OPINIÃO

Reforma tributária de Guedes cobra mais da sociedade e facilita privatizações com dinheiro da Previdência

Por Maria Lucia Fattorelli / Publicado em 24 de julho de 2020

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou a proposta do governo federal com parte da reforma tributária, no dia 21 de julho, aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP)

Foto: Michel Jesus/Câmara dos Deputados

O ministro da Economia Paulo Guedes entregou ao Congresso Nacional a primeira fase da proposta de reforma tributária, referente à criação de uma nova contribuição social que incidirá sobre operações com bens e serviços, a CBS.

Apesar da propaganda de que estariam promovendo uma grande simplificação e facilitando a vida do contribuinte, na prática, a proposta provocará aumento da carga tributária e a simplificação é pífia, tendo em vista que a nova CBS engloba apenas duas contribuições sociais já existentes: a Cofins (contribuição para o financiamento da Seguridade Social) e PIS/Pasep (contribuições para os programas de integração social e formação de patrimônio do servidor público).

Na Câmara, a proposta recebeu o número de PL 3.887/2020, e determina que CBS incidirá sobre o auferimento da receita bruta, à alíquota de 12%, exceto para instituições financeiras, que terão tratamento privilegiado: alíquota de 5,8% e ainda poderão fazer diversas deduções da base de cálculo.

A alíquota de 12% será repassada aos consumidores e destacada na nota fiscal referente à venda de bens e serviços, ou seja, os consumidores pagarão essa contribuição majorada.

Porém, as empresas não recolherão esses 12% aos cofres públicos, pois a CBS não será cumulativa, ou seja, os contribuintes poderão escriturar os valores pagos em suas compras e compensar com o valor que incidiu sobre suas vendas, recolhendo somente a diferença.

Conforme exposição de motivos do PL 3.887/2020, “todo e qualquer crédito vinculado à atividade empresarial poderá ser descontado da CBS devida e os créditos acumulados serão devolvidos.”

Preço será cobrado da população

O PL 3.887/2020 trouxe para a legislação federal a Súmula 509 do STJ, referente ao ICMS, e admite que “a pessoa jurídica adquirente de boa-fé, na hipótese de declaração de inidoneidade do documento fiscal ou da pessoa jurídica emitente, poderá apropriar crédito da CBS desde que comprove a ocorrência da operação e o pagamento do preço”.

Sem dúvida, está havendo uma facilitação para o aproveitamento de créditos, porém, não são todas as empresas que possuirão créditos para compensar, em especial algumas do setor de serviços.

Compensando ou não, a sociedade que consome pagará pela nova alíquota de 12%, que certamente impactará no aumento dos preços cobrados da população.

Atualmente, na modalidade de não-cumulatividade (modalidade que permite a compensação de créditos), as alíquotas da Cofins e do PIS/Pasep são respectivamente de 7,6% e 1,65%, portanto, somadas, correspondem a uma carga tributária de 9,25%. As instituições financeiras já possuem tratamento privilegiado atualmente e pagam 4% e 0,65%, respectivamente, a título de Cofins e PIS/Pasep.

A outra modalidade, na qual não há compensação de créditos, tem sido utilizada pelas milhões de empresas tributadas pelo Lucro Presumido, em especial as prestadoras de serviços, que não possuem muitos créditos para compensar. Atualmente, as alíquotas da Cofins e do PIS/Pasep para quem não compensa créditos são respectivamente de 3% e 0,65%, totalizando 3,65%. Essa modalidade está sendo extinta pelo PL 3.887/2020.

Mais pesado para as pessoas de baixa renda

É inegável o aumento da carga tributária sobre o consumo, o que agrava a regressividade do modelo tributário brasileiro, e o seu ônus muito mais pesado, proporcionalmente, sobre as pessoas de baixa renda, que empregam tudo que ganham para adquirir produtos necessários à sua sobrevivência.

Mais da metade da arrecadação tributária brasileira advém de tributos que incidem sobre o consumo, o que coloca o Brasil como um dos países mais injustos do mundo em matéria tributária.

A nova CBS vai piorar essa condição, quando deveríamos estar buscando o contrário, tendo em vista a dramática desigualdade social já existente no Brasil. O sistema tributário pode e deveria ser a via mais óbvia para distribuir renda, desde que os tributos sejam cobrados diretamente sobre os grandes lucros e fortunas dos mais ricos. Estamos fazendo o inverso!

A proposta de Guedes ainda representará um risco financeiro ao financiamento da Seguridade Social, que atualmente tem a garantia de receber a totalidade do que se arrecada a título de Cofins e passará a receber um percentual do que se arrecadará com a CBS.

De acordo com o PL 3.887/2020, apenas uma parte da arrecadação da CBS irá diretamente para o caixa da Seguridade Social, tendo em vista que está mantida a destinação de recursos às finalidades do Art. 239 da Constituição Federal, que destina no mínimo 28% das contribuições do PIS/Pasep para o Bndes.

Com a criação da CBS, a destinação de recursos arrecadados pela contribuição ao Pis/Pasep foi modificada, conforme artigos 89 e 90 do PL 3.887/2020, que destinam, respectivamente, 12,95% da CBS ao FAT e 5,3% ao Bndes.

Privatizações do patrimônio público

Conforme tabela no final deste artigo, em 2019, a arrecadação do Pis/Pasep foi de R$ 67,5 bilhões, enquanto a Cofins arrecadou mais de R$250,5 bilhões, ou seja, quase quatro vezes mais.

A atual garantia de destinação da totalidade da arrecadação da Cofins ao financiamento da Seguridade Social passa a ficar sujeita a um percentual da CBS, que pode ser alterado a qualquer momento, por exemplo, aumentando-se a parcela destinada ao Bndes, que tem financiado privatizações de patrimônio estratégico, contrariamente aos interesses da sociedade e da economia do país, e na contramão do que o resto do mundo está fazendo.

Assim, na prática, sob a justificativa de simplificação tributária, a proposta de Guedes aumenta a carga tributária que recai sobre o consumo, penalizando os mais pobres, e fragiliza o caixa da Seguridade Social, podendo ainda facilitar o direcionamento de recursos para a priorização de seu objetivo de “privatizar tudo”!

É preciso que o Congresso Nacional aprofunde o debate para que a reforma tributária necessária aconteça em direção oposta, aumentando-se os tributos diretos que incidem sobre os lucros, grandes fortunas e demais ganhos sobre aplicações financeiras.

 

*Maria Lucia Fattorelli é auditora fiscal. Integra a associação Auditoria Cidadã da Dívida. Escreve mensalmente para o jornal Extra Classe.

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