OPINIÃO

Alfredo e Gisele

Publicado em 22 de julho de 2004

– Sora vê, daqui do táxi a gente sabe é cada coisa… Sabe e aprende, aprende até a não ter preconceito. Outro dia peguei um casal assim já de meia-idade, bem apessoado, lá no Centro, no Teatro Municipal. Eles tinham ido vê uma tal de uma Ópera, sei lá. Já eram umas 11 e meia da noite, a gente veio bem até o Aterro, entramos em Botafogo e o trânsito emperrou. A mulher já azedou na hora e foi falando para o marido:

– Que trânsito é esse, quase meia-noite? Não é esquisito, Alfredo?
E o tal do Alfredo parecia um homem rico, mas não era fino, sabe? E não gostava mais dela, eu acho. O cara era uma múmia. A resposta dele pras conversas da mulher tavam mais pra rosnado, sabe?

– Alfredo, isso não é um absurdo? Nós aqui parados num trânsito quase de madrugada, não entendo, é estranho, hoje é sábado. Será que é algum acidente, Alfredo?

Como o homem não dizia nada, aí e eu interrompi:

– Com todo respeito, sabe o que é isso, madama? Simplesmente aqui virou um lugar só de “homensexuais” e mulher sapatona. É cheio de barzinho deles, a rua toda. Fim de semana ferve. Quem quiser ver homem beijando homem e mulher se esfregando em mulher, é aqui mesmo.

– Você tá ouvindo, Alfredo? Meu Deus, eles agora têm até bar pra eles, até rua!? Não é um absurdo, Alfredo?

-Ô, Onça, cê me conhece, sabe bem como é que eu sou. Pra mim isso se resolve é na porrada. Se eu sou o pai, desço do carro e não quero nem saber o que é que entortou, o que é que virou, não quero saber o que é cu e o que é fechadura, baixo o sarrafo na cambada! Eu, com sem-vergonhice, o sangue sobe, eu viro bicho.

– Pára de falar essas palavras de baixo calão, Alfredo. Hum! Fica de gracinha que a pressão vai lá nos Alpes, você sabe muito bem o que é que o médico falou…, não é, motorista? Alfredo não é muito esquentado?
Eu dei o meu pitaco:

– É, madame, o negócio que ele tá falando é como eu vi no filme. Uma metáfora. Ele não vai bater, vai só ficar zangado.

– E o senhor sabe o que é metáfora? O senhor entende de metáforas? Escuta isso, Alfredo! O que é metáfora, seu motorista?

– Metáfora, pelo que eu entendi, é assim: aquilo não é aquilo, mas é como se fosse aquilo. Então, em vez da gente dizer que aquilo é como se fosse aquilo, a gente diz que aquilo é aquilo. Mas não é. É como se fosse. Foi?

– Eu acho que o senhor tá certo, mas na verdade eu estou é chocada com essa libertinagem. Olha aquele homem… que safadeza meu Deus! E de bigode ainda! Escuta isso, Alfredo!

– Escutar o quê, Coisa?

– O que eu estou vendo, gente! Ai, Alfredo, não está vendo? Parece que é cego, não é, motorista?

– Hoje tá até fraco. – Eu falei. – Hoje nem tem os “general”!

– Quem são? Escuta isso, Alfredo!

– General das sapatona é aquelas de coturno que parece mais com um macho do que qualquer coisa. E o outro general é o homem transformista que é a traveca, mas anda é na gillete mesmo.

– Tá ouvindo, Alfredo? A violência e a decadência como estão?

– E a gente vai ter que ficar parado nesta merda, ô Coisa?

– Calma, Alfredo, não fica nervoso! Isso é questão do nível das pessoas. A gente que tem…, não é, motorista?, … mais condições, temos que entender essa…, essa…, como é que eu digo, meu Deus? Essa…

– Putaria!

Falamos juntos, eu e o tal do seu Alfredo com cara de doutor de num sei de quê.

– Cruzes, Alfredo, não era isso que eu ia… Alfredo, olha aquela moça! Gente, uma menina, dezoito no máximo, e a outra maiorzuda no meio das pernas da coitadinha, fazendo sabe lá o quê!!! Tá vendo, Alfredo, aquela ali? Ali, aquela, Alfredo, em cima do carro! Olha lá, Alfredo, a mão da grandona na menina! Elas vão ser beijar na boca, minha Nossa Senhora…

– Que transitozinho, hein? nunca mais viremos por Botafogo, tá decidido!

– Mas, Alfredo, olha a menina! Tá beijando, tá beijando, tá beijando, Alfredo! Ela parece…, Alfredo, é Gisele! Alfredo! Nossa filha!?

– Filha da puuuutaaa…

E desmaiou o tal doutor, enquanto a jararaca da mulé ventou porta afora de sapato na mão atrás das duas e eu pensando: não quero nem saber, encosto aqui mesmo e espero o resolver, que uma corrida dessa eu não vou perder, que eu não sou bobo e nem sou rico. É ruim de eu ir embora, heim?

Então eu fiquei naquela situação: eu com um cara que era um ex-valente todo desmaiado no banco de trás parecendo uma moça, a mulé saiu pisando forte que nem um general, quer dizer, tudo trocado e eles reclamando da filha. Se eu pudesse, eu ia lá defender a moça, mas não posso, já que o negócio é de família, né?

Eu não tenho preconceito, mas é isso que eu tava falando pra senhora: daqui a gente sabe cada coisa! E é cada um com o seu cada qual.

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