EDUCAÇÃO

Vigiar professores em sala de aula é ilegal, diz Conselho Estadual de Educação

Eventual medida anunciada por Damares e Weintraub ferem a Constituição, a legislação educacional e o pacto de liberdade e confiança que embasa a educação
Por Gilson Camargo / Publicado em 11 de dezembro de 2019
Após investidas do Escola sem partido, um Termo de Compromisso foi firmado em agosto entre a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o SInpro/RS e demais entidades educacionais para combater o assédio a professores

Foto: Sinpro/RS

Após investidas do Escola sem partido, um Termo de Compromisso foi firmado em agosto entre a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão, o SInpro/RS e demais entidades educacionais para combater o assédio a professores

Foto: Sinpro/RS

O Conselho Estadual de Educação (CEEd/RS) divulgou manifesto contra a implantação do Canal de denúncias contra professores que “atentem contra a moral, a religião e a ética da família”, anunciada pelos ministros da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, e da Educação, Abraham Weintraub, do governo de Jair Bolsonaro (PSL), durante uma audiência pública na Assembleia Legislativa de Belo Horizonte, no dia 19 de novembro. A medida, caso venha realmente a ser adotada, incorpora como políticas de Estado para a educação as ideias antidemocráticas do movimento Escola sem partido que foram rejeitadas nas instâncias do Legislativo em todo o país e consideradas inconstitucionais pelo STF.

A deliberação da sessão plenária de 4 de dezembro do Conselho Estadual de Educação é embasada pelos preceitos constitucionais, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e de parecer do Conselho Nacional de Educação (CNE) em relação à liberdade de aprender e ensinar. A Constituição, em seu artigo 205, orienta que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”, destaca o comunicado assinado pelo vice-presidente da entidade, Érico Michel.

Já a LDBEN, Lei federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996, no artigo 3º, incisos II e III, estabelece direitos em relação ao ensino e à forma como deve ser ministrado: “O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: (…) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber (…) pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Um parecer de 2012 do Conselho Nacional de Educação define as diretrizes nacionais para a educação em Direitos Humanos: “ requer a construção de concepções e práticas que compõem os Direitos Humanos e seus processos de promoção, proteção, defesa e aplicação na vida cotidiana”.

“A educação é um direito e um dever do Estado e das famílias, em colaboração com a sociedade. A escola é um espaço de convivência, de aprendizagem, de cidadania e democracia que deve estar alicerçado na confiança entre educadores e estudantes, entre escola e família. Para tanto, precisamos reconstruir na escola um ambiente de liberdade por parte dos educadores e educandos”, observa o comunicado. Em defesa da escola como ambiente de respeito, admiração, reciprocidade e trocas permanentes entre professores e estudantes, o Conselho, alerta que ela “não pode ser espaço de denúncias vazias de uns contra os outros, mas de diálogo, construção coletiva de conhecimentos e de formação integral de crianças, adolescentes e jovens”.

Em reunião com a direção do Sinpro/RS, o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, anunciou que poderá ajuizar uma ação civil pública contra a medida anunciada pelos ministros

Foto: Sinpro/RS

Em reunião com a direção do Sinpro/RS, o procurador Regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, anunciou que poderá ajuizar uma ação civil pública contra a medida anunciada pelos ministros

Foto: Sinpro/RS

ABUSO DE DIREITO – Em reunião com o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão (PRDC/RS), Enrico Rodrigues de Freitas, na terça-feira, 10, a direção do Sindocato dos Professores (Sinpro/RS) manifestou sua preocupação com a liberdade docente em sala de aula após o anúncio de Damares. Freitas informou que pediu aos dois ministérios documentos que embasaram a decisão. “Para que se tome uma decisão como essa é necessário ouvir diversos especialistas, entidades que lidam com educação, até mesmo a população. Pedi tudo que envolveu o processo na tomada de decisão do Governo Federal”, alertou o procurador, que pretende analisar a questão a fim de verificar se a eventual medida se configura em abuso de direito: “se confirmando isso, vamos ajuizar uma ação civil pública”, adiantou.

“A forma como a criação desse canal foi apresentada, em tom de ameaça, é muito prejudicial à educação”, destaca a professora Cecília Farias, diretora do Sinpro/RS e coordenadora do Núcleo de Apoio ao Professor Contra a Violência (NAP) mantido pelo Sindicato. Ações do Sinpro/RS, do Ministério Público e de diversas entidades na defesa do trabalho docente, se anteciparam à ameaça de Damares.

Em agosto, a PRDC/RS assinou um Termo de Cooperação com o Sinpro/RS e demais entidades ligadas à educação que cria um canal do Ministério Público Federal (MPF) de recebimento de denúncias de professores que tenham enfrentado situações de violência ou ameaça no ambiente escolar. O espaço é utilizado também pelas instituições que recebem relatos dos docentes e repassam ao MPF para encaminhamentos.

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