GERAL

Disputa de mercado favorece o uso irracional de medicamentos

Por Gilson Camargo / Publicado em 5 de novembro de 2015
Walter Jorge João, presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF)

Foto: Yosikazu Maeda/ Ascom CFF

Walter Jorge João, presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF)

Foto: Yosikazu Maeda/ Ascom CFF

Para o presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, o excesso de farmácias favorece a concorrência predatória do comércio, que induz ao uso irracional de remédios. A legislação que induzia a esse comportamento comercial das farmácias foi em parte superada em 2014 pela Lei 13.021, que transforma as farmácias e drogarias em unidades de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, e assegura a atuação do farmacêutico, nesses estabelecimentos, explica o dirigente. Leia a seguir entrevista completa, concedida por ocasião da reportagem Remédios demais, publicada da edição de outubro.

Extra Classe – Por que é importante limitar o número de farmácias por habitantes?
Walter Jorge João – Na Câmara dos Deputados, um projeto de lei dispondo sobre o assunto chegou a tramitar, em 1995 e 1996, mas foi arquivado. O projeto previa a relação entre número de farmácias por número de habitantes e, também, a distância territorial entre os estabelecimentos. Estudiosos entendem que o motivo de se buscar uma relação equilibrada entre número de farmácias versus número de habitantes é evitar que os estabelecimentos, estando muito próximos uns dos outros, partam para uma disputa fratricida, predatória, entre si, o que favorece o uso irracional de medicamentos.

EC – A Legislação brasileira favorece a prevalência do caráter comercial das farmácias?
Walter – A Lei 5991/73, que “dispõe sobre o controle sanitário do comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos e dá outras providências”, tem uma clara identificação com os aspectos comerciais da farmácia, quando diz, por exemplo, que a farmácia é um estabelecimento de dispensação e “comércio” de medicamentos em detrimento de um maior comprometimento com as questões de saúde. Há um rigor grande quanto à natureza de saúde das farmácias em países europeus. Mas a Lei 13.021/14, aprovada por unanimidade pelo Senado, com a maciça participação dos farmacêuticos (eles, sob a liderança do Conselho Federal de Farmácia e outras instituições farmacêuticas, atuaram fortemente com vistas a convencer os parlamentares a aprovarem a matéria) está revertendo equívocos legais relacionados à natureza da farmácia. A 13.021/14 transforma as farmácias e drogarias em unidades de prestação de assistência farmacêutica, assistência à saúde e orientação sanitária individual e coletiva, e assegura a atuação do farmacêutico, nesses estabelecimentos. Isso representa um avanço enorme para a saúde da população, com forte apelo social.

EC – Para boa parte da população leiga, persiste a crença de que farmacêutico é aquele profissional que vende medicamentos no balcão da farmácia. Como reverter isso?
Walter – Essa visão foi favorecida pelo modelo de farmácia previsto na lei 5991/73, em um momento em que o Brasil ainda contava com poucos farmacêuticos. Esse cenário começou a mudar a partir de experiências isoladas de farmacêuticos insatisfeitos com esse modelo, ao implantarem diversos serviços clínicos nas farmácias em que atuavam. A publicação das Resoluções do CFF no 585/13 e 586/2013 e a aprovação da Lei 13021/14 têm impulsionado a mudança de visão a respeito do farmacêutico, corroborada por pesquisas.

EC – Quais os avanços obtidos com a Lei 13.021/2014, que estabelece as novas responsabilidades do farmacêutico, e como o Conselho consolidou esses avanços?
Walter – Como observou o filósofo e pai da teoria da separação dos poderes, Montesquieu, “uma coisa não é justa, porque é lei, mas deve ser lei, porque é justa”. A 13.021/14 é lei e é justa, porque possibilita ações de promoção da saúde pública, por meio dos serviços prestados pelos farmacêuticos, nas farmácias. Em paralelo à edição da Lei 13.021/14, o Conselho Federal de Farmácia aprovou duas resoluções importantes que reforçam a atuação do farmacêutico, na farmácia. São a de número 585/13, que regulamenta as atribuições clínicas do farmacêutico, e a de número 586/13, que regula a prescrição farmacêutica. A atuação clínica do farmacêutico causará impactos muito positivos na saúde da população. Uma grande parte dela usa medicamentos, inclusive os fitoterápicos e as plantas medicinais, de forma irracional e por automedicação. Esta conduta representa riscos que podem levar a hospitalizações e derivar em agravos na elevação de custos para os próprios pacientes e para os sistemas de saúde. Dados divulgados no livro “Cuidados Farmacêuticos na Atenção Básica”, publicado pelo Ministério da Saúde, a partir de estimativa feita pelo CFF, revelam que só em 2013 podem ter ocorrido, no Brasil, entre 1,2 milhão e 3,2 milhões de internações ligadas a problemas relacionados aos medicamentos nos atendimentos do SUS. O custo total estimado dessas hospitalizações por medicamentos foi de R$ 1,3 bilhão e R$ 3,6 bilhões, naquele ano. A atuação clínica do farmacêutico poderá contribuir para reverter esse cenário.

EC – O que o aprimoramento na Legislação representa em termos de proteção da saúde pública?
Walter – A legislação, tendo à frente a Lei 13.021/14, prima por reforçar a promoção à saúde, a partir dos serviços farmacêuticos. A prevenção, a atenção básica ou primária, a promoção, são forças poderosas da saúde. A lei reforça o papel do farmacêutico como profissional da saúde e valoriza a farmácia como um centro de atenção primária, ou seja, um lugar estratégico para se prestar serviços voltados à prevenção, promoção e recuperação da saúde.

Leia também:  entrevista com o psiquiatra Paulo Belmonte Abreu, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Médicas e Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Ufrgs. Ele  condena o hábito de consumir medicações de tarja preta como um  band-aid para enfrentar situações do dia a dia.

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