ECONOMIA

Bolsonaro sancionou privatização da Eletrobras com 14 vetos

Vetos atingem questões trabalhistas, veda que funcionários possam adquirir ações e proíbe mecanismos para baixar conta de luz. Partidos e sindicatos apontam inconstitucionalidades ao STF e TCU
Da Redação* / Publicado em 13 de julho de 2021
Usina de Tucuruí, no Pará, controlada pela Eletronorte, subsidiária da Eletrobras

Foto: Beto Hacker/ Agência Senado

Usina de Tucuruí, no Pará, controlada pela Eletronorte, subsidiária da Eletrobras

Foto: Beto Hacker/ Agência Senado

Na manhã desta terça-feira, 13, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei 14.182/21,  que autoriza a desestatização da Eletrobras, empresa ligada ao Ministério de Minas e Energia responsável por 30% da energia gerada no País. Ao todo são 14 vetos. Oriundo da Medida Provisória 1031/21, o texto foi publicado nesta terça-feira, 13, no Diário Oficial da União.

O modelo de desestatização escolhido prevê a emissão de novas ações da Eletrobras, a serem vendidas no mercado sem a participação do governo, o que vai resultar na perda do controle acionário de voto mantido atualmente pela União, e na remessa dos valores adquiridos diretamente para o caixa da empresa. A União receberá bônus pelas outorgas das concessões de geração da Eletrobras.

O governo Bolsonaro espera concluir a operação até o início de 2022. Com a lei, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) já poderá contratar os estudos para a desestatização da Eletrobras, por meio da diluição do capital social. O Tribunal de Contas da União (TCU) deverá acompanhar os trabalhos.

Segundo o Ministério das Minas e Energia, a nova lei destinará recursos para revitalização dos rios São Francisco e Parnaíba (R$ 3,5 bilhões em dez anos); para geração de energia na Amazônia Legal e navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins (R$ 2,95 bilhões); e na área de atuação de Furnas (R$ 2,3 bilhões).

Não há ainda data para que o Congresso Nacional analise os vetos à nova lei, que acabaram agrupados em 12 blocos no despacho a ser enviado pelo Poder Executivo. Para que um veto presidencial seja derrubado, é necessário o apoio mínimo de 257 votos na Câmara dos Deputados e de 41 no Senado Federal.

STF derrubou liminar

Na sexta-feira, 9, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), cassou, na sexta-feira a decisão de um juiz federal de Pernambuco que suspendia os efeitos da MP 814/2017, que permite a privatização da Eletrobras e subsidiárias. Moraes atendeu a uma reclamação feita pela Câmara dos Deputados, apresentada em 15 de janeiro.

A Câmara dos Deputados e a Advocacia-Geral da União (AGU) recorreram ao STF para derrubar a decisão que cortava os efeitos da MP, enviada em dezembro do ano passado. No início do ano, o juiz Claudio Kitner, da Justiça Federal de Pernambuco, suspendeu liminarmente os efeitos da medida provisória, em resposta a uma ação popular ajuizada por Antônio Ricardo Accioly Campos, irmão do ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, morto em 2014. Na decisão, o juiz afirmou que o governo federal não justificou o porquê de aprovar a questão por meio de MP.

Inconstitucionalidade

A inconstitucionalidade da MP 1031 foi apontada pela Consultoria do Senado. “Tanto a privatização da Eletrobrás quanto a prorrogação das concessões de geração são inconstitucionais”, destacou parecer. O órgão lembra que a Constituição exige a realização de licitação tanto de estatais quanto de usinas. “Logo, em obediência ao princípio da legalidade, a Administração Pública não pode adotar casuisticamente o aumento de capital mediante subscrição pública de ações, um instrumento do direito societário, como se licitação pública fosse”, diz nota da consultoria.

Na tarde desta terça-feira, 13, antes da cerimônia de sanção da Lei, o Podemos protocolou no STF uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin)  para tentar derrubar a lei. O senador Alvaro Dias (PR), líder do partido, diz que a sigla não é contra a privatização da Eletrobras, mas afirmou que a legislação aprovada contraria a Constituição Federal, em prejuízo do consumidor.
“Entendemos ser importante privatizar algumas estatais. Contudo, se aprovou no Congresso uma espécie de cambalacho, estabelecendo benefícios localizados e privilégios, muito longe de atenderem ao interesse público”, disse, em nota para a imprensa. Conforme Alvaro Dias, o presidente Jair Bolsonaro vetou vários pontos, mas não afastou os “equívocos” que podem tornar a energia mais cara. “Os principais jabutis, inseridos na Câmara e no Senado, foram mantidos. Isso não é privatização. É entrega. Não podemos concordar com o descalabro de uma proposta que atende à desonestidade”, afirma.

Vetos

Bolsonaro vetou a possibilidade de empregados demitidos após a privatização adquirirem ações da empresa com desconto. Para ele, vendas de ações dessa forma tipificam conduta ilegal de distorção de práticas de mercado.

Também foi vetada a permissão para que funcionários demitidos até um ano após a privatização sejam realocados em outras empresas públicas. Neste caso, Bolsonaro alega que práticas desse tipo violam a Constituição em relação ao acesso a emprego público por concurso.

Foi vetada ainda a proibição de extinção, fusão ou mudança de domicílio estadual, durante 10 anos, da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), de Furnas, da Eletronorte e da Eletrosul. De acordo com o chefe do Executivo, proibições desse tipo prejudicam a gestão da Eletrobras privatizada, tirando flexibilidade na adoção de novas estratégias.

Outro item vetado foi a realocação de populações na faixa de servidão de linhas de transmissão com tensão igual ou superior a 230 quilovolts (Kv). Para o governo, a medida prejudica o programa Casa Verde e Amarela. Ao não mencionar a renda das famílias a serem realocadas, afirma o Executivo, o texto fere outra premissa do programa de habitação popular, que é o atendimento a famílias de baixa renda.

O presidente ainda vetou o impedimento para que um indicado à direção do Operador Nacional do Sistema (ONS) só possa assumir o cargo após sabatina e aprovação pelo Senado. Para o governo, o ONS é um órgão de direito privado e não deve passar por este tipo de sabatina. De acordo com Bolsonaro, a interpretação já conta com jurisprudência no STF, e interferências deste tipo podem prejudicar a gestão do operador. “A governança do setor elétrico deve ser pautada exclusivamente por critérios técnicos, visando estimular a competitividade do mercado”, alega

Ação especial

O modelo de desestatização da Eletrobras prevê a emissão de novas ações a serem vendidas no mercado, resultando na diluição da participação da União e, assim, na perda do controle acionário. O governo Bolsonaro já havia tentado aprovar essa mudança por meio de proposta enviada em 2019 (PL 5877/19).

Com o dinheiro oriundo da capitalização por ações, espera-se a retomada dos investimentos da Eletrobras. Ação de classe especial (golden share) garantirá o poder de veto da União em decisões da assembleia de acionistas, e o estatuto novo impedirá que alguém ou um grupo venha a ter mais de 10% dos votos.

O texto autoriza ainda o governo a criar uma empresa pública ou sociedade de economia mista para administrar a Eletronuclear, que controla as usinas de Angra, e a Itaipu Binacional, administrada conjuntamente por Brasil e Paraguai. Por questões constitucionais, ambas devem ficar sob controle da União.

Programas  

Pela nova lei, caberá à nova Eletrobras assumir uma série de programas sociais e ambientais. Alguns envolvem a revitalização das bacias hidrográficas dos rios São Francisco e Parnaíba, a garantia de navegabilidade dos rios Madeira e Tocantins e a revitalização das bacias na área de influência dos reservatórios das usinas hidrelétricas de Furnas. Os programas terão comitês gestores presididos por indicados de ministros de Estado e prestarão contas ao Tribunal de Contas da União (TCU) e à Controladoria-Geral da União (CGU).

Outras ações visam à redução do custo de energia elétrica na Amazônia Legal. Os aportes a todas as ações sociais e ambientais por parte da Eletrobras devem durar até 2033. Após isso, serão custeados com o excedente de recursos econômicos da Usina de Itaipu.

Termelétricas 

A lei estipula a contratação, pela União, de usinas termelétricas a gás natural para abastecimento de estados nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O mesmo ocorrerá em áreas do Sudeste hoje atendidas pela Sudene (Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste) e nos estados produtores de gás natural.

Serão um total de 6 mil megawatts (Mw) de energia provida pelas termelétricas ao longo de 15 anos, divididos assim:

. 1 mil Mw no Nordeste, em regiões metropolitanas de estados que não tenham na sua capital ponto de suprimento de gás natural;

. 2 mil Mw no Norte, distribuídos nas capitais ou em regiões metropolitanas onde seja viável a utilização de reservas provadas de gás natural da Amazônia;

. 2 mil Mw no Centro-Oeste, nas capitais ou em regiões metropolitanas que não possuam ponto-suprimento de gás natural; e

. 1 mil Mw no Sudeste, sendo 50% para estados produtores de gás natural e 50% para estados não-produtores de gás natural na área da Sudene.

Novas estatais

A lei 14.182, de 2021, prevê a criação de uma nova empresa estatal para gerir a Eletronuclear (que controla as usinas de Angra) e a Itaipu Binacional, que não serão privatizadas. A estatal ainda manterá os direitos e obrigações do Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfra).

A norma também determina que os próximos leilões de energia nova (empreendimentos ainda fora da rede) deverão destinar o mínimo de 50% da demanda declarada pelas distribuidoras à contratação de pequenas centrais hidrelétricas com potência de até 50 Mw. O percentual será aplicado até que o sistema alcance 2 mil Mw. Após isso, o índice cairá para 40% da demanda até 2026. As contratações serão por 20 anos e com preço máximo equivalente ao teto estabelecido no leilão para pequenas hidrelétricas.

Linhão de Tucuruí

O texto garante a extensão do Linhão de Tucuruí, que distribui energia para localidades ao norte do rio Amazonas, até Boa Vista. O novo sistema fará a conexão de Roraima com o Sistema Interligado Nacional (SIN). A obra, contratada por leilão em 2011, deveria ter sido concluída em 2015, mas ainda está em execução. O motivo é que, do total de 721 Km do traçado previsto para ser erguido, 125 Km passam dentro da reserva Waimiri-Atroari e há questionamentos ambientais. Diante do atraso na obra, a concessionária responsável pelo empreendimento acionou a Justiça, pedindo a rescisão do contrato.

*Com informações do STF, Presidência da República, Diário Oficial da União, Agência Câmara e Agência Senado.

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