Letras, Ufrgs.

 

Comentários