EDUCAÇÃO

Excesso de trabalho empurra professores ao estresse

O segundo ano letivo realizado de forma virtual em função do avanço da pandemia tem impactado na saúde dos professores do ensino privado gaúcho. Os relatos estão se tornando mais alarmantes a cada dia
Por Cristina Ávila / Publicado em 9 de abril de 2021
A pandemia agravou a situação dos professores, que já viviam uma realidade de excesso de trabalho e assédio moral nas instituições privadas

Foto: Pexels

A pandemia agravou a situação dos professores, que já viviam uma realidade de excesso de trabalho e assédio moral nas instituições privadas

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“Acabaram os intervalos descontraídos na sala dos professores, o cafezinho, o bolinho que a gente levava pra dividir com os colegas. Eram momentos de relaxamento para o cérebro e também para o corpo. Hoje eu entro na sala virtual às 13h30min e saio às 18h, a tarde toda sentada, na mesma posição. Com 30 crianças on-line. E, às vezes, 30 avós e tias, que me perguntam… ‘profe, não era mesmo pra copiar???… profe, tu respondeu de modo grosseiro pra minha criança…’ E eu constrangida, pois, afinal, está dentro da casa do aluno; que no quarto dele levanta da cadeira e vai brincar com o cachorrinho ou com o celular. Ao mesmo tempo, uma barulhada de crianças também falando com a professora ao mesmo tempo”. Aí a internet cai e, quando a tia consegue voltar, pergunta: “O que a gente perdeu, profe?”.

Esse é o relato de uma professora que, como outros colegas, se protege no anonimato, com medo das consequências da exposição. Se no ensino público a situação provocada pela covid-19 é grave, nas escolas do ensino privado as dificuldades estão a cada dia se tornando mais alarmantes.

Os professores estão tensionados e sobrecarregados, afirma Cecília Farias, diretora do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS). “E o ano mal começou.” Relatos de assédio moral, estresse extremo, depressão e também dores físicas ganharam um volume preocupante no mês de março, marcando o segundo ano consecutivo de restrição a atividades letivas apenas virtuais em função da pandemia.

Assistência aos professores

O problema é tão sério que levou o Sinpro/RS a reforçar as atividades e o acesso da categoria ao Núcleo de Apoio ao Professor Contra a Violência (NAP). Serviço criado em 2007 para dar assistência aos associados que sofrem violência implícita ou explícita no ambiente de trabalho, o Núcleo conta com uma equipe multidisciplinar formada por diretores do Sindicato, psicólogos e advogados.

Há relatos de cobranças das instituições de ensino feitas, inclusive, por meio de redes sociais, com nomes dos professores manifestos por conta de avaliações ainda não corrigidas ou porque a coordenação da escola achou feio o cenário da sala de casa em que está sendo dada a aula.

Professores contam que foram submetidos a continuarem trabalhando mesmo depois de terem perdido familiares e amigos na pandemia. Alguns profissionais também revelam sua dificuldade em ter que encarar a tecnologia sem preparo algum. “Como se fosse muito corriqueiro mudar do livro e da lousa para uma tela de computador”, desabafa um professor. “Não é incomum os alunos assistirem (ou não) às aulas com câmeras fechadas, deixando o professor sozinho on-line.” Além disso, ainda ouvem comentários maldosos, questionando os salários integrais, já que estão em casa.

Tarefas on-line invadem a vida privada

A sobrecarga de trabalho e o assédio dos empregadores atingiram níveis alarmantes nesse segundo ano letivo da pandemia

Foto: Igor Sperotto

A sobrecarga de trabalho e o assédio dos empregadores atingiram níveis alarmantes nesse segundo ano letivo da pandemia

Foto: Igor Sperotto

“Postamos questionários, jogos e o planejamento semanal de todas as disciplinas. A coordenação escolar aprova na segunda-feira. Então trabalho no domingo. A escola envia para as famílias. Depois temos que postar gabaritos das atividades que foram feitas durante a semana. Se tiver aluno com deficiência na sala, temos que fazer pelo menos mais um planejamento. Mais outro se tem alguma criança que ainda não sabe ler, por exemplo”, relata uma professora, que também preferiu se manter no anonimato por medo de perder o emprego. “Além de avaliações, têm provas por esse novo meio eletrônico, com câmera ligada. Depois, as correções. E o e-mail do professor fica exposto no aplicativo, incentivando os pais a escreverem, às vezes coisas desnecessárias, mas que precisamos responder antes de dormir, evitando mais acúmulo para o outro dia.”

Os principais relatos são de excesso de tarefas. Frequentemente, os pedidos de relatórios chegam com tempo muito curto para elaboração e postagem, dizem os professores; que ainda precisam ler livros e polígrafos, para apresentação em reuniões semanais, seminários e jornadas de capacitação fora do expediente. Isso quando não são convocados para celebrações, como Páscoa, ou para honrar a morte de alguém da comunidade escolar.

A preocupação da categoria é também dividir esse cenário com as aulas presenciais no ensino híbrido. Os profissionais já tiveram a experiência de se dividir entre o computador e as mesas dos alunos, durante cerca de uma semana quando as escolas foram reabertas, antes de as aulas terem sido suspensas de novo. “Não se consegue dar a atenção devida nem aos alunos que estão em casa no computador, nem aos que estão na sala e precisam da nossa presença como sempre tiveram. É um caos.” O prejuízo é coletivo.

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